08/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 8

-Eu não posso acreditar que o senhor veio até aqui pra isso.
-Já deveria ter percebido, Otaviano, que eu faço tudo pela felicidade da minha filha...
-E do seu bolso, da sua empresa, da sua ambição.
-Você fala como se não tivesse nenhuma. No fundo, você é como eu. A diferença é que eu não preciso fingir pra ter as coisas que eu quero. Os meus objetivos já foram traçados e alcançados. Com você, a gente aprende a ser dissimulado.
-É exatamente por isso que eu imagino que a Ana Maria não sabe dessa conversa.
-Nem teria por quê. Ela é passional demais para resolver um assunto dessa natureza.
-Dr. Dalton, eu não quero o seu dinheiro. Ele só me interessava quando eu queria receber meu salário, do qual eu abri mão, aliás.
-Hum, entendo... Deixa eu anotar aqui então: “Dois milhões”.
-Não perca seu tempo.
-Quem está perdendo tempo é você! Você acha que eu vou permitir mesmo que um reles empregadinho se aposse de tudo o que é meu?
-Eu não sou mais seu empregado. Não trabalho mais com o senhor. E se o senhor fizer minha caveira perante os profissionais da área na qual atuo, eu trabalho em outra coisa. Só não preciso baixar a minha cabeça, nem dar ouvidos às barbaridades que o senhor possa dizer só pra me humilhar.
-Seu teatro já me cansou, Otaviano. Agora, chega! Pega de uma vez esse cheque. Vamos evitar prolongar essa mentira toda- Otaviano segura o cheque com as duas mãos- Você não é apaixonado pela Ana Maria... Nem nunca será.
-Sou, sim. Mais do que o senhor imagina- rasga o cheque.
-Uma hora, essa encenação vai ter que acabar. Torça pra que não seja quando eu te desmascarar na frente dela.
-Pode dizer o que quiser. Nada vai me afastar da mulher que eu amo. Nada! Ouviu bem?
-Reze muito, porque a qualquer momento, eu posso descobrir um grave segredo seu.
-Tente, se houver um.
Enfurecido, Dalton faz um sinal e o motorista abre a porta do carro.
-Rápido com isso. Eu não fico mais um segundo nesse lugar infecto- dispara o veículo.
-Difícil convencer esse velho, mas a Ana Maria vai garantir o meu futuro. Vamos ver se eu não vou tomar conta de tudo o que é seu, verme!

XXXXX

No escritório de Dalton, um detetive particular senta num sofá.
-Muito obrigado por ter atendido ao meu chamado. Pode ter certeza de que será muito bem recompensado.
-Quando o senhor me ligou, disse que precisava me ver com extrema urgência. Do que se trata, Dr. Dalton?
-Eu preciso que você investigue o que um dos meus ex-funcionários está tramando.
-Alguma coisa ainda relacionada à gravadora?
-Não sei ao certo. Mas não confio nesse rapaz. Temo que ele possa me dar um golpe. Era da minha confiança... Eu posso confidenciar algo com o senhor?
-Fique à vontade.
-O Otaviano, que é o homem que o senhor deve investigar, foi meu braço direito aqui na “TimBRe”, e fazia oposição à minha filha. Agora, ele decidiu manter um relacionamento com ela contra a minha vontade.
-Entendo.
-Mas eu pretendo neutralizá-lo, sem dúvida. Eu só preciso da sua ajuda para tentar descobrir como ele pretende fazer isso.
-Pensa em botá-lo na cadeia.
-Se for o caso... Mas antes, eu preciso resolver um problema no meu testamento.
-Qual?
-Eu acreditei que este rapaz pudesse dar continuidade ao meu trabalho melhor do que a minha filha. Por causa disso, eu decidi incluí-lo no meu testamento. E não só isso: todas as minhas ações, que eu não pretendia vender, seriam passadas para ele secretamente.
-Realmente, é uma situação complicada.
-Consegue entender? Eu preciso saber o que esse bandido pensa em fazer, e não só tenho que afastar a Ana Maria dele, como também mudar o destino da minha herança.

XXXXX

Rosane veste sua roupa e Jandir a observa.
-O que foi?
-Eu gostei do que aconteceu entre a gente. Foi bonito.
-Também... Eu também gostei.
-Você vai deixar eu te proteger? Cuidar de você? Fazer você se esquecer do...
-Por favor, não toca no nome dele.
-Tudo bem, eu não falo. Prometo que não falo. Mas eu queria certeza de que você vai me aceitar como homem.
-Será que depois de ontem, eu não mostrei que eu quero mudar a minha vida e encontrar alguém que me mereça?
-A gente vai ser muito feliz. Eu te prometo- os dois se beijam.

XXXXX

Uma semana depois, o detetive contratado por Dalton vai até a casa de Otaviano, e pela vizinhança, vai colhendo informações que possam afastá-lo de Ana Maria.  Ele percebe que há um beco que dá acesso à janela do banheiro da residência, e em sua parede, há uma cesta de lixo.
O detetive se certifica de que ninguém está olhando e tira de sua pasta uma luva. Ele a veste e vasculha o lixo, cheio de contas já quitadas, restos de comida, roupas simples das quais Otaviano fez questão de se desfazer e algumas cartas, cujo perfume não pôde ser apagado. É o suficiente para que a correspondência, sem remetente, seja aberta:
-Mais um dia que você entra e nem passa na porta da minha casa pra me ver. Coloco minha mãe pra dormir e espero você vir pra, pelo menos, falar comigo. Deixo minhas cartas atrás da sua porta e nem sei se você lê. E sabe por quê? Porque o seu trabalho é mais importante que eu. Se sentir que eu estou certa e quiser começar de novo, me procura. Rosane.
-Quer dizer que esse rapaz tem outra mulher?

XXXXX

Sônia entra no quarto de Ana Maria e traz o café da manhã no dia seguinte.
-Bom dia, minha menina.
-Bom dia, Sônia. Nossa, perdi a noção da hora, devo estar muito atrasada.
-O seu pai já saiu. Mas toma um café antes. Eu trouxe aquele pão integral e o suco de acerola que você tanto gosta.
-Não quero, Sônia. Não estou me sentindo bem.
-O que foi?
-Sentindo enjoada demais, vai ver é o cheiro do suco.
-Mas é o que eu faço todo dia, Ana Maria...
-Eu sei, querida, a culpa não é sua. Mas é que eu realmente não estou me sentindo bem. Talvez eu tenha almoçado alguma coisa na empresa que me fez mal.
-Ou então... Você está grávida, menina.
-Não, não é possível. Um filho do Otaviano? Não pode ser verdade...
-Faz um teste, minha filha. Procura um médico. Mas eu tenho experiência. Pelo que eu estou vendo, você vai ser mãe daqui a uns meses.
-Um bebê? Meu e do Otaviano?- e ela dá um leve sorriso.

XXXXX

Rosane carrega um balde d’água e o leva até o banheiro de sua casa. Abaixa-se para pegar uma garrafa de água sanitária. Ao abri-la, espirra o líquido na água do balde. O cheiro acaba lhe causando uma tontura. Ela cai sentada no chão e um de seus braços bate no recipiente, derramando toda a água.
A moça fecha os olhos e põe a mão na testa. Ao abri-los, vê refletida na água a triste cena na qual Otaviano lhe agarra à força no chão de seu quarto. A imagem é exibida de maneira rápida, e o banheiro vai ficando mais escuro, apesar da claridade das janelas abertas. Logo, se dissipa a visão.

-Grávida... Grávida do Otaviano. Um filho... O filho que eu tanto queria ter com ele... – ao contrário de Ana Maria, a constatação é motivo de preocupação para Rosane.

Nenhum comentário:

Postar um comentário