-O que você
disse?
-Ele deve
estar delirando, Frederico- Lana tenta disfarçar a partir da postura do
adolescente- Deixa ele ir.
-Eu não
posso, Lana. Yuri não está bem. Eu tenho que levá-lo até a Ana Maria. Vem
comigo, Yuri- estende o braço.
-Não toca em
mim! Você é ruim- começa a rir- Ruim como todos os outros.
-me deixa te
ajudar, por favor. Você está dormindo na rua, se vê que não come há mais de uma
semana... Não faz isso com você mesmo, cara. Todo mundo está preocupado com
você...
-Todo mundo
quem? A Ana Maria? Aquela assassina que matou o meu pai? Sai de perto de mim.
Eu não volto pra casa mais nunca. Eu não quero morrer! Não quero- corre.
-Volta aqui,
Yuri! Vem, Lana!
-Onde você
vai?
-Entra no
carro! A gente vai à delegacia agora! Vamos dizer que vimos o Yuri. Eles têm
que avisar à mãe dele.
-Que insistência
a sua de falar dessa mulher! Esse garoto está transtornado, Fred. Viveu dias
difíceis. Não é pra se exigir que ele se comporte normalmente depois de ver a
mãe esfaquear o próprio pai.
-Mas ele não
pode continuar se drogando desse jeito. Ainda tem salvação. E a polícia já está
atrás dele. Eu vou dizer que eu o vi aqui, junto com você.
-Já está tarde,
meu amor. A gente nem faz ideia de onde procurar esse garoto, de onde ele possa
ter ido, onde está dormindo...
-Não me deixa
desistir, Lana. Eu preciso resgatar esse menino, e o que eu tiver que fazer, eu
vou fazer pra conseguir.
-Eu não vou com
você. Estou me sentindo muito enjoada. Acho melhor eu ir pra casa e você ir à
delegacia. Me dá o dinheiro do táxi.
-De jeito
nenhum. Eu não vou deixar você sozinha. E se te acontece alguma coisa?
-Mais
preocupada do que já estou você vai me deixar se não resolver nada a respeito
desse rapaz. Você tem razão, tem que procurar a polícia o quanto antes. Mas me
deixa ir pra casa, me dá o dinheiro do táxi.
-Tudo bem-
abre a carteira e lhe entrega uma nota de cinquenta reais- Eu ligo pra te
informar, se eu tiver alguma novidade.
-Cuidado, meu
amor. Não dirige rápido, vai com cuidado- Frederico entra no seu carro e vai
até a delegacia. É a deixa perfeita para que Lana faça uma ligação por meio de
seu próprio celular- Alô? O Yuri apareceu por aí? Se ele aparecer, manda ele
ficar na casa, eu tenho que falar com ele. Não, não interessa o que eu vou
conversar. Segura o moleque e não conta que eu liguei- ao desligar o celular,
pega o táxi que havia sugerido ao marido.
XXXXX
Ana Maria e
Betina são levadas por Igor até uma igreja evangélica.
-Por que você
nos trouxe aqui, meu querido?
-Minha mãe
sempre tinha vontade de entrar aqui- relembra a garota.
-Mas no
final, sempre desistia. Sempre tive vontade de conhecer.
-Eu pensei
que você ia nos levar pra dar uma volta, Igor.
-Eu disse que
ia te trazer pra conversar com alguém que pode resolver o problema do Yuri.
Quem melhor do que a pessoa que sabe resolver todos os problemas?
O pastor que
ofereceu uma palavra a Otaviano no hospital está em seu púlpito, e pede a
todos:
-Irmãos,
fechem agora seus olhos. Esse é um momento de meditação e também de adoração.
Adoração porque sabemos que, mesmo na maior das lutas, não somos desamparados.
Acode-nos, Senhor, quando estão imersos na lama. Ouça a voz de nossos corações,
não Seja indiferente diante de nossas súplicas. Olhe por esses irmãos, por Seus
filhos que tanto pelejam sem deixar de crer na Tua unção, no poder de
restauração que só Tu tens para derramar sobre nós. Olha por tantos que estão
na rua, jogados, abandonados à própria sorte, por tantas famílias que vêm sendo
destruídas pelo adversário dia após dia- Ana Maria se emociona com as palavras
daquele homem, abrindo os olhos- Olha por nossos filhos que só podem ser
protegidos pelo Teu olhar. Orienta os nossos filhos que são, antes de tudo,
Teus, quando não estivermos por perto para orientá-los. Ilumina o coração deles
e o nosso. Chegue ao íntimo, aonde não podemos chegar. Opera as Tuas
maravilhas, que não sabemos explicar, mas conseguimos e queremos sentir, por
meio da fé que depositamos somente a Ti.
XXXXX
Na casa que
serve como ponto de consumo de drogas, Yuri está acompanhado de outros
dependentes, até que Lana, caracterizada com rapaz novamente, trata de estalar
os dedos para que os outros saiam da residência.
-Viu só? É
como se eu fosse a dona deles. Se comportam como cachorrinhos, sabem me
obedecer... Ao contrário de você.
-Escuta só,
Lana...
-Não me chama
de Lana, eu já falei- esbofeteia o adolescente- Eu já mandei você me chamar de “Porcelana”
quando a gente estiver com os meninos por perto.
-Por que você
fez isso?
-Pra você
aprender a não me desafiar, e hoje você fez isso duas vezes.
-Quem você
pensa que é pra encostar a mão em mim?
-Eu? Eu sou a
mulher que está grávida de um filho seu, e que tem que mentir pro marido dela,
dizendo que o filho é dele.
-Como se você
tivesse se arrependido de esconder. Muito confortável pra você, mas pra mim,
não! Por que você não me falou nada?
-Falar pra
quê... Papai? Vai cuidar desse bebê também? É o Fred que quer esse filho,
sempre quis, e eu vou dar esse filho pra ele criar, junto comigo.
-Você não
pode estar falando sério... Era pra isso, então, que você dormia comigo, não é?
Pra conseguir esse filho que seu marido não conseguia te dar! Não me afasta de
você, Lana. Por favor, você é a única pessoa que eu tenho.
-Foi pra isso
que eu vim aqui. Pra dizer que a gente tem que se afastar, pelo menos por um
tempo.
-Não, eu não
vou me afastar de você. Você gosta de mim. É a única pessoa que gosta de mim. Você
não pode me trocar por aquele cara. Se você gostasse mesmo dele, não tinha me
levado pra cama.
-Uma fraqueza
minha, mas é um mal que eu pretendo reparar. Quanto a esse filho, ninguém vai
saber quem é o pai. Eu não vou perder o meu casamento. Nem você a sua mãe.
Agora inventa de falar pro Fred de novo que é seu filho, inventa. Você não vai
poder defendê-la, porque antes disso, eu acabo com a sua vida.
-Quando você
olhar pro bebê, é em mim que você vai pensar. Você pode passar o resto da vida
contando essa mentira, mas ele é meu. De mais ninguém.
-O que você
vai dizer? Que pode oferecer um bom futuro a essa criança? Que vai assumir a paternidade
e me acusar de abuso, quando nós tínhamos plena consciência do que fazíamos? Que
aos doze anos, tem capacidade de gerar uma criança e cuidar dela, sendo que
sozinho nem se aguenta em pé de tanto pó que cheira? Você foi uma aventura, e ia
continuar sendo até a hora em que eu me cansasse. Como agora. Você não tem em
quem se segurar que não seja em mim, Yuri. Acaba com o meu casamento e você vai
perder mais do que eu.
Revoltado, o
adolescente sai do ponto de consumo, e Lana dá um suspiro. Um dos traficantes
entra na casa.
-Está tudo
bem aí?
-Tudo. Vou
sair daqui pra não levantar suspeita. Obrigado por ter segurando ele aqui.
-Quer que as
crianças apaguem ele?
-Não, não vai
ser preciso. O recado que eu dei é o suficiente.
XXXXX
Yuri volta à
casa de Otaviano e Ana Maria. Sônia está na sala quando vê o garoto subir às
escadas bem nervoso.
-Yuri! Yuri,
vem aqui, sua mãe está preocupada com você! Ai, se ele topa com o seu Otaviano
lá em cima, é capaz de acontecer uma tragédia.
E o garoto se
surpreende ao encontrar o pai em seu quarto?
-Você aqui?
-Já deixou de
me chamar de senhor? Ainda tem muito o que aprender. Essa semana inteira no
hospital. Nenhuma só visita. Bastante nítida a sua preocupação comigo.
-Pensei que você
tinha morrido... – é interrompido por uma risada do pai.
-Todos
desejam isso, mas é inútil. Inclusive você, que quer que eu desapareça pra
fazer o que bem entender.
-Como se eu
já não fizesse isso, com você aqui ou não- vai para a gaveta e pega uma
corrente.
-O que você
vai fazer?
-Não é da sua
conta.
-Essa
corrente é aquela que você me pediu tanto pra te dar no teu último
aniversário... O que você vai fazer... Não, não é o que estou pensando.
-Me deixa em
paz, Otaviano.
-Agora que
estou reparando nas suas roupas, no seu olhar... Onde foi que você dormiu
quando eu estava internado?
-É a primeira
vez que você repara nisso, antes tarde do que nunca. Quer saber mesmo? Na rua.
Lá, eu encontrei quem me desse o que eu queria. Não é como aqui, onde você me
odeia.
-Você virou
mesmo um drogadinho, como eu suspeitava. Agora, eu entendo o que você veio
fazer aqui. Você veio roubar sua própria família.
-Não é
verdade...
-Você veio
acabar com a paz da sua família se drogando, e agora você vai roubar? Você vai
vender isso e gastar o dinheiro em cigarro, em pedra, em pó? A que ponto você
chegou, meu filho?
-Eu vou
vender o que você me deu. É meu! E eu não que te explicar nada. Se você não foi
homem pra ser pai, agora é que não vai ser.
-Antes de
você me causar essa vergonha, eu acabo com você- vai à gaveta e tira outra
corrente.
-Vai fazer o
quê, Otaviano? Daqui você só consegue me tirar à força se me matar.
-Quem disse
que eu não vou fazer isso, Yuri?- ele joga o adolescente contra a parede e
aperta o seu pescoço com a tal corrente.
-Me solta!
Você ficou maluco? Socorro!
-Essa
vergonha eu não vou passar! Você não vai mais usar droga, nem que pra isso eu
tenha que tirar a sua vida!
-Não! Sônia!
Mãe!- perde a voz, enquanto os olhos ficam marejados e vermelhos.
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