-Bonequinha japonesa? Mulher, o que você anda assistindo?
Mangá?
-O termo correto é anime, seu cafajeste!
-Qual a diferença de anime pra mangá?
-Anime é o desenho, e mangá é o livro.
-Mas os dois não são japoneses? Então, é tudo a mesma
porcaria!
-Não muda de assunto! Quem é a bonequinha japonesa... Ou
melhor, a vagabunda oriental que está falando com você pelo telefone?
-Meu amor, eu não sei do que você está falando!
-Sabe, sim! E está me chamando de meu amor pra disfarçar!
Não seja mentiroso! Fala logo quem é essa bonequinha japonesa, antes que eu
passe o bisturi na sua cara e te deixe como um paraguaio deformado!
-Acho melhor você se conter, Lavínia! Você não tem o
direito de invadir a minha sala e me acusar de ter caso com alguém!
-Você vai continuar agindo como se eu não tivesse ouvido
nada?
-Era só a responsável pela empreiteira que está tomando
conta do negócio do cais, Lavínia.
-Será? Será que é só isso mesmo? Porque eu não consigo
acreditar em você! Me passa esse celular!
-Não toca nele!
-Viu só? É sinal de que você está me escondendo alguma
coisa! Qual é o problema? Eu conheço essa desgraçada?
-Lavínia, não bastou o escândalo que você protagonizou
naquela...
-Eu estou pouco me lixando pra escândalo! Eu quero escândalo!
Porque aí, mais cedo ou mais tarde, eu vou saber quem é essa mulher! Mesmo que
você não abra a boca, eu descubro nome, sobrenome e medidas! Passa esse telefone!
-Não!
-Passa esse telefone, Caíque!- toma o aparelho da mão do
marido- Alô????
-O número para o qual você ligou está fora de área ou
desligado. Pu! Pu! Pu!- a tal amante disfarça a voz.
-Disfarçou a voz! Com pura precisão!
-É a mulher do telefone, Lavínia!
-Quem é que estava falando com você, Caíque? Para de me enrolar
e diz quem é a mulher do outro lado da linha!
-Não tenho amante nenhuma! Já falei! Agora, saia da minha
sala, já me arrumou problemas demais por hoje.
-Eu saio da sua sala, e você do meu quarto.
-Escuta aqui, se você não quiser dormir comigo, pegue o seu
travesseiro e durma no sofá.
-O quê?
-Ou melhor: tire o colchonete de dentro do malheiro e
durma enrolada no chão da sala.
-Você tem noção do que está me dizendo?
-Total! Eu não mandei ampliar aquela birosca de
apartamento pra você me mandar dormir no sofá por causa de ciúme doentio! Vou
pra minha cama hoje, e você vai dormir onde bem entender!
-Como é que você tem coragem de dizer que meu ciúme...
-Eu já disse tudo que tinha pra dizer, Lavínia! Nãovou me
curvar aos seus delírios. Se quiser acreditar que eu tenho uma amante, ótimo.
Agora, se quiser ter seu marido de volta, torne-se interessante! Faça por
merecer. Mas hoje, como todas as noites, eu vou dormir na minha cama! Agora
saia, que eu vou dar a descarga!
Bernardo está na rua da casa de Felipe, conversando com o
estudante.
-Achasse o quê?
-De quem?
-Do professor novo.
-Nada demais.
-As meninas gostaram. Principalmente do estagiário.
-Esse é o que eu não fui com a cara mesmo. Mas não vai
durar muito esses dois, não...
-Peraí, Felipe... O cara só deu uma aula e tu já tá armando
pra cima do cara?
-Não devia ter ficado nem meia hora na sala. Logo na
segunda, o dia que ninguém tem saco e tem que encarar a Educação Física, esse
fulano inventa de não largar a gente cedo. Vai rodar, eu te garanto.
-Vê se toma cuidado, cara. Numa dessas, vai que alguém
filma e joga no Insta de novo.
-Se filmar, vai ser ele pedindo pra sair. Esse Fred não
dura uma semana.
-Tá certo. Mas como é que tu vai fazer pra ele vazar?
-Vou entrar no jogo dele. Vou mentir dizendo que sou bom
aluno.
-O tal de Fred eu não sei, mas o outro carinha não vai
engolir essa novidade. Tu mesmo disse que ele já sabia do teu problema com
Lavínia.
-Mas vai acreditar. Fred não vai sair por minha causa.
Vai sair por causa da escola mesmo. Duvido que ele fique muito tempo depois do
que vai ver amanhã.
Terça-feira, seis
de outubro de 2015...
Começa mais um trecho do capítulo e se ignora o drama
rasgado de Lavínia, certo? Mas o texto preza pelo humor (ou pela tentativa
deste), então vamos investir no vilão que não se revelou ainda tão perigoso
quanto a sinopse prometia. Felipe resolveu ser dissimulado como bem prometeu na
sequência anterior. Deu bom dia ao porteiro da escola, passeou pelo pátio e
sentou numa das cadeiras. Seria algo irrelevante, não fosse este vil personagem
o primeiro dos alunos a chegar.
Rapidamente, Felipe aproveita que as portas das salas de
aula já estão destrancadas e entra no local onde o Terceiro A se reúne diariamente.
O que faz ele? Abre todas as janelas do espaço. Daí, você se pergunta: isso é
maldade? Claro que é. Vai entender no final do capítulo.
Reforça-se também a cota de maldade de Felipe quando ele
traz no bolso alguns pequenos pedaços de pão, jogando-os por uma das saídas de
ventilação (prefiro usar este termo para não dizer que os ventiladores estão com
defeito). O jovem fecha a porta e volta para o banco.
Felipe começa a usufruir do wifi da Escola de Referência
em Ensino Médio Antonio Nipo (e eu, sabendo que ele é liberado, vou pegar o
endereço dessa escola para obter essa conexão maravilhosa!).
Ouvindo Roberto Carlos, porque ela acha que nada do que
toca hoje em dia presta, Zilda chega ao apartamento e encontra Lavínia dormindo
no sofá.
-Perdeu o sono, Dona Lavínia?
-Antes ele que o marido.
-Brigaram, foi?
-Foi. Mas agora eu tive certeza de que ele tem outra,
Zilda. Não sei mais o que eu faço com relação a Caíque.
-Calma, Dona Lavínia. É só uma fase. Vai passar. Daqui a
pouco, ele sai do quarto e tenta conversar com a senhora.
-Já foi embora pro trabalho. Não teve a capacidade de me
dar "bom dia". Devo ficar insuportável a cada dia pra ele.
-O que é isso nas suas costas? "Minha..."... –
Zilda começa a ler até onde a roupa de Lavínia mostra.
-Finalmente alguém notou. Mas o público-alvo da minha
tatuagem não percebeu. E isso que me consome de ódio. O que eu faço, Zilda?
-Olha, eu tenho uma ideia. Por que a senhora não vai
conversar com sua amiga, a diretora do colégio?
-Sei lá, Zilda... Acho que não é bom eu aparecer por lá.
Depois daquele escândalo todo...
-Que é isso? A culpa não é sua, não! É daquele moleque
abusado, que faltou com respeito à senhora. Olhe que se fosse comigo, mandava
esse peste pra Restauração do cacete que eu ia dar!
-Zilda!
-É isso mesmo. Se meu sobrinho tirasse uma liberdade
dessa, ia fazer desse jeito como eu estou lhe dizendo. Não tem que ter vergonha
de nada. Além disso, era obrigação dessa sua amiga diretora lhe pedir desculpas
e devolver seu cargo.
-Quer saber? Eu vou lá falar com a Zilda, sim. Não é
possível que vá me impedir de entrar no colégio... Vou pegar minha bolsa!
Fred e Gabriel chegam à escola ao mesmo tempo, se
cumprimentam ainda do lado de fora e entram juntos.
-O que foi que achou do primeiro dia de aula?
-Foi tenso, eu tenho que confessar. Mas até que foi mais
tranquilo do que eu pensava. Obrigado.
-Obrigado por quê, cara?
-Pela tua ajuda, cara. Pensei que eu ia encarar sozinho,
já que Lavínia não tava aqui pra me supervisionar, mas...
-Calma aí. Você é o professor-supervisor agora, eu só sou
o estagiário, se esqueceu?
-Até que Felipe não deu problema ontem. Vamos ver hoje. O
que é que você tem?
-Eu tava me lembrando da minha... Deixa pra lá.
-Pode se abrir, fica à vontade.
-Melhor não. Tô mais empenhado do que nunca nessa
matéria.
-Parece que você tá fugindo de alguma coisa...
-Não. Não parece, não. "Bora" entrar?
-Agora. Primeira aula do dia é a minha, sente o drama- os
rapazes entram na sala de aula, e ficam boquiabertos ao encontrar a maioria dos
alunos fazendo a mesma expressão- Mas o quê que é isso?
-Que zona é essa?
Nenhum comentário:
Postar um comentário