04/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 4

-Entra, por favor.
-Com licença.
-Senta, Ana Maria. Deixa eu desocupar o sofá- busca tirar a maleta da empresa e arrumar algumas almofadas.
-Não vou demorar com você, Otaviano. Tenho que ser direta, e espero que não haja mais desavenças entre nós.
-Se existe algum motivo que nos faça brigar, eu o deixei naquela empresa. Por isso, eu não quero me estender quanto a isso.
-Será que você não se deu conta do que fez? Você comprou uma briga com o meu pai, jogou o seu futuro no lixo!
-O que é diferente daquilo que você faz com ele todos os dias naquela sala de reunião? A única diferença é que eu fiz isso pra não que me indispor, mais uma vez, com outra pessoa daquela empresa.
-Você... Está sendo ameaçado? Está se sentindo acuado por alguém, é isso?- Otaviano responde com uma negativa- Olha, se alguém estiver tentando te coagir, eu falo com o meu pai e ele descobre quem é, pondo pra fora da empresa logo em seguida.
-Às vezes, eu penso que você gosta de brincar comigo. Não é possível que você não perceba, ou não tenha se dado conta nesse tempo todo em que estive trabalhando lá.
-Fala de quem se trata.
-Se trata... Por favor, eu não quero mais remoer essas lembranças. Me deixa esquecer dessa história toda, eu ainda não me sinto no direito de revelar o que eu sinto.
-Otaviano, diz de uma vez.
-Eu me sinto acuado por você.
-Por mim? Mas... O que eu seria capaz de fazer contra você na empresa?
-Não é o que você poderia fazer comigo lá. Eu não acredito que você seja capaz de usar o título de filha do presidente da empresa para me prejudicar.
-Então me diz. Diz de uma vez por que você não vai mais voltar à gravadora. Por que pediu demissão?
-Porque eu não quero mais ter que bater de frente com você.
-Se você sabe que eu não seria capaz de te prejudicar...
-A questão, Ana Maria, é que eu tenho medo de você me odiar por eu estar sempre discordando das tuas opiniões e dando crédito ao que o Dr. Dalton diz.
-Por favor, Otaviano- afasta-se dele- Eu não seria imbecil a ponto de confundir os assuntos de trabalho com as minhas opiniões pessoais.
-Seria, sim. Quantas vezes você não declarou ter raiva de mim após ver uma vitória do seu pai? Quantas vezes você não chegou no seu carro, ao mesmo tempo em que eu vinha de táxi, e sequer me deu um “bom dia” por conta do seu rancor por mim?
-Otaviano...
-Eu não suportaria saber que você me odeia mais do que eu sei. Até porque eu... Eu não te respeito só com uma acionista da gravadora. Sempre que eu te vejo, eu consigo ir mais além.
-Você não está tentando dizer o que eu estou pensando, está?
-Talvez eu me reprimisse por nunca conseguir chegar tão perto de você e ter postergado a minha iniciativa de falar. A verdade é que eu amo você.

XXXXX

Dalton chega irritado ao quarto de Ana Maria.
-Satisfeita? Você conseguiu o que queria, não foi? Apareça agora, vamos ter uma conversa definitiva- a empregada se aproxima- Onde está ela?
-Onde está quem, senhor?
-Onde está a Ana Maria? Quem você acha que eu estou procurando?
-Eu pensei que ela tinha voltado com o senhor agora.
-Claro. Como sempre os empregados dessa casa acham que o salário deles é mantido para que eles pensem. Mas deixa eu te avisar uma coisa: não é pra isso, não. Localize a Ana Maria imediatamente.
-Mas como eu vou fazer isso? Eu nem sei onde ela está!
-Procure alguém que saiba! Ela saiu da empresa antes de mim e não voltou pra casa ainda?
-O senhor quer que eu vá buscar alguma coisa? Uma água? Um café?
-Depois de velha, está ficando com crise de memória também? Eu mandei você procurar a minha filha. E é melhor achá-la ainda hoje, se quiser manter seu emprego nessa casa. Agora, saia daqui!
-Com licença- diz, quase aos prantos.
-Que ela não invente de fazer mais nenhuma besteira. Nenhuma.

XXXXX

-Como é que você pode descer tão baixo?
-O quê?
-Você realmente pensou que essa estória de ser apaixonado por mim iria me comover? Não bastou aquele “show” que você deu há horas atrás e ainda está tentando me fazer de palhaça?
-Eu não acredito que você duvide dos sentimentos que eu tenho.
-Cara de pau a sua, não é, não? Olha, eu poderia fazer com que você, apesar de todos os atritos com meu pai, voltasse à empresa. Mas não sou capaz de me sujeitar a isso depois do que você fez- vai até a porta, mas ele corre e segura a maçaneta- O que é isso?
-Eu não vou deixar você sair enquanto eu não tiver terminado de dizer tudo.
-Pode me poupar das suas mentiras. Agora sai.
-Não!
-Cárcere privado agora?
-Se você não dá o menor crédito pro que eu penso ou sinto, o problema é seu. Agora, daí a você negar o que sente por mim, já é completamente inadmissível.
-Você está tentando me coagir a falar o que você quer, não é?
-Pensa por que você está aqui.
-Eu teria vindo por qualquer um. Qualquer um que me despertasse pena se tivesse passado pelo mesmo.
-Ana Maria, você sabe muito bem que eu me demiti porque eu disse que iria provar que estava falando sério naquele bar. Você não vai ter mais nenhum impedimento. Ou, pelo menos, o seu pai não vai ter a minha ajuda.
-Golpista.
-Não. Nem golpista, e muito menos hipócrita quanto você.
-Ordinário- tenta estapeá-lo, mas ele a beija.  Ela morde seus lábios.
-Faça o que você quiser. Não vai apagar o que você sente, de uma hora pra outra.
-Nenhum homem fez isso comigo.
-Nenhum homem se atreveu a dizer o que pensa de você. Quando eu estou naquela mesa, eu falo o que penso, e digo que suas opiniões são equivocadas. E eu não quero chegar ao ponto de mentir pra te satisfazer. Você não vê que eu tento conquistar seu coração pela sinceridade, como todo mundo tem que fazer?
-Mais um passo e eu chamo a polícia- ao ver que ele se aproxima.
-Chama a polícia. Alega pra quem te perguntar que eu não sou qualquer um na sua vida. Alega que eu estou te fazendo mal porque sou louco por você. Conta que é em mim como homem, e não como empregado do seu pai, que você pensa. Depõe contra mim- segura-lhe.
-Sai de perto de mim- sente-se desconcertada.
-Tenta lutar. Só não esqueça que você vai sair mais prejudicada. Você perde um empregado do seu pai e o homem que te ama.
-Eu... Tenho que ir embora.
Novamente, ela a beija.
-Você não sabe o quanto esperei pra ver esse dia chegar- passa a falar em tom baixo.
-Por que eu penso que vou me arrepender tanto de me envolver com você?
-Se arrependa, então. Só não deixe de sentir o mesmo que eu.
Ele desabotoa a blusa de Ana Maria e coloca a mão em suas costas, puxando-a para junto de seu corpo. Vendo que não havia como fugir, ela toma, desta vez, a iniciativa do terceiro beijo. Otaviano abre os olhos e olha para um dos sofás, onde está a maleta que usava. E pensa que essa noite é um novo negócio que lhe renderá muito.

XXXXX

Seis da manhã do dia seguinte. Rosane volta da padaria e encontra Jandir pela rua.
-Bom dia.
-E então, Jandir?
-Sua mãe está melhor?
-Ainda na mesma. Sem poder fazer esforço, eu cuidando da casa...
-Sei. Eu também naquela correria de sempre, indo pra oficina.
Rosane vê o carro de Ana Maria em frente à casa de Otaviano.
-De quem é aquele carro, Jandir?
-Aquele carro?
-É. O dono da casa que comprou?
-Deve ser. Ele não trabalha numa empresa de vender disco? Mão de vaca que só ele, esconde a vida dos vizinhos. Eu vou lá.
-Tchau- olha para Jandir se afastando e vai até a casa do rapaz. Observa bem o carro e vê que ele tem uma bolsa feminina dentro. Otaviano abre a janela, sem camisa, e leva um susto ao ver Rosane.
-Rosane?
-Bonito carro. O emprego é bom mesmo. Ninguém daqui da vila tem um carro desses.
-Obrigado- sorri sem achar graça.
-Teu chefe pode até te pagar bem, mas você não comprou isso.
-Como assim?
-De quem é esse carro, Otaviano? Eu sei que não é seu, tem uma bolsa de mulher lá dentro. Quem é a mulher que está com você?
-Otaviano... – chega Ana Maria, com uma voz de sono, aproximando-se de Otaviano e olhando para Rosane, que não acredita no que vê- Bom dia...
-Bom dia...
-Não vai apresentar a gente?

Otaviano procura manter a tranquilidade, e Rosane espera para saber o que ele dirá.

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