Rosane está dormindo. Abre os olhos ao perceber que os primeiros raios iluminam seu quarto. Vê Otaviano vestindo o terno.
-Onde
você vai?- levanta-se, assustada.
-Que
pergunta! Ao trabalho. Pra onde eu vou todos os dias.
-Bem que
você podia ficar mais, ainda é muito cedo.
-O
trânsito não é brincadeira, Rosane. E eu me levanto tantas vezes, quase todos
os dias, que você deveria estar acostumada.
-Seria
fácil... Se você fosse meu marido- ele para de colocar a gravata.
-Você
sabe que isso não vai acontecer.
-Você é o
único impedimento pra isso. Por que é tão difícil falar de construir uma
família?
-Porque
os meus planos são outros, e eles não te incluem.
-Tem
razão. Eu preciso parar de acreditar que um dia eu vou ter você só pra mim. Só
acho triste te perder sem ao menos ter uma rival.
-Chega
com isso, Rosane...
-Eu me
visto do jeito que você quiser, me comporto do jeito que você quiser... Mas não
me deixa sozinha.
-Eu não
preciso te deixar nunca.
-Mas isso
me torna a outra.
-Antes
isso do que não ter a mim nunca mais- Rosane se entristece- Bom, eu já vou
indo. Talvez eu volte à noite.
-Você
ainda vai ser meu, Otaviano. Só meu.
-Não
conte com o destino, que quem o escreve sou eu- pega a maleta.
XXXXX
Otaviano
chega à empresa de Dalton Bittencourt num táxi. O dono está conversando com um
dos empresários, quando vê um de seus funcionários sair do veículo. Dirige-se a
ele.
-Pontual
como sempre, Otaviano.
-Faço o
que posso, doutor.
-Bom, não
vamos nos atrasar. Hoje tomaremos uma decisão definitiva sobre o futuro da
empresa, e quero que você tenha voz. Não pode deixar que a Ana Maria interfira
negativamente.
-Mas,
senhor, a Ana Maria é sua filha. É uma das acionistas da empresa, como posso
bater de frente com ela?
-Bata.
Não concordo com o modo passional que ela age, ela pode botar tudo a perder.
-Desculpe,
mas acho que não tenho tanta competência para peitá-la dessa forma. E é
estranho que o senhor queira sabotar a sua própria filha.
-Por
favor, Otaviano, eu sou homem com tino para os negócios. Eu não cheguei até
aqui se deixasse uma mulher mostrar que sabe mais do que eu. As ações da Ana
Maria foram concedidas pela minha falecida esposa, que era outra que não tinha cacife
para administrar minha empresa. Mantenho a Ana aqui a contragosto.
-O que o
senhor quer que eu faça, exatamente? Como posso manter a Ana longe da empresa?
-Logo vi
que você é um homem extremamente ambicioso. Sei muito bem aonde quer chegar,
Otaviano, e dou meu consentimento para isso.
-Eu não
sei do que o senhor está falando, Dr. Dalton.
-Sabe,
sim. Se você está realmente disposto a usufruir de um prestígio muito mais do
que aquele que desfruta agora, faça por merecer. Bom, vamos à minha sala.
Otaviano
fica tentado com a proposta do patrão, mas fica confiante pelo fato de Dalton
já ter percebido quais são suas verdadeiras intenções. Intenções essas muito
maiores do que o patrão possa supor.
XXXXX
Na mesma
noite, Ana Maria está num bar, visivelmente chateada. Otaviano se aproxima, a
passos lentos.
-Posso te
fazer companhia?
-Já fez o
suficiente pela manhã. Não é todo dia que um subalterno do seu próprio pai
tenta vetar uma ideia sua. Ou melhor, é todo dia, sim.
-Ana
Maria, eu quero desfazer todo e qualquer mal-entendido que tenha surgido na
reunião de hoje.
-Que
tenha ou que surgiu? Não precisa se dar ao trabalho de interpretar, você faz
isso pessimamente.
-O fato
de nós sermos inimigos profissionais não significa que nós tenhamos que
estender esse rancor fora da empresa.
-Se for
pra falar de sentimentos, eu também não quero ter que ser cínica fora da
empresa- levanta-se.
-Espera,
Ana!
-Quanto
que ele está te pagando pra me convencer de que eu estou errada?
-Você não
tá errada.
-Sua
opinião pouco me importa. E não se contradiga. Fica patético, até para um
mentiroso como você.
-Porque
eu não posso discordar de você nunca.
-Cada
peso tem sua medida. Se concordasse comigo, seria feliz trabalhando... Em outro
lugar.
-É isso
que você quer? Que eu me demita? Que todos satisfaçam sua vontade só porque
você é filha do dono?
-Para de
ser petulante, Otaviano.
-Já que
você não consegue dar uma solução para o problema, eu vou fazer o que eu acho
certo: vou pedir minha demissão da empresa do seu pai. É isso que você quer?
-A minha
resposta não conta tanto assim.
-Conta,
porque eu amo você.
-O que
você falou?
-Você não
ouviu errado. Há muito tempo que eu tinha vontade de te falar isso, mas acabava
sempre postergando. Não dá mais pra esconder.
-Um blefe
seu.
-Vai ver
que não. Quem sabe amanhã não seja o dia em que a sua conduta comigo mude de
vez?- sai do bar, enquanto Ana Maria fica confusa.
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