23/01/2013

AINDA É CEDO/ CAPÍTULO 3: ELA FAZIA MUITOS PLANOS E EU SÓ QUERIA ESTAR ALI, SEMPRE AO LADO DELA PORQUE EU NÃO TINHA AONDE IR



-Meu filho não... Meu filho desse jeito? Não... Eu não quero, eu não aceito... - Ricardo repetia as frases.

-Pedro, você tem que fazer alguma coisa, ele não pode ficar paraplégico- pedia Cristina.

-Mãe, se o Fabrício se recuperar, a gente tenta ver se o quadro dele é reversível ou não. Mas agora é impossível. Ele não acorda, a equipe não tem uma previsão de quando ele vai despertar, ele não está sob o efeito de sedativos...

-É uma obrigação sua, Pedro. Sua. Não se esqueça nunca de que ele é o seu único irmão. Se tem alguém com poder pra tirá-lo daqui, esse alguém é você.

-Não é o que o Fabrício pensa.

-Pedro, vamos esquecer tudo o que aconteceu antes daquele acidente...

-Eu posso. Ele não quer. E sinceramente, mãe, quando o Fabrício acordar, ele não vai me querer por perto. Eu conheço meu irmão a vida toda. Ele não me quer por perto. Vocês tem que entender isso.

-Eu não vou entender isso nunca.

-E eu não vou aceitar um filho aleijado nunca!

-Ricardo!

-Qual o problema? Você quer que eu minta? Eu não posso, ele certamente notaria que eu agiria de maneira diferente. Eu amo meus dois filhos de maneira igual, mas não dessa forma.

-Que forma, pai? Que forma? O senhor nem sabe se ele vai mesmo sobreviver e já tá renegando? O que é isso?

-Você quer que eu seja realista? Tudo bem, Pedro, eu vou ser. Realista e prático: pra quê o Fabrício vai servir? Hein? Cheio de liberdade, com uma vida inteira pela frente, sendo carregado pra cima e pra baixo, sem poder se mexer? Essa é a saída? Acreditar na superação? E quando ela vai chegar, se chegar?

-O senhor não acha que é muito pessimismo seu?

-Depende: se a realidade mudou de nome...

-Eu acho melhor todo mundo entrar. Depois eu volto- pronuncia-se Viviana.

Ricardo, Cristina e Pedro entram no quarto. Ludmila vai embora com um gravador em mãos, guardando-o em seguida dentro da bolsa.



*****







Cristina vê o filho dormindo e se aproxima de seu rosto, chorando desesperada.

-Por favor, meu filho. Acorda. Reage. Vive pela gente. Pela sua mãe que tanto te ama.

-Não adianta, Cristina. Ele não está lúcido. Não ouve o que a gente tá falando.

-Muito pelo contrário- interrompe o médico- O Fabrício pode escutar muito bem tudo o que nós estamos dizendo aqui. Caso ele acorde, é possível que ele se lembre de tudo que foi dito aqui.

-Caso... Agora vai ser assim até quando? Vou sempre ficar na base do “talvez”, da suposição, da possibilidade? Eu quero meu filho vivo, doutor.

-Vivo ele já tá, mãe.

-Não, não! Ele tá morto. E quando ele acordar, vai ser como se ele tivesse morrido mesmo. É um inútil. Vai ser assim daqui pra frente.

-Cala essa boca, Ricardo!

-Tudo bem. Tudo bem. Se você não quer a verdade, não sou eu que vou dizer. Fica com ele. Veja a plena e rápida recuperação. Se iluda. Eu não consigo, eu não posso e não quero.

-Ricardo. Ricardo, volta aqui...

-Deixa, mãe. Deixa. Ele tá nervoso, depois passa.





*****



Ricardo vai até uma cantina próxima ao hospital e pede um café. Logo, ele lembra das palavras ditas pelo médico e por Pedro.

-Não vou aceitar o Fabrício de volta desse jeito. Nunca.



*****





Viviana observa Fabrício dormindo, e vê que Pedro conversa com a mãe. Ela passa a mão na mão do rapaz, e ele levemente a aperta. Assustada, olha para o rosto dele. Os olhos se abrem. Com dificuldade, tenta dar um sorriso.

-Bem-vindo à vida. Eu vou chamar seu irmão e sua mãe- ela corre para avisar aos dois, quando Cristina se adianta e entra no quarto, rapidamente.

Pedro vê o irmão de longe, por um espaço deixado pela porta aberta. Ricardo volta a conversar com o filho.

-O que houve?

-A Milena veio avisar: o Fabrício acordou! Qual é? Você não tá feliz?

-Era pra estar?

-Sabe o que eu penso? Que eu me sinto mais irmão dele do que o senhor pai dele. Aliás, é o que eu sou, né?

-Não existe nada que você ou a Cristina possam me dizer que me faça mudar de ideia. Eu não vou mudar de ideia e aceitar essa situação. Desistam.

-Qual é o seu medo?

-O meu medo e vê-lo numa cadeira de rodas. O meu medo é vê-lo enfrentar todos os medos. Não sei ao certo, mas é o que sinto.



*****



Cristina quer saber como o filho está se sentindo. Para isso, conta com a ajuda do médico.

-É um milagre, doutor.

-Olha, eu não sou muito de acreditar em milagres, mas a recuperação dele é muito rápida. Chega até mesmo a assustar.

-Não acho que é rápida- diz Fabrício.

-Como não, meu filho? Olha o seu progresso! Você não acordava há horas. A gente até pensou que você fosse...

-Mas ele ainda corre riscos sérios. É muito delicado o quadro.

-Eu só queria que a anestesia passasse.

-Como assim, Fabrício?

-As minhas pernas ainda tão dormentes. Deve ter sido algum remédio do hospital.

-Dona Cristina, a senhora pode me acompanhar até o corredor por um momento?

-Acho que agora não é o caso.

-Claro que é. Vamos.

-Eu já volto, querido- beija seu rosto e sai com o médico-  Do que se trata?

-Nós precisamos fazer mais alguns exames, para avaliar as condições nas quais ele está, se podemos começar com a fisioterapia, enfim... É importante que a senhora fale com ele.

-Tudo bem.

-Quando?

-Eu preciso de um tempo, não sei ao certo.

-Precisa ser o mais rápido possível.

-Ele acabou de acordar, não posso falar uma coisa tão grave dessas.

-Terá que fazer isso. Se ele souber, ele pode colaborar e aí veremos o tratamento adequado.

-Como eu vou contar?

-Seria bom se a senhora contasse com a ajuda de alguém próximo ao seu filho.

-Acredito que ele esteja revoltado ainda, enfrentamos diversos problemas antes do acidente.

-Quer que vá chamar o irmão dele para conversar?

-Não, ele é a última pessoa que pode entrar no momento. Vou chamar aquela outra menina, a que conseguiu prestar socorro, a que viu tudo o que aconteceu.

-Ótimo. Quanto mais cedo ele souber, melhor. Com licença.



*****



Viviana e Cristina entram no quarto. Fabrício está com os olhos fechados.

-Filho?- Cristina sussurra, e ele logo abre os olhos.

-Como é que você tá?

-Arrebentado. O corpo todo tá me doendo. Parece que o efeito do acidente veio agora.

-Fabrício, você lembra de tudo? Como foi?

-Tava nervoso, demais até. Corria a 80 por hora. Eu via a placa pra reduzir a velocidade, mas eu não quis. De repente, eu vi umas meninas que... Não sei, as roupas que usavam... Pareciam que iam fazer programa.

-Pelo bairro, é bem capaz de ser isso mesmo.

-Aí eu lembro que eu fui desviar, e o carro virou. Quando eu vou sair daqui?

-A gente ainda não sabe, filho. O médico disse que tem que verificar qual vai ser o tratamento e...

-Tratamento? Tratamento pra quê? Eu não vou ficar bem? O que é que eu tenho? Fala, mãe.

-Eu não consigo falar, Fabrício... Não tenho coragem pra dizer nada, nada... – sai do quarto.

-Mãe, volta aqui.

-Eu acho melhor eu falar contigo.

-O que é que vocês estão escondendo? Minha mãe ia falar alguma coisa, o que era?

-Fabrício, o médico conversou com sua família e comigo. Ele disse que era mais fácil você não sair vivo daqui, porque o acidente foi muito grave.

-Mas eu acordei. Tô aqui, não tô? Qual é o problema? Minhas pernas... Só pode ser isso. O que foi? Eu perdi? Tiveram que cortar? É por isso que eu não sinto nada?

-Não, não é isso. Eu vou te contar tudo. O médico falou que seu acidente provocou um trauma, uma lesão na coluna.

-Você tá falando tudo pela metade. O que é? Eu não vou andar? Eu não vou mais me levantar dessa cama, é isso?

-Fabrício, tem calma, por favor.

-Não! Eu não quero! Eu quero sair daqui, entendeu? Eu quero viver! Pra quê eu vou me acalmar? Me diz! Eu me ferrei. Não tem mais jeito pra mim. Eu morri.

-Você pode se curar.

-Eu não quero! Eu quero morrer! Me mata! Faz alguma coisa comigo! Mas não me deixa sentar numa cadeira de rodas nunca!

-Para com isso, Fabrício!

-A culpa é deles. De todos eles. Eles sempre souberam e sempre me esconderam tudo. Principalmente o Pedro! Principalmente ele!

Cristina volta ao quarto, desesperada, por ouvir os gritos do filho.

-O que foi? Você já contou?

-A senhora não teve coragem, eu falei.

-Por quê isso, hein? Qual é a de vocês? Só pode ser ódio que vocês sentem de mim! Por quê?

-Filho, você não vai ficar assim pra sempre. Ainda pode se recuperar e voltar a andar.

-Eu quero morrer, entende isso de uma vez.

-Chega, Fabrício. Para! A sua mãe tá nervosa, descontrolada. Para de tratar ela assim. A gente não sabia o que dizer, nem como dizer isso tudo, mas agora você sabe de tudo e vai ter que...

-Nunca! Eu queria que tivessem me deixado lá naquele carro, apodrecendo. Era melhor. Tudo por culpa desse idiota do Pedro. Desse infeliz! Se eu tô assim agora, a culpa é só dele!

Pedro e Ricardo chegam à porta do quarto, mas não entram. O irmão mais velho fica chocado com o que Fabrício diz.

-Tá feliz de me ver assim agora? Não era você que dizia que ninguém era perfeito? Pois pronto: eu não sou mais. O que é você também?- vira a cabeça para o pai- Tá com medo ou pena? Pode me desprezar, é só isso que eu espero de todo mundo aqui.

-Não. Eu nunca. Apesar das brigas que a gente teve, o que eu sinto não muda nada. Tendo ou não meu sangue, você é meu irmão e tem que entender isso.

-Ah, é mesmo. Eu esqueci que você não sente pena de mim. É por isso que tá jogando na minha cara que me considera, mesmo eu não sendo o seu irmão. Bonito, Pedro. Muito bom mesmo. Mas já que você tá falando com sinceridade, deixa eu te dizer a verdade: pra mim, o adotado devia ser você! O bastardo da família devia ser você! Quem devia ter sofrido um acidente era você! Quem devia ser condenado a uma cadeira de rodas era você. Se bem que isso já é morrer, não é? Pois quem devia morrer era você! Covarde! Agora sai! Sai todo mundo daqui, me deixa sozinho aqui! Me deixa morrer sozinho! Sai- grita desesperadamente. Cristina, Ricardo e Pedro não aguentam as verdades disparadas por Fabrício e saem do quarto. Viviana espera para conversar com o jovem.

-Eu vou ficar.

-Pode ir com eles, ninguém tá te obrigando.

-Exatamente. Fiquei porque quis.

-Não preciso de ninguém. Eu já me acostumei a não ter ninguém por perto. E também a não querer ninguém perto de mim.

-Olha aqui, se você me pedir pra sair desse quarto, eu não volto mais.

-Aproveita. Meus pais e meu irmão deixaram a porta aberta. Some.

Viviana vai embora. E Fabrício volta a chorar por não conseguir seus movimentos de volta. Ele estapeia suas pernas, e sem sensibilidade alguma, volta a se desesperar. Até que lembra das coisas que ouviu depois que o acidente aconteceu, em especial de uma passagem ocorrida no hospital:

-O Pedro disse que vai cuidar de você. E eu também vou. Não me pergunta por quê, eu só sei que é tudo muito estranho. Só sei que eu preciso ficar perto de você agora. Mesmo que eu não te escute falar nada. Mesmo sem saber se eu vou te ver abrir ou não os olhos.

Com a fala de Viviana, ele se arrepende das grosserias direcionadas a ela.

-O que foi que eu fiz? Eu mandei ela embora e ela tinha me tirado do carro. Por quê?

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