-Engraçado você perguntar justamente por Lavínia, sabendo
que ela foi afastada por sua causa.
-Afastada? Amparo foi tão longe assim por causa de mim?
Dei valor... Mas falando sério: quem é esse menino?
-Esse menino é o cara que vai ocupar o último horário de
hoje, com aula de Português.
-Sério isso?- Felipe se volta para Fred.
-Aham.
-E tu vai ficar muito tempo na escola?
-Se dependesse de você, ele ia embora agorinha, não era?-
Gabriel provoca o estudante.
-Quem disse pra você que não depende? E vem cá, pra ser
professor precisa ter porta-voz agora?
-Esse é Gabriel. Ele é...
-O novo estagiário da escola. Vou acompanhar as aulas de
Fred enquanto ele estiver aqui.
-Fazendo o quê?
-Observando, anotando, escrevendo... Meu trabalho vai ser
moleza... Não tá na hora de ir pra sala, não?
-Tá certo. Seja bem-vindo, professor.
-Obrigado- agradece, sem jeito. Espera Felipe sair pra
conversar com Gabriel- Que foi que te deu?
-Em mim?
-Parece que tava provocando o menino.
-Não foi impressão sua, não, cara. Foi pra botar ele no
lugar mesmo, mostrar que comigo não tem boquinha, não. Aliás, com você, que é o
professor dele.
-O que foi que achou dele?
-É meio marrentinho... Mas não me mete medo. É só não
fazer o que ele quer.
-Sei, não... Pensei que ele ia avançar em cima de mim
quando você disse que eu era professor dele.
-Pensa que é provisório, Fred. Não vai dar tempo de ele
implicar contigo.
-Todo professor é um pé no saco pra um aluno como ele.
-Pode ser, mas vai ter que domar a fera.
-Como?
-Isso eu não sei, mas vai ter que aprender.
Receosa, Lavínia chega a um estúdio de tatuagem,
localizado no centro da cidade.
-Bom dia.
-Bom dia, moça.
-Eu queria fazer uma tatuagem.
-Nossa, que diálogo inteligente. O autor não soube
escrever outra coisa... E é por causa disso que só apareço nessa cena...
-Eu andei pesquisando na internet, e recomendaram muito
seu estúdio.
-Pois é. O "Canetada" é praticamente uma
referência internacional no assunto. Sabe a Luana Piovani?
-Sei. Ela se tatuou aqui?
-Não. Mas sabe a Mel Lisboa?
-Conheço. Também se tatuou aqui?
-Não também. Sabe o...
-Vamos parar com isso, por favor?
-Tudo bem. O que a senhora quer fazer? Desenho ou
escrever algum nome, alguma frase?
-Queria colocar um trecho de uma música.
-Pra agradar o maridão, acertei?
-Como é que você sabe?
-É uma tendência mundial. Como o número de divórcios tem
aumentado, as mulheres utilizam essa prática para fisgar novamente os maridos.
-Sei bem.
-E onde quer que eu escreva?
-Tem como usar toda a parte das minhas costas?
-Tem, claro. Eu vou lhe entregar uma pasta que tem todas
as fontes de letras pra senhora escolher.
-Não precisa. Quero uma palavra em cada linha, em fonte
Arial ou Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5, tudo centralizado,
margem esquerda de 2,5 e margem direita de 3,0. Pode ser ou é pedir muito?
-Sem problema. Não sei se tem conhecimento, mas
tatuadores tem que se adequar às regras da ABNT.
Dentro da sala, Felipe está na última cadeira, bem longe
da namorada, situada ao lado do aplicado irmão. Vivi, que está perto, também
estranha a distância entre ele e Rayane. Xande também nota algo errado com o
problemático.
-Não tá ao lado dele hoje por quê?
-Felipe tá com a macaca hoje. Tu não sabe o que ele me
disse.
-Que vai tomar jeito na vida?- ironiza.
-Lavínia ganhou substituto.
-Mentira... Tem professor novo aqui na escola?
-E bota novo nisso. Não sei se reparasse num menino de
branco, bem novinho, que a gente tava se perguntando se era aluno dessa
turma...
-Tanta gente pode ser aluno, porque o povo vive faltando
aula, Rayane. Não vê o Terceiro B, que só vai aparecer quando o tablet chegar?
-Aquele cara não é aluno, não. É o novo professor de
Português do colégio.
-Sério? Então, deve ser um Einstein!
-Lá vem tu querendo fazer amizade com professor, como
sempre.
-Imagina se for um gênio e me indicar alguma faculdade de
Ufologia. Aqui não tem, mas vai que ele conhece...
-Professor novo? Tá brincando!- André diz, depois de ouvir
Felipe relatando o que houve anteriormente para ele e Bernardo.
-E não vem sozinho, não. Tem no pacote um estagiário
marrento.
-Caramba, Lavínia se vingou bonito de você, hein? Acabou
aula vaga de vez- constata Bernardo.
-Vamos ver quanto ele dura aqui. Vocês têm que ver a cara
que o novato faz. Parece que tá com medo de encontrar bandido, traficante por
aqui... Não se cria aqui, não. Tenho certeza.
Caíque chega de um almoço com quatro engenheiros e entra
na empreiteira responsável pela reforma do Cais Tomé Israelita. Mas antes de
abrir a porta do escritório, ouve a voz de sua esposa.
-Caíque?
-Lavínia? O que está fazendo aqui?
-Quase nunca venho aqui, Caíque. Pensei em te fazer uma
surpresa.
-E conseguiu...
-Acabei de chegar. Você não quer sair pra almoçar comigo?
-Infelizmente, não vai dar. Acabei de chegar do
restaurante com o pessoal. Ainda temos uma reunião pra discutir como expedir
uma liminar pra tirar o pessoal da ocupação.
-Eu vou te esperar aqui, então.
-Lavínia, eu não sei a que horas a minha reunião vai
terminar.
-Eu espero. Pelo menos, a gente janta fora.
-Tudo bem, tudo bem- beija o rosto da esposa- Por favor,
venham por aqui- convida os quatro homens a entrarem na sua sala, enquanto a
professora fica à sua espera.
Onze e dez da manhã... Socorro!
A dupla dinâmica do barulho vai aprontar altas confusões
na "Sessão da Tortura Escolar". Tudo bem, essa piada foi meia boca,
mas serviu só pra dizer que nesse último horário, Fred e Gabriel entraram na
sala do Terceiro Ano A. Os meninos ficaram apavorados. Felipe ficou mais tenso
que a pressão dos jogadores da Seleção Brasileira de 2014. As meninas (não
todas, claro) ficaram ouriçadas com a beleza do jornalista disfarçado de
estagiário sofredor. Vivi não perdeu tempo e falou para Rayane.
-Tira foto do mais alto.
-Pra quê isso? O meu é bonito.
-Mas a gente bota na página.
-Qual?
-"Spotted: EREM Antonio Nipo".
Se você é um daqueles que não sabe o que são as páginas
denominadas "Spotted", melhor pra você.
-Bom dia, pessoal. Como vocês já sabem, a professora
Lavínia está fora da escola por um tempinho.
-Vazou, né, meu filho?- Felipe esclarece para mau
entendedor.
-Sendo assim, eu vou ficar aqui por um tempinho, até ela
voltar.
-Qual seu nome?- o paciente Xande pergunta.
-Pode me chamar de Fred.
-Mas tem cara de Thiago- exclama Vivi.
-Ah, tá. Mas é Fred. E esse daqui é o Gabriel, ele é
repor... – recebe uma pisada nada sutil do jornalista- Representante do curso
de Letras.
-Resumindo: um estagiário que não faz porcaria nenhuma.
-Eu supervisiono o trabalho do professor Fred, Felipe.
Mas a minha obrigação é observar o comportamento dos alunos também.
-Ou seja, é o X9 do pedaço.
-Essa gíria não é usada nem no "BBB", cara...
-Bom, eu espero que vocês gostem da experiência de me ter
como professor por algumas semanas.
-A gente vai adorar o senhor. Principalmente se o senhor
vier com essas frases de duplo sentido- Felipe observa o que o time de sete
colaboradores não percebeu a tempo- E o que o senhor vai dar pra gente?
-Nada. Vocês é que vão estudar por conta própria. Saquei
o duplo sentido na sua frase também- só eu que não vi?
-Como assim, professor?
-Então, é... Qual seu nome?
-Rayane.
-Pois então, Rayane. A gente vai começar sem assunto
novo. O que eu quero fazer com vocês, a princípio, é uma revisão do último
conteúdo que Lavínia trabalhou aqui, que foram os pronomes.
-Professor, eu posso escolher uma cadeira pra começar as
minhas observações?
-Quem?- depois da pergunta, Fred volta a si- Ah, sim,
fique à vontade.
Gabriel resolve se aproximar da cadeira que está ao lado
de Felipe, abre um caderno e fica aos olhares atentos do estudante,
ignorando-o.
Os quatro empresários saem e Lavínia fica esperançosa.
Comenta com a secretária.
-Será que ele já vai sair?
-Muito provavelmente, Dona Lavínia. Eu vou ligar pra perguntar.
-Imagina, o que é isso? Vou entrar. Ele não vai se
incomodar, não tem ninguém lá dentro mesmo...
-Mas, senhora...
-Senhora está no céu! E pare com isso, que eu fiz um mini
lifting!- Lavínia entra no escritório. Mas aparentemente não há ninguém lá.
Ouve uma voz masculina no banheiro, mas antes fecha a porta.
-Hoje não vai dar, não tem como. Lavínia está lá fora, e
me chamou pra jantar. Certamente, deve ter dado ouvidos as dicas da amiga
diretora dela. Tudo bem, meu amor, eu sei que é excitante pra você fazermos
tudo às escondidas. Mas eu tenho que saber disfarçar, não é? Certo. Marque o
dia que você quiser, eu vou te encontrar no hotel. Claro, no mesmo horário de
sempre. É por isso que eu gosto de você, minha bonequinha japonesa... Um
beijo...
-BONEQUINHA JAPONESA????- Lavínia invade o banheiro, bem
a calhar no momento em que Caíque está sentado em pleno vaso sanitário, com a
ligação ainda em andamento- Então, eu estava certa? Você tem outra mulher?
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