28/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 28

-Eu quero ver o meu filho, Fred. Pede pro médico trazer, chama uma enfermeira. Por favor, não me diz que... Ele não pode ter morrido... Por quê? Eu queria tanto esse filho! Você também... Por que isso aconteceu com a gente, por quê?
-Seu parto foi muito difícil, Lana. O doutor disse que você teve um princípio de eclampsia. Foi um parto muito difícil, fizeram de tudo pra salvar os dois. A equipe médica ainda está se perguntando como você conseguiu sair viva da cirurgia...
-Eu preferia ter morrido. Eu não quero viver sem ter o filho que eu queria ter com você, meu amor! Você queria tanto esse bebê...
-Não fala isso, Lana- corre para abraçá-la, o que leva Yuri às lágrimas- Você sabe que eu sempre vou te amar. E a gente pode ter outros filhos, é só uma questão de esperar o tempo passar, meu amor...
-Eu queria esse. Esse era importante pra mim... Por que eu o perdi, Fred? Eu não consigo entender. Por quê? Agora você vai me deixar porquer eu não te dei o nosso bebê...
-Calma, calma. Eu vou te proteger sempre. Você sempre vai ficar do meu lado. Como pode pensar que eu vou te abandonar numa hora dessas? Eu sei que o seu amor por mim é sincero, e isso me une a você cada vez mais. Nunca mais pense que eu vou te deixar. Nunca- abraça-lhe novamente, aos prantos. Yuri sai do hospital completamente desolado, por não dar o apoio do qual ele acredita que Lana tanto precisa nessa hora. Triste ela realmente está, mas não por ter perdido o sonho da maternidade, e sim por não ter como sustentar um casamento prestes a desmoronar.

XXXXX

No dia seguinte, Sônia está com os meninos num shopping, onde eles escolhem as roupas que passarão a usar. Os novos filhos de Ana Maria estão contentes com essa nova fase de suas vidas, e acreditam que a paz está próxima. Nenhum dos três, contudo, percebe que Jandir segura uma sacola preta e os segue.
Abarrotada de compras, Sônia pega o celular.
-Geraldo? Estamos saindo do shopping agora. A gente vai te esperar no estacionamento.
-Certo, eu já estou indo pra aí.
-Tudo bem. Eu vou desligar agora, tchau.
Jandir aparece na frente dos três, que já chegaram ao estacionamento.
-Eu não disse que ia recuperar meus filhos?
-Jandir? O que está fazendo aqui?- a governanta fica assustada.
-Vim levar meus filhos. Eles têm que ir pra onde o pai for.
-Não chega perto da gente- Igor avisa.
-Eu vou chamar a polícia se você não se afastar da gente! Sai daqui agora!- ameaça Sônia.
-Tudo bem. Podem ficar tranquilos. Eu não vou mais chegar perto de vocês, se o medo de vocês é esse.
O mecânico passa por todos até chegar perto de uma parede, onde segurando pelo gargalo da garrafa de bebida alcoólica, quebra-a. Ao jogar a sacola longe, trata de puxar Sônia, que está atrás dos meninos e a ameaça com o gargalo.
-Solta ela, pai- pede Betina.
-Só solto se vocês vierem comigo!
-Para com isso, você ficou louco?- Igor fica desesperado.
-Ninguém vai me tirar vocês. Justiça nenhuma vai me impedir de cuidar dos meus filhos.
-Você vai matar a Sônia!
-Não me importo com mais nada, nem mesmo de ser preso! Agora já é tarde. Eu vou acabar com ela, só vou soltar se vocês virem comigo.
-Não, meninos! Não vão!
-Tudo bem. A gente vai com você.
-Não faz isso, Betina!
-Só não machuca a tia Sônia.
-Por favor, não leva os meninos.
-Deixa, Sônia. A gente vai pra ele não fazer nada com você- Igor tenta acalmá-la.
-Eu não posso deixar vocês irem com esse louco! Ele é capaz de matar vocês!
-Não vai fazer nada. Eu conheço o meu pai. Eu sei que ele não vai fazer nada. Vem, Betina.
-Igor!
-Eu sei o que eu estou fazendo, Sônia. Solta ela, pai!
Jandir a joga no chão e pega os meninos pelo braço.
-Vêm logo!
-Tia Sônia! Eu quero ficar com a tia Sônia!- Betina implora ao pai.
-Vamos embora! Deixe de sua má criação!- corre com os garotos.
Sônia pega o celular.
-Geraldo! Chama a polícia! Os meninos foram raptados! O Jandir levou os meninos!

XXXXX

No hospital, Ana Maria foi visitar Lana, mas encontra Frederico no corredor.
-Frederico! Eu sinto muito pelo que aconteceu- abraça-lhe- Sabe que pode contar comigo pro que precisar.
-Obrigado, Lana.
-Como foi que aconteceu isso?
-É um mistério. Não era pra ser.
-Eu lamento muito.
-O doutor está com ela. Ele vem aí. Como é que ela está, doutor?
-Demos um sedativo, porque ela estava muito agitada. Mas ela está se recuperando muito bem. Rápido até demais, para quem acabou de perder um filho.
-Ela precisa se reerguer. Talvez com você do lado fique tudo mais fácil.
-Temos que cercá-la de todos aqueles que desejam o bem para a Lana nesse momento, como o senhor e o sobrinho de vocês.
-Sobrinho? Que sobrinho, doutor? Eu não tenho sobrinhos, nem a Lana.
-Como não tem? E aquele garoto que veio ontem à tarde para ver a sua esposa?
-Doutor, me desculpe, mas eu insisto. Não temos sobrinhos.
-Eu até permiti a entrada dele. Estava muito nervoso, preocupado. Disse que soube que sua esposa estava prestes a dar a luz ao bebê e pediu pra entrar. Eu contei a ele sobre o que tinha acontecido, e ele ficou muito triste. Tão triste quanto o senhor.
-Como era esse menino, doutor?- pergunta Ana Maria.
-Muito bem vestido, mas com uma roupa suja. Ele me pareceu um pouco distante, como se tivesse usado alguma coisa.
-Será o Yuri?
-Yuri? Mas o que ele ia querer com a sua mulher?
-O Yuri viu a gente saindo da clínica, quando ela fez o exame de gravidez. Aí, ele falou umas coisas desconexas, como que era o pai do nosso filho.
-Deve ter sido algum delírio dele por conta das drogas. O Otaviano tem razão. Meu filho está se afundando cada vez mais.
-Pode ser que não tenha sido ele, esse menino de quem vocês estão falando- intervém o obstetra.
-Só tem um jeito de descobrir. No seu celular tem alguma foto do Yuri?
-Tem, espera só um minuto- vai à galeria de imagens e entrega o celular a Frederico.
-É esse o rapaz que o senhor viu?- mostra ao médico.
-O próprio. Lembro bem dele, ele não estava se sentindo bem. Muito abalado pela morte do seu filho.
-Por que ele viria aqui ver a sua esposa?
-Desculpa, Ana Maria. Mas o Yuri está representando um grande perigo à nossa segurança. Seja o que for que ele queira, eu não vou deixar que ele faça mal à minha mulher.

XXXXX

Jandir tranca Betina num quarto escuro.
-Entra!
-Não, pai! Eu não quero entrar!
-Já falei pra você entrar!
-Não!
-Quer ver se você não entra?- pega um chinelo jogado no chão e bate nas costas da garota.
-Para de bater nela!
-Agora diz que não vai entrar no quarto, diz!
-Desculpa, pai!- chora.
-Não quero saber de desculpa, entra no quarto logo, Betina!
A garota obedece ao pai, que tranca a porta do quarto.
-O que o senhor vai fazer?
-Você nem imagina... Encosta na parede e fica de costas- o garoto se recusa a obedecê-lo- Vai!- reage com violência à atitude do garoto, empurrando-o para a parede e virando o seu rosto- O jogo acabou, Igor. Pra você e pra Betina. Vocês acreditaram que eu ia deixar a Ana Maria criar vocês como filhos? Isso mesmo, não- joga uma garrafa de álcool sobre o corpo do adolescente.
-Está fazendo o quê? O que é isso... – vira-se.
-Cala essa boca- coloca-lhe de costas novamente e abre a gaveta da sala, de onde retira um isqueiro. Acende-o na frente do enteado.
-Pra quê isso?
-Não está conseguindo sentir o cheiro, Igor? A casa toda está molhada de álcool. Eu joguei em tudo, em todas as partes. Se isso cair no chão, a gente vai morrer, sabia?
-A polícia vai te achar. A Sônia já deve ter ligado pra Ana Maria, tem gente que já deve estar atrás de você...
-Por que você pensa que eu me importo com prisão? Com cadeia? Eu não vou preso, Igor. Sabe por quê? Porque dessa casa eu só vou sair sem vida, igual a você e à sua meia-irmã.
-Meia-irmã?
-Deixei de ter medo da morte. Rosane me matou em vida quando decidiu contar a verdade sobre o seu pai. Ouvir da boca dela que eu sempre fui um nada, o homem que ela nunca amou já foi como se ela tivesse me matado. Foi aí que eu passei a querer destruir a vida de vocês. Mesmo da Betina, que é minha filha, mas é a cara da Rosane. Eu não consigo olhar pra minha própria filha sem sentir nojo... Mas não é pior do que ter que ver você e me lembrar das vezes que ela deve ter dormido com aquele desgraçado, e das vezes em que ela transou comigo pensando nele. Por isso, Igor. Por isso eu quero e vou acabar com tudo agora.
-E se você viver?
-Não vou.
-A minha mãe me ensinou que a alma da gente não morre. Você acaba com a vida da gente, e não vai ter paz.
-Cala a boca, moleque.
-Paz você já não tem, porque se tivesse não ia ter tanta culpa pelo que fez.
-Do que você está falando?- repara que o garoto chora.
-Eu não sentia ódio de ninguém, mas aí eu vi quando você chegou em casa naquele dia... Você matou a minha mãe!
-Não!
-Matou! Deu um jeito de se livrar dela. Eu vi no seu olho o mesmo ódio que eu tenho agora e que eu nunca falei pra ninguém, nem pra Ana Maria. Você reparou que eu já sabia. Eu saquei na hora que você acabou com a vida dela...
-Não, Igor. Você não pode ter ódio de mim. Você é meu filho. O menino mais velho, o que eu fiquei tão feliz de ter... Eu te dei amor, seu imbecil! Será que você não entende?
-A minha mãe não te matou quando contou. Você acabou coma família da gente com sua bebedeira, com seu desprezo, com seu vexame! Eu fiquei sem pai antes da minha mãe morrer. E agora você quer acabar com a gente por causa do teu ciúme que matou a minha mãe! Você quer se vingar, Jandir? Quer?- puxa a mão do pai para seu peito- Me mata logo! Acaba com isso de uma vez! Deixa a minha irmã em paz e acaba comigo! Se você me odeia do mesmo jeito que eu odeio você, tira a minha vida agora!
-Meu filho...
-Não me chama de filho, assassino!
-Para, Igor!
-Assassino! Assassino! Se você se livrar de mais um, qual é o problema? Não é isso que você quer? Me mata logo, assassino! Assassino!
-Para, eu não quero ouvir mais nada! Nada, Igor, nada!- leva as mãos aos ouvidos!
-Matou a minha mãe, desgraçado! Bota fogo nessa casa! Bota fogo! Queima todo mundo de uma vez, assassino!
-Não me fala essas coisas, meu filho...
-Nunca mais me chama de filho, assassino! Toca fogo nessa casa! Joga fogo em mim! Vai, covarde! Foi homem pra matar a minha mãe, acaba comigo logo! Vai, Jandir! Me mata! Me mata... – o garoto cai no chão em soluços, sem conseguir dizer mais nada. Desorientado, Jandir deixa a chave da casa cair e abre a porta da sala, de onde sai correndo. Igor apanha a chave, ainda sem conseguir articular as palavras e procura a da porta do quarto de sua irmã. Ao abri-la, a garota se abraça com o adolescente.
-Eu te amo, Igor. Você é meu irmão e vai ser meu irmão pra sempre, só de mãe mesmo.
As palavras de Betina demonstram que ela escutou toda a discussão, e que ela não o considera pivô de toda a tragédia acontecida em suas vidas. Os abraços sinceros de sempre dão lugar a um conforto que aquele adolescente sempre vai encontrar.

XXXXX

Lana acorda e estranha que ao lado de sua cama, esteja Yuri.
-Como é que você entrou?
-Disse que era teu sobrinho. O médico caiu na estória. Já é a segunda vez que falo isso.
-É arriscado demais. O Frederico pode te ver...
-E se ele me vir? Você acha que eu estou com medo dele?
-Devia ter medo de mim. Eu não posso arriscar o meu casamento.
-Fred não vai te largar. Não agora que o filho da gente morreu.
-Não repete isso aqui nem de brincadeira.
-Por acaso, é mentira minha?
-Não, não é. Mas foi melhor que as coisas tomassem mesmo esse rumo.
-Lana, você está maluca?
-Claro que foi. Você sabe muito bem que eu não queria esse filho.
-Mas ficou chorando muito quando ele te contou que o bebê tinha morrido.
-Aquilo tudo era fingimento. Eu não estava triste porque tinha perdido um filho. Estava triste porque perdi uma boa chance de segurar o meu casamento. Você, mesmo com pouco tempo em que estamos juntos, conseguiu me decifrar. Sabe de tudo da minha vida. Sabe que eu só trabalho na ONG pra ninguém descobrir que eu vendo drogas e fico aliciando crianças pra assaltarem e conseguirem dinheiro pra comprar minhas drogas. Eu agi com você de uma forma tão sincera que... O Fred, por mais que eu o ame, nunca aceitaria se casar com uma traficante, uma mulher que já foi presa numa fundação de menores por roubo. Uma traficante que se veste de homem pra não ser reconhecida como “Porcelana”.
-Amar... – ri debochadamente- Amor é o que eu tenho por você, e você por mim, Lana. Você só está com ele pra não ser presa.
-Mas eu cheguei a gostar dele no começo. Você sabe que eu conheci o Fred depois de um assalto? Eu tentei roubar uma moça que estava grávida, mas a polícia estava atrás dos meus meninos também. Aí, eu corri feito uma louca e não vi que vinha um carro. Aquele carro mudou a minha vida, literalmente. Fred era filho de advogado, dezoito anos, riquíssimo. Ficou bem preocupado e tratou de me levar pro hospital. Cuidou de mim, mais pela culpa, sabe? Percebi que ele gostava de mim e tratei de dar em cima dele. Claro, com o meu verdadeiro nome, Lana. Mas ele foi mais esperto e levantou a minha ficha na polícia. Descobri que eu era uma bela de uma bisca- ambos riem- Ele ficou “p” da vida comigo, mas aí, meu querido... Aí, eu já tinha dito que estava completamente apaixonada e que ia largar minha vida bandida. Foi preocupado com o meu bem-estar que ele criou a ONG, pra ajudar os meninos drogados. Ele pensou que se eu largasse as drogas, eu não ia voltar a roubar o pessoal na rua, mas... Gente, o que me conquista realmente, o que me excita é essa vida dupla que eu levo. Daí eu menti pro meu marido, e eu faço isso até hoje. A única coisa na qual eu não menti foi quando eu disse que não queria ser mãe. Mas eu não vou desistir. A gente pode ainda fazer outros. Juntos. Eu e você.
-Lana, eu queria tanto ficar do teu lado, mas eu fiquei com medo do que o Fred ia fazer se descobrisse a verdade.
-Eu vi você pela janela quando o Frederico me contou a verdade. Lamentei tanto, porque pra você eu não minto.
-Coisa estranha, não é? Você me vendeu droga, ameaçou a vida da minha mãe, me fez roubar minha família por causa dos baseados que você vende pra mim e... Cara, eu não consigo te odiar. Por quê?
-Porque eu te fiz um homem. Não parece, mas você cresceu em quase um ano. Yuri. Eu sei que você não vai me esquecer. Nem eu consigo esquecer você.
-Te amo...
-Não me ame. Me deseje, como sabe fazer de melhor- beija a boca do garoto.

A porta do banheiro apresenta uma janela de ventilação. De lá, Frederico e Ana Maria acompanham, em silêncio e em estado de choque, a revelação do caráter da traficante e da relação doentia que mantém com Yuri. Eles se olham sem conseguir acreditar no que viram.

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