18/10/2015

INTEGRIDADE/ CAPÍTULO 4



-Não, não estou. É a oportunidade perfeita. Você substitui Lavínia e eu carimbo toda a documentação que você precisa pro estágio.
O jornalista deprimido fica em estado de choque.
-Mas como é que eu vou fazer isso? Eu nunca dei aula.
-Pra tudo tem a primeira vez. E só vai precisar dar aula pra uma turma só, a da manhã. O 3º B pode se virar sem professor, até porque ali todo mundo só vai vir mesmo quando chegar a caixa de tablet.
-Eu não sei... Agora não tem ninguém pra observar aula aqui na escola. E as outras que fui também não aceitaram um estagiário.
-Pois então vai subir de padrão. É uma solução provisória, meu querido. Dois meses, e pra uma turma só. A melhor que tem dos terceiros anos.
-O que eu faço? Além de dar aula, assumir uma turma durante dois meses, eu ainda tenho que dar conta da faculdade e escrever um relatório. Você, desconhecido que está nos olhando desde o capítulo anterior, fala alguma coisa!- dirige-se a Gabriel.
-Quem é você?
-Acho que tenho a solução do problema desse rapaz. Eu tenho experiência com textos, e posso ajudá-lo a redigir o relatório.
-Continuo esperando a resposta, rapaz.
-Muito prazer, eu sou Gabriel Arenas, repórter da Folha.
-De São Paulo?- o ingênuo Fred questiona.
-Não. Daqui mesmo- a resposta gera uma taquicardia em Amparo, uma vez que ele escutou a negociação estranha- Bom, eu fui designado para tentar uma entrevista com a diretora da escola, mas... Não imaginava que fosse descobrir tanto em cinco minutos.
-Não vai colocar essa conversa toda no jornal, vai?
-Senhora, eu não quero saber o que vai acontecer aqui. O que me interessa é o que levou a tal professora a agredir o aluno.
-Stress!- exclama rapidamente- Uma crise de stress absurda. Sabe como é,né? Lidar com alunos é brutal.
-A ponto de ela agredir o aluno com uma bofetada?
-Deu pra ver que ela estava fora de si. Mas eu não a culpo. O trabalho e a vida pessoal têm estressado ela demais, coitada.
-Lembro de ter visto vocês dois no vídeo... Sabem por que ela agrediu o aluno?
-Cheguei com a diretora na hora da pancada, nem cheguei a conversar com ela.
-Ué, mas você não é o estagiário observador?
-Fred veio à escola no dia da confusão. Ele havia acertado comigo que ia acompanhar as aulas de Lavínia, mas não chegou a conversar com ela porque eu a afastei temporariamente.
-Certo... E o aluno?
-Tomarei medidas socioeducativas com relação ao Felipe.
-Futuramente? Por que ele não foi punido na hora?
-Acaso o senhor entende o que é ser diretora de uma escola?
-Entenderia perfeitamente se o aluno não tivesse feito nada. Ou a senhora quer me convencer de que a tal professora deu no menino de graça, só por causa de um stress?
-Caso não acredite, entre em contato com a professora Lavínia.
-E vou mesmo!- a afirmação assusta Amparo.
-Vou ter que ir também. Tenho que me inspirar no plano de aula dela pra fazer o meu. Ou pensa que vou esperar a biblioteca sair da greve pra pegar o livro de José Carlos Libâneo?
-Ótimo.  Pode dar o endereço pra gente, diretora? Não faça essa cara de contragosto. Melhore!

E como na TV e no cinema horas são minutos, consideremos que essa estória não é documentário. Portanto, vamos dar outro salto no tempo.
Domingo, quatro de outubro de 2015...

Já são quase quatro horas da tarde. Zilda abre a porta do apartamento. Lá, estão Fred e Gabriel.
-O que desejam?
-É aqui que mora a professora Lavínia?- Fred pergunta timidamente.
-Sim. E vocês, quem são?
-São da escola, Zilda- Lavínia chega à sala- Amparo me ligou avisando que eles vinham. Por favor, podem se sentar.
-Com licença- Gabriel entra no apartamento.
-Vocês aceitam alguma coisa? Uma água, um café, um suco?
-Não, obrigado.
-Eu vou aceitar uma água, Lavínia... Posso te chamar de Lavínia?
-Pode, sim. Zilda, aproveita e traz uns biscoitos que comprei hoje- a empregada se retira- Você deve ser o estagiário que ia me cobrir... Quer dizer, que vai me cobrir, não é?
-Não. Eu sou Gabriel Arenas, da Folha do Recife. Fui até a escola ontem pra saber se alguém poderia me dar detalhes sobre o que aconteceu nessa semana.
-E acredito que Amparo tenha sido muito vaga com relação ao assunto...
-Foi. Vai me desculpar a sinceridade, mas acho que ela só me deu seu endereço porque achou que fosse se comportar da mesma maneira.
-Também achei isso. É o direito dela de preservar a imagem da escola. Mas não me importo de ver meu nome sendo jogado no ventilador. Mesmo porque eu não vou passar tantos dias sendo assunto da mídia, já que estão pouco se lixando com a educação. O que você quer saber, Gabriel?
-Tem ideia de como foram parar na internet as imagens da sua agressão contra o aluno, o tal de Felipe?
-Na sala, só estavam mesmo os meninos da turma e, depois, vi chegarem Amparo e esse rapaz. Ela não tinha me contado que ele seria meu observador.
-Então, a senhora não nega que agrediu mesmo o aluno?
-E ia bater mais. Vai botar isso na reportagem? Pode botar. Bateria nele de novo. Pra aprender a me respeitar.
-Sinceramente, não entendo o motivo.
-Felipe anda de rolo com uma menina da turma chamada Rayane. Ela é namorada de Alexandre, que é o melhor aluno da turma. Nesse dia, eu entrei pra dar aula umas dez e vinte, e eles ficaram na porta se beijando. Quando acabaram os quinze minutos de tolerância, mandei os dois pra dentro. Felipe fechou a cara e disse que eu só estava cuidando da vida deles porque a minha não devia ser tão agradável assim.
-Como assim? O que ele disse exatamente?
-Que meu marido não deve dar conta do recado, foi isso. Argumentei que não trago meus problemas de casa pra contar pros meus alunos, e ele debochou dizendo que se eu precisasse resolver meu problema, poderia contar com ele. Isso, depois de ter sido apalpada por ele, na frente de todo mundo.
-Sabe se isso foi filmado?
-Se foi, não quiseram colocar pro Felipe sair de vítima na estória.
-Felipe tem problemas com outros professores?
-De uns tempos pra cá, sim. Ficou mais respondão, agressivo, parece que ele tem raiva e quer descontar no mundo os problemas dele. Antes, era um aluno bem relapso. Agora, foge da aula, escala o muro, conversa bastante, atrapalha todo mundo... Pode perguntar pra qualquer professor de lá.
-Então, sua indignação foi por ter sido agredida pelo Felipe?
-Não só por isso. Também porque Amparo não fez nada. Ficou refém dele. Tudo pra não comprometer a imagem da escola. Muitos dos alunos de lá costumam ser chamados pra fazer intercâmbio na Suíça. Mas entendo o lado dela, quis abafar um escândalo.
-Me desculpe, mas não tem que concordar com ela. Tudo bem que ninguém recomenda devolver a agressão de um aluno, mas você foi desrespeitada.
-Desde quando alguém entende lado de professor, meu filho? A gente tem que engolir calada. É bom você escutar isso, Fred. Vai ter que engolir muito sapo se quiser se firmar na profissão.
-Imagino a sua agonia de querer voltar pra lá o quanto antes.
-Mas sabe que foi até bom ter me afastado? Olha, eu estou realmente passando por um problema aqui em casa, e quero usar esse tempo pra resolver. Se bem que... Não vou mentir dizendo que me sinto em segurança com ele lá. Quinta-feira ele fez isso comigo, imagina o que vai fazer com você. Toma cuidado com esse menino, Fred. Não tire brincadeira com ele. Ignore que é melhor.
Zilda volta com a água e os biscoitos.
-Obrigado- ambos os rapazes dizem à empregada.
-Zilda, cadê Caíque?
-Se enfurnou no escritório.
-Em pleno domingo à tarde? Tudo bem, Zilda, pode ir. Fred, você pode ficar com meus planos de aula, separei tudo nessa pasta. No fim do estágio, você me devolve.
-Desculpa incomodar a senhora desse jeito, professora...
-Imagina. Eu já fui como você. Também passei por isso, ouvi meus futuros colegas de profissão falando horrores de alunos e pensei: vou mudar o comportamento dele com a minha intervenção. Não muda nada, meu filho. Você pode ser o melhor professor do mundo, mas se o aluno não tiver interesse na sua aula...
-Dona Lavínia, desculpe eu me meter, mas aí pode ser falta de educação doméstica.
-Ou o aluno tem educação doméstica e usa o livre-arbítrio pra não usar.
-Pois é. Sinto isso com meu sobrinho. Trato ele tão bem, cuido dele com se fosse meu filho... Mas só faz o que quer de uns tempos pra cá. Vai ver é falta de pai, não é?
-Tem muito filho que é criado sem pai e dá pro que presta, Zilda.
-É... Cada um é responsável pela escolha que faz- avalia Fred.
-Toma cuidado com ele, Fred. Ninguém responsabilizou esse menino. Deve achar agora que tem carta branca pra fazer o que bem entender.


Bem longe dali, na casa de Felipe, o rapaz está na cama abraçado à Rayane.
-Você não tem ideia de como é bom ficar assim contigo...
-Pena que escondido de todo mundo.
-Escondido é melhor... – tenta beijar a moça.
-Por quê? A gente não tem que se esconder de ninguém.
-Só do seu irmão, que não vai com a minha cara.
-Xande não manda em mim, eu não sei se você sabe.
-Mas você dá valor ao que ele diz.
-E ao que eu sinto também. Isso não conta?
-A gente podia repetir a dose amanhã, né? Minha tia vai dormir no emprego hoje, só volta lá pra de tarde... E amanhã não tem aula de Lavínia, que é no último horário...
-Não vai rolar, Lipe.
-Por que não?
-Porque não tem como ser igual a hoje. Você sabe como tá sendo tudo tão especial pra mim. Eu cheguei aqui, morrendo de medo, e você...
-Shiu!- põe lentamente a mão na boca da namorada- Não fala nada, não, Ray. Só quis dizer que amanhã a gente pode ficar sozinho de novo. Mas o dia ainda não terminou.
-Lipe, deixa disso, eu tenho que ir pra casa.
-Antes, vai comigo até o fim do mundo- beija a namorada e a envolve num longo abraço.

Segunda-feira, cinco de outubro de 2015...

Fred fica sentado num banco de praça, localizado em frente à Escola de Referência em Ensino Médio Antonio Nipo (devo ganhar um salário astronômico para repetir esse nome enorme a cada capítulo, hein?). Os alunos repararam no estagiário, que traja uma camisa branca, e logo pensam que se trata de um estudante novato. Os alunos do Terceiro A, que acham o rosto do rapaz familiar, comentam entre si.
Toca o sinal às sete e meia da manhã. Amparo abre o portão e põe todos pra dentro. Logo, Fred se junta à diretora, que o leva até a sala dos professores.
-Aquele teu amigo jornalista não chegou?
-Mandou dizer pelo WhatsApp que daqui a pouco vem pra cá.
-Muito bem- afirma, mesmo descontente- Fred, você pode ficar aqui na sala. Sinta-se à vontade.
-Onde estão os outros professores?
-A maior parte participa hoje de um indicativo de greve, não sei quem vem mesmo pra cá. Mas é bom. Assim, você analisa com mais calma o plano de aula que Lavínia deixou. Mas me conta: o que vai fazer com eles?
-Pensei em passar uma atividade. Cinco questões, pra revisar esse conteúdo sobre pronome que Lavínia deixou inacabado.
-Ótimo. Entretenha os meninos o máximo que puder. Não deixe eles saírem antes das doze. Não se esqueça de que sua aula é no último horário.
-Tá certo. Eu trouxe o pendrive pra imprimir a atividade na sua sala.
-Infelizmente, a copiadora daqui não funciona faz um tempinho. O jeito é escrever no quadro mesmo. Tem problema?
-Não, imagina- Fred tenta ser compreensivo.
-Bom, se precisar de mim, sabe onde me chamar.
-Tudo bem. Obrigado.
Amparo sai da sala dos professores no momento em que Felipe chega à escola. Quando a diretora fecha a porta, o rapaz percebe a presença de Fred no recinto. Sem se lembrar do universitário, espera que ela se afaste para bater na porta. Antes de ouvir qualquer resposta, faz uma pergunta pra sondá-lo.
-Professora Lavínia tá aí?
-Não... – Fred se recorda do rosto do estudante- Ela não vem hoje.
-Ah, tá... E você? É aluno novo?
-Não é aluno novo, não- Gabriel os surpreende entrando na sala dos professores- É o seu novo professor de Português, Felipe.

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