-Eu quero ver
o meu filho, Fred. Pede pro médico trazer, chama uma enfermeira. Por favor, não
me diz que... Ele não pode ter morrido... Por quê? Eu queria tanto esse filho!
Você também... Por que isso aconteceu com a gente, por quê?
-Seu parto
foi muito difícil, Lana. O doutor disse que você teve um princípio de
eclampsia. Foi um parto muito difícil, fizeram de tudo pra salvar os dois. A
equipe médica ainda está se perguntando como você conseguiu sair viva da
cirurgia...
-Eu preferia
ter morrido. Eu não quero viver sem ter o filho que eu queria ter com você, meu
amor! Você queria tanto esse bebê...
-Não fala
isso, Lana- corre para abraçá-la, o que leva Yuri às lágrimas- Você sabe que eu
sempre vou te amar. E a gente pode ter outros filhos, é só uma questão de
esperar o tempo passar, meu amor...
-Eu queria
esse. Esse era importante pra mim... Por que eu o perdi, Fred? Eu não consigo
entender. Por quê? Agora você vai me deixar porquer eu não te dei o nosso
bebê...
-Calma,
calma. Eu vou te proteger sempre. Você sempre vai ficar do meu lado. Como pode
pensar que eu vou te abandonar numa hora dessas? Eu sei que o seu amor por mim
é sincero, e isso me une a você cada vez mais. Nunca mais pense que eu vou te
deixar. Nunca- abraça-lhe novamente, aos prantos. Yuri sai do hospital
completamente desolado, por não dar o apoio do qual ele acredita que Lana tanto
precisa nessa hora. Triste ela realmente está, mas não por ter perdido o sonho
da maternidade, e sim por não ter como sustentar um casamento prestes a
desmoronar.
XXXXX
No dia
seguinte, Sônia está com os meninos num shopping, onde eles escolhem as roupas
que passarão a usar. Os novos filhos de Ana Maria estão contentes com essa nova
fase de suas vidas, e acreditam que a paz está próxima. Nenhum dos três,
contudo, percebe que Jandir segura uma sacola preta e os segue.
Abarrotada de
compras, Sônia pega o celular.
-Geraldo?
Estamos saindo do shopping agora. A gente vai te esperar no estacionamento.
-Certo, eu já
estou indo pra aí.
-Tudo bem. Eu
vou desligar agora, tchau.
Jandir
aparece na frente dos três, que já chegaram ao estacionamento.
-Eu não disse
que ia recuperar meus filhos?
-Jandir? O
que está fazendo aqui?- a governanta fica assustada.
-Vim levar
meus filhos. Eles têm que ir pra onde o pai for.
-Não chega
perto da gente- Igor avisa.
-Eu vou
chamar a polícia se você não se afastar da gente! Sai daqui agora!- ameaça
Sônia.
-Tudo bem. Podem
ficar tranquilos. Eu não vou mais chegar perto de vocês, se o medo de vocês é
esse.
O mecânico
passa por todos até chegar perto de uma parede, onde segurando pelo gargalo da
garrafa de bebida alcoólica, quebra-a. Ao jogar a sacola longe, trata de puxar
Sônia, que está atrás dos meninos e a ameaça com o gargalo.
-Solta ela,
pai- pede Betina.
-Só solto se vocês
vierem comigo!
-Para com
isso, você ficou louco?- Igor fica desesperado.
-Ninguém vai
me tirar vocês. Justiça nenhuma vai me impedir de cuidar dos meus filhos.
-Você vai
matar a Sônia!
-Não me
importo com mais nada, nem mesmo de ser preso! Agora já é tarde. Eu vou acabar
com ela, só vou soltar se vocês virem comigo.
-Não,
meninos! Não vão!
-Tudo bem. A gente
vai com você.
-Não faz isso,
Betina!
-Só não
machuca a tia Sônia.
-Por favor,
não leva os meninos.
-Deixa,
Sônia. A gente vai pra ele não fazer nada com você- Igor tenta acalmá-la.
-Eu não posso
deixar vocês irem com esse louco! Ele é capaz de matar vocês!
-Não vai
fazer nada. Eu conheço o meu pai. Eu sei que ele não vai fazer nada. Vem,
Betina.
-Igor!
-Eu sei o que
eu estou fazendo, Sônia. Solta ela, pai!
Jandir a joga
no chão e pega os meninos pelo braço.
-Vêm logo!
-Tia Sônia! Eu
quero ficar com a tia Sônia!- Betina implora ao pai.
-Vamos
embora! Deixe de sua má criação!- corre com os garotos.
Sônia pega o
celular.
-Geraldo!
Chama a polícia! Os meninos foram raptados! O Jandir levou os meninos!
XXXXX
No hospital,
Ana Maria foi visitar Lana, mas encontra Frederico no corredor.
-Frederico!
Eu sinto muito pelo que aconteceu- abraça-lhe- Sabe que pode contar comigo pro
que precisar.
-Obrigado,
Lana.
-Como foi que
aconteceu isso?
-É um
mistério. Não era pra ser.
-Eu lamento
muito.
-O doutor
está com ela. Ele vem aí. Como é que ela está, doutor?
-Demos um
sedativo, porque ela estava muito agitada. Mas ela está se recuperando muito
bem. Rápido até demais, para quem acabou de perder um filho.
-Ela precisa
se reerguer. Talvez com você do lado fique tudo mais fácil.
-Temos que
cercá-la de todos aqueles que desejam o bem para a Lana nesse momento, como o
senhor e o sobrinho de vocês.
-Sobrinho?
Que sobrinho, doutor? Eu não tenho sobrinhos, nem a Lana.
-Como não
tem? E aquele garoto que veio ontem à tarde para ver a sua esposa?
-Doutor, me
desculpe, mas eu insisto. Não temos sobrinhos.
-Eu até
permiti a entrada dele. Estava muito nervoso, preocupado. Disse que soube que
sua esposa estava prestes a dar a luz ao bebê e pediu pra entrar. Eu contei a
ele sobre o que tinha acontecido, e ele ficou muito triste. Tão triste quanto o
senhor.
-Como era
esse menino, doutor?- pergunta Ana Maria.
-Muito bem
vestido, mas com uma roupa suja. Ele me pareceu um pouco distante, como se
tivesse usado alguma coisa.
-Será o Yuri?
-Yuri? Mas o
que ele ia querer com a sua mulher?
-O Yuri viu a
gente saindo da clínica, quando ela fez o exame de gravidez. Aí, ele falou umas
coisas desconexas, como que era o pai do nosso filho.
-Deve ter
sido algum delírio dele por conta das drogas. O Otaviano tem razão. Meu filho
está se afundando cada vez mais.
-Pode ser que
não tenha sido ele, esse menino de quem vocês estão falando- intervém o
obstetra.
-Só tem um
jeito de descobrir. No seu celular tem alguma foto do Yuri?
-Tem, espera
só um minuto- vai à galeria de imagens e entrega o celular a Frederico.
-É esse o
rapaz que o senhor viu?- mostra ao médico.
-O próprio.
Lembro bem dele, ele não estava se sentindo bem. Muito abalado pela morte do
seu filho.
-Por que ele
viria aqui ver a sua esposa?
-Desculpa,
Ana Maria. Mas o Yuri está representando um grande perigo à nossa segurança.
Seja o que for que ele queira, eu não vou deixar que ele faça mal à minha mulher.
XXXXX
Jandir tranca
Betina num quarto escuro.
-Entra!
-Não, pai! Eu
não quero entrar!
-Já falei pra
você entrar!
-Não!
-Quer ver se
você não entra?- pega um chinelo jogado no chão e bate nas costas da garota.
-Para de
bater nela!
-Agora diz
que não vai entrar no quarto, diz!
-Desculpa,
pai!- chora.
-Não quero
saber de desculpa, entra no quarto logo, Betina!
A garota
obedece ao pai, que tranca a porta do quarto.
-O que o
senhor vai fazer?
-Você nem
imagina... Encosta na parede e fica de costas- o garoto se recusa a obedecê-lo-
Vai!- reage com violência à atitude do garoto, empurrando-o para a parede e
virando o seu rosto- O jogo acabou, Igor. Pra você e pra Betina. Vocês
acreditaram que eu ia deixar a Ana Maria criar vocês como filhos? Isso mesmo,
não- joga uma garrafa de álcool sobre o corpo do adolescente.
-Está fazendo
o quê? O que é isso... – vira-se.
-Cala essa
boca- coloca-lhe de costas novamente e abre a gaveta da sala, de onde retira um
isqueiro. Acende-o na frente do enteado.
-Pra quê
isso?
-Não está
conseguindo sentir o cheiro, Igor? A casa toda está molhada de álcool. Eu
joguei em tudo, em todas as partes. Se isso cair no chão, a gente vai morrer,
sabia?
-A polícia
vai te achar. A Sônia já deve ter ligado pra Ana Maria, tem gente que já deve
estar atrás de você...
-Por que você
pensa que eu me importo com prisão? Com cadeia? Eu não vou preso, Igor. Sabe
por quê? Porque dessa casa eu só vou sair sem vida, igual a você e à sua
meia-irmã.
-Meia-irmã?
-Deixei de
ter medo da morte. Rosane me matou em vida quando decidiu contar a verdade sobre
o seu pai. Ouvir da boca dela que eu sempre fui um nada, o homem que ela nunca
amou já foi como se ela tivesse me matado. Foi aí que eu passei a querer
destruir a vida de vocês. Mesmo da Betina, que é minha filha, mas é a cara da
Rosane. Eu não consigo olhar pra minha própria filha sem sentir nojo... Mas não
é pior do que ter que ver você e me lembrar das vezes que ela deve ter dormido
com aquele desgraçado, e das vezes em que ela transou comigo pensando nele. Por
isso, Igor. Por isso eu quero e vou acabar com tudo agora.
-E se você
viver?
-Não vou.
-A minha mãe
me ensinou que a alma da gente não morre. Você acaba com a vida da gente, e não
vai ter paz.
-Cala a boca,
moleque.
-Paz você já
não tem, porque se tivesse não ia ter tanta culpa pelo que fez.
-Do que você
está falando?- repara que o garoto chora.
-Eu não
sentia ódio de ninguém, mas aí eu vi quando você chegou em casa naquele dia...
Você matou a minha mãe!
-Não!
-Matou! Deu
um jeito de se livrar dela. Eu vi no seu olho o mesmo ódio que eu tenho agora e
que eu nunca falei pra ninguém, nem pra Ana Maria. Você reparou que eu já
sabia. Eu saquei na hora que você acabou com a vida dela...
-Não, Igor. Você
não pode ter ódio de mim. Você é meu filho. O menino mais velho, o que eu
fiquei tão feliz de ter... Eu te dei amor, seu imbecil! Será que você não
entende?
-A minha mãe
não te matou quando contou. Você acabou coma família da gente com sua
bebedeira, com seu desprezo, com seu vexame! Eu fiquei sem pai antes da minha
mãe morrer. E agora você quer acabar com a gente por causa do teu ciúme que
matou a minha mãe! Você quer se vingar, Jandir? Quer?- puxa a mão do pai para
seu peito- Me mata logo! Acaba com isso de uma vez! Deixa a minha irmã em paz e
acaba comigo! Se você me odeia do mesmo jeito que eu odeio você, tira a minha
vida agora!
-Meu filho...
-Não me chama
de filho, assassino!
-Para, Igor!
-Assassino! Assassino!
Se você se livrar de mais um, qual é o problema? Não é isso que você quer? Me mata
logo, assassino! Assassino!
-Para, eu não
quero ouvir mais nada! Nada, Igor, nada!- leva as mãos aos ouvidos!
-Matou a
minha mãe, desgraçado! Bota fogo nessa casa! Bota fogo! Queima todo mundo de
uma vez, assassino!
-Não me fala
essas coisas, meu filho...
-Nunca mais
me chama de filho, assassino! Toca fogo nessa casa! Joga fogo em mim! Vai,
covarde! Foi homem pra matar a minha mãe, acaba comigo logo! Vai, Jandir! Me
mata! Me mata... – o garoto cai no chão em soluços, sem conseguir dizer mais
nada. Desorientado, Jandir deixa a chave da casa cair e abre a porta da sala,
de onde sai correndo. Igor apanha a chave, ainda sem conseguir articular as
palavras e procura a da porta do quarto de sua irmã. Ao abri-la, a garota se
abraça com o adolescente.
-Eu te amo,
Igor. Você é meu irmão e vai ser meu irmão pra sempre, só de mãe mesmo.
As palavras
de Betina demonstram que ela escutou toda a discussão, e que ela não o
considera pivô de toda a tragédia acontecida em suas vidas. Os abraços sinceros
de sempre dão lugar a um conforto que aquele adolescente sempre vai encontrar.
XXXXX
Lana acorda e
estranha que ao lado de sua cama, esteja Yuri.
-Como é que você
entrou?
-Disse que
era teu sobrinho. O médico caiu na estória. Já é a segunda vez que falo isso.
-É arriscado
demais. O Frederico pode te ver...
-E se ele me
vir? Você acha que eu estou com medo dele?
-Devia ter
medo de mim. Eu não posso arriscar o meu casamento.
-Fred não vai
te largar. Não agora que o filho da gente morreu.
-Não repete
isso aqui nem de brincadeira.
-Por acaso, é
mentira minha?
-Não, não é. Mas
foi melhor que as coisas tomassem mesmo esse rumo.
-Lana, você
está maluca?
-Claro que
foi. Você sabe muito bem que eu não queria esse filho.
-Mas ficou
chorando muito quando ele te contou que o bebê tinha morrido.
-Aquilo tudo
era fingimento. Eu não estava triste porque tinha perdido um filho. Estava
triste porque perdi uma boa chance de segurar o meu casamento. Você, mesmo com
pouco tempo em que estamos juntos, conseguiu me decifrar. Sabe de tudo da minha
vida. Sabe que eu só trabalho na ONG pra ninguém descobrir que eu vendo drogas
e fico aliciando crianças pra assaltarem e conseguirem dinheiro pra comprar
minhas drogas. Eu agi com você de uma forma tão sincera que... O Fred, por mais
que eu o ame, nunca aceitaria se casar com uma traficante, uma mulher que já
foi presa numa fundação de menores por roubo. Uma traficante que se veste de
homem pra não ser reconhecida como “Porcelana”.
-Amar... – ri
debochadamente- Amor é o que eu tenho por você, e você por mim, Lana. Você só
está com ele pra não ser presa.
-Mas eu
cheguei a gostar dele no começo. Você sabe que eu conheci o Fred depois de um
assalto? Eu tentei roubar uma moça que estava grávida, mas a polícia estava
atrás dos meus meninos também. Aí, eu corri feito uma louca e não vi que vinha
um carro. Aquele carro mudou a minha vida, literalmente. Fred era filho de
advogado, dezoito anos, riquíssimo. Ficou bem preocupado e tratou de me levar
pro hospital. Cuidou de mim, mais pela culpa, sabe? Percebi que ele gostava de
mim e tratei de dar em cima dele. Claro, com o meu verdadeiro nome, Lana. Mas
ele foi mais esperto e levantou a minha ficha na polícia. Descobri que eu era
uma bela de uma bisca- ambos riem- Ele ficou “p” da vida comigo, mas aí, meu
querido... Aí, eu já tinha dito que estava completamente apaixonada e que ia
largar minha vida bandida. Foi preocupado com o meu bem-estar que ele criou a
ONG, pra ajudar os meninos drogados. Ele pensou que se eu largasse as drogas,
eu não ia voltar a roubar o pessoal na rua, mas... Gente, o que me conquista
realmente, o que me excita é essa vida dupla que eu levo. Daí eu menti pro meu
marido, e eu faço isso até hoje. A única coisa na qual eu não menti foi quando
eu disse que não queria ser mãe. Mas eu não vou desistir. A gente pode ainda
fazer outros. Juntos. Eu e você.
-Lana, eu
queria tanto ficar do teu lado, mas eu fiquei com medo do que o Fred ia fazer
se descobrisse a verdade.
-Eu vi você
pela janela quando o Frederico me contou a verdade. Lamentei tanto, porque pra você
eu não minto.
-Coisa
estranha, não é? Você me vendeu droga, ameaçou a vida da minha mãe, me fez
roubar minha família por causa dos baseados que você vende pra mim e... Cara,
eu não consigo te odiar. Por quê?
-Porque eu te
fiz um homem. Não parece, mas você cresceu em quase um ano. Yuri. Eu sei que
você não vai me esquecer. Nem eu consigo esquecer você.
-Te amo...
-Não me ame.
Me deseje, como sabe fazer de melhor- beija a boca do garoto.
A porta do
banheiro apresenta uma janela de ventilação. De lá, Frederico e Ana Maria acompanham,
em silêncio e em estado de choque, a revelação do caráter da traficante e da
relação doentia que mantém com Yuri. Eles se olham sem conseguir acreditar no
que viram.
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