20/07/2016

ROMANCES DE ESTAÇÃO/ CAPÍTULO 20: O LACRE VIOLADO

-O que é que você tá fazendo aqui?
-Já disse que eu quero falar contigo.
-Mas não vai- sobe às escadas.
-Marina, espera!
-Eu não tenho nada pra falar com você!
-Mas eu tenho pra ouvir. Da tua boca- dito isso, Marina para- Eu queria entender por quê. Por que tudo isso aconteceu.
-Ah, você não faz nem a mais remota ideia?
-Primeiro você me atrai pra uma armadilha, depois me acusa de abuso sexual e agora tira a queixa contra mim? Qual é a tua, Marina? Isso tudo é pra quê?
-Não te interessa- volta a subir às escadas.
-Tudo isso é pra chamar a minha atenção, né?- a afirmação de Max deixa Marina indignada.
-Impressionante... Depois de tudo que aconteceu, você ainda acha que é o centro do universo, que o mundo gira em torno de você...
-Por acaso é mentira? Tudo isso não foi pra chamar minha atenção mesmo?
-Por favor... Não se dê tanta importância...
-Ah, já saquei o que você quer com tudo isso: bancar a Madalena arrependida.
-Como é?
-Agora que você tirou o processo das minhas costas, viu que pode voltar pra mim. Já entendi qual é a tua nova tática pra me conquistar.
-Então, tá. Você quer saber mesmo por que eu fiz tudo isso, né? Pois não foi pra chamar a sua atenção, já que eu tinha conseguido isso uma vez. Foi pra ganhar o seu desprezo, o seu ódio por mim. Pra ter certeza de que um dia você conseguiu sentir alguma coisa por mim, porque amor nunca foi o seu forte.
-Você é doente...
-Era, até o dia que eu decidi me livrar de você, desse sentimento doentio que eu tenho, da vontade de te ter do lado.
-Eu não acredito em você. Numa só palavra do que você tá dizendo.
-Pensa bem: o que eu ganhei com tudo isso?
-Sujar meu nome na Justiça não é muito pra você?
-Não tô falando desse plano de vingança que armei. Tô falando de ter me envolvido nisso que a gente teve.
-Agora você se arrepende, depois de quase me ferrar duas vezes! Uma quando me disse que tava grávida e a outra...
-Aquela gravidez não foi um castigo pra mim, Max. Ter que tirar o meu filho é que foi o difícil. Me ver sozinha, sem o apoio do meu pai e o seu. Completamente sozinha.
-Marina, eu nunca te prometi que a gente ia ser um casal.
-Claro que não. Eu esperava que isso acontecesse com o tempo, assim que você visse que gostava de mim mesmo. Só que esse dia nunca chegou, e não vai chegar. Mas eu esperava que a gente tomasse uma decisão junto, entende?
-Salvar a criança? Pra quê? Você tinha dezesseis anos, eu não quis e nem quero ser pai agora e nunca vou querer ter filho. O que você quer? Que eu assine um atestado de arrependimento por ter deixado um feto morrer?
-Era o meu filho. Um filho que ia ser meu e seu...
-Ah, para com isso, Marina. Essa criança podia muito bem não vingar. Será que você nunca se tocou de que foi essa tua gravidez que melou o que a gente tinha?
-Eu vou... Vou explicar a situação de um jeito que você, com essa cabeça limitada de mulherengo irresponsável, consiga entender. Eu não quero você como namorado, eu não quis você como pai do meu filho, eu não quero você assumindo papel nenhum na minha vida nunca mais. O que eu quis, no dia que você foi embora sem dizer se ia voltar ou não, era um homem de verdade, que me dissesse que mesmo não querendo esse feto- usa a expressão com certo desprezo- não ia me deixar sozinha. Eu queria um homem que me dissesse que eu tava certa em lutar contra todo mundo e ter esse filho, mesmo que eu lidasse com a situação sozinha. Mas você me indicou a solução, Max. A pior possível. Foi aí que eu vi que... Você não era quem eu queria, nem poderia ser. O jogo era fazer você mudar, conseguir pensar só em mim, mas acabou que eu perdi duas vezes. Meu filho e meu pai não existem mais, e tudo que eu mais queria agora era que aquela maldita médica tivesse me matado junto com o feto que você rejeitou!- ofegante, Marina vira o rosto e chora em silêncio, deixando Max penalizado com tudo que acabou de ouvir.
-Fiquei sabendo do seu pai. Eu sinto muito pelo que aconteceu. Também sinto muito se eu não fui aquilo que você esperava. Só que eu não posso fazer nada pra diminuir a sua dor.
-Pode, sim. Antes de eu me transformar, de tentar ser outra pra te agradar, eu pensava que não existia no seu mundo. Bem que você podia fazer isso por mim: esquecer que eu existo.
-Bom, eu vim aqui pra... – Max suspira- Pra perguntar por que você tirou a queixa e pra te agradecer também. É. Graças a você eu escapei da Justiça.
-Pode me retribuir: basta me ignorar.
-Será que um dia a gente vai conseguir olhar um pra cara do outro e lembrar só as coisas boas que a gente viveu, Marina?
-Tá enganado, Max. O esforço que eu venho fazendo desde o dia que eu tirei essa queixa não é pra lembrar, é pra esquecer.
-Duvido muito. Até hoje ninguém que passou pela minha cama esqueceu.
-Tem razão. Não são das vezes que eu transei com você que eu tenho que esquecer. É de você. Se todos podem pensar que essa criança nunca existiu, o pai pode sumir junto com ela. Erra minha porta, Max- Marina finalmente vai até o seu apartamento, sem olhar pra trás. Max finge não se importar com as palavras duras ditas pela colega de classe.
Ao entrar em sua casa, a moça encontra Laura e Marília sentadas no sofá.
-Estava te esperando, minha filha.
-A senhora abriu o resultado do exame, Mãe?
-Abri lá na clínica. Pedi pra sua irmã ler também.
-E então?
Laura entrega o envelope, chorando.
-Leia você mesma.
Marina, trêmula, obedece à mãe, que se levanta do sofá.
-Isso quer dizer que...
-Eu não sou soropositiva, minha filha. Seu pai não me infectou.
Emocionada, Marília toma a iniciativa de abraçar a mãe e a irmã, que afirma:
-O pesadelo acabou, Mãe. A gente vai ter a vida que sempre sonhou. E vamos ser felizes por nós mesmas.
-Vai ser difícil, filha, mas eu vou batalhar todos os dias pra viver. Em função de vocês e, principalmente, em função de mim.

-Bom, essa é a história, Lucas. Cabe a você conversar com a Carla. O que ela precisa nesse momento é de apoio. Não de repreensão.
-Nunca pensei que você...  Nossa... Parece que isso tudo foi vivido por outra pessoa, não consigo te imaginar passando por isso. Logo você, tão centrada, assim como o Pai...
-Foi justamente nesse momento que eu me dei conta de que o Thales podia continuar como meu amigo. Não é isso que os maridos devem ser?
-E você nunca mais teve notícia desse cara, o tal de Max?
-Sua tia Marília fez questão de espalhar que eu tinha ficado grávida, lembra? Pois também proibiu nossas amigas de tocar no nome dele quando acabamos o colegial. Não tem sentido remoer essa história, meu filho. Ninguém permaneceu igual depois do que aconteceu com a família, principalmente eu. Quando eu comecei a namorar o Thales, eu passei a admirar a Júlia, porque ela conseguia enfrentar tudo com a mesma admiração e carinho que sente pelo Fabrício. Hoje, eles estão juntos, formaram uma família linda. E eu não tenho nada do que me queixar. Seu pai me deu segurança, me deu prazer e acima de tudo, um amor que eu faço questão de retribuir todos os dias.
Lucas nota a presença do pai, que acaba de chegar, à porta vendo sua esposa lhe declarar seu amor.
-Desculpe, eu estava... Não queria interromper nada- percebe a expressão atônita de Lucas- Aconteceu alguma coisa?
-Já sabe o que tem que fazer, filho. Vai atrás dela.
-Se eu nunca te disse isso, acho que chegou a hora: eu tenho muito orgulho de você, Mãe- Lucas abraça Marina- Obrigado por me dizer o que eu precisava ouvir, e não o que eu queria. Tchau, Pai- sai correndo.
-Mas você não vai almoçar? Lucas! O que deu nele, Marina?
-Foi corrigir um erro. Como eu venho corrigindo um erro meu todos os dias.
-Que erro?
-O de não ter te dado bola assim que a gente se conheceu.
-Já estamos juntos há quase vinte anos e temos dois filhos lindos, o Lucas e a Érica- Thales segura a esposa pelos braços- Você acha mesmo que ainda está em dívida comigo?
-O tempo todo do mundo ainda é pouco pra te amar.
-Me fala a verdade: você nunca se imaginou em outra situação? Com outra pessoa que não fosse eu?
-Tem uma lição que eu aprendi através de você.
-Qual?
-Por mais que eu sonhe com uma paixão que deixe meu mundo mais colorido, eu só vou descobrir um amor verdadeiro quando alguém me der a mão pra seguir em meio ao mundo cinza. E nenhum inverno vai ser tão rigoroso, Thales, enquanto eu souber que você vai me aquecer. Por isso que eu não tenho nenhum medo de dizer que eu te amo.
-E eu te amo cada dia mais. Obrigado por ser a melhor parte de mim- Thales troca um beijo apaixonado com a esposa.

Sozinha na varanda do Shopping Paço Alfândega, Carla olha a vista com um semblante sofrido, e não escuta os passos que indicam a aproximação de Lucas. Tira do bolso um fone de ouvido e o seu aparelho de MP3. Seleciona uma canção, "Eu nunca disse adeus", e escuta, ainda de costas para o namorado. Ele retira o fone da moça, que se volta para ele, furiosa.
-Como foi que você me achou aqui?
-Se esqueceu? Ninguém te conhece melhor do que eu.
-O que você quer agora?
-Vim te pedir desculpa.
-Foi bom mesmo você ter me procurado, pra ouvir o que eu tenho pra te dizer. Quem dá a última palavra sobre a minha vida sou eu. Se você pensa que eu vou tirar esse filho só porque você quer...
-Eu não quero que você tire.
-O quê?
-Carla, eu andei conversando com a minha mãe e eu decidi que não quero que você tire.
-Isso é uma decisão que eu já tomei. Engraçado você ter que ter dito isso pra sua mãe. Parece que ela é quem te comanda.
-De quem é a decisão não importa.
-Sinceramente, eu não pensei que você fosse tão fraco...
-A gente tá falando de um filho, Carla. O que você achou que ia acontecer? Que eu não fosse tomar um susto?
-Tudo bem, Lucas. Eu não quero te obrigar a nada. Só o que eu vou afirmar é que meu filho vai nascer, com ou sem o seu apoio.
-Carla, desde que eu me apaixonei por você, não consigo ver sentido na minha vida sem te ter por perto, junto de mim. O meu medo maior é de não conseguir dizer que eu te amo todos os dias, sempre que eu puder. Eu não quero e nem vou rejeitar esse filho porque eu já te provei que sou capaz de amar. Você que me despertou isso.
-Me diz uma coisa, com toda a sinceridade do mundo: você se vê sendo pai?
-Quer saber? Eu me vejo sendo feliz. E tudo que vem de você pode fazer com que eu me sinta assim. Quero todas as coisas que o nosso amor pode dar- Lucas passa a mão no ventre de Carla, que se emociona- Obrigado por me fazer tão feliz.
Um longo abraço é trocado em silêncio, simbolizando a reconciliação do casal.

Longe daquele lugar, no fim da mesma manhã, dois colegas de classe de Lucas saem da escola e seguem conversando até a estação metroviária. Naquele instante passa um carro branco, que se vê obrigado a parar por conta de um pneu furado. Max desce do veículo, enquanto os adolescentes seguem conversando sobre o rapaz.
-Que estranho... Lucas não é de matar aula... Será que aconteceu alguma coisa?
-Relaxa, Pepeu. Vai ver ele arrumou um programa a dois pra fazer com a Carla.
-Sei, não, Diogo. Isso é mais a cara da irmã dele.
-Falando nela...
Érica, a irmã mais nova de Lucas, desembarca na estação metroviária e, ao passar, faz com que Max esqueça o problema de seu carro, dada a sua impressionante semelhança com a mãe.
-Marina?- Max exclama, em voz baixa. A jovem não o escuta.
-Pena que o Lucas é nosso amigo. Porque se eu tivesse chance com essa irmã dele, vou te contar... – desabafa Pepeu.
-Olha lá, hein? A Érica pode ser gata, mas também pode dar uma dor de cabeça daquelas. Cuidado com ela, viu?- alerta Diogo, não percebendo o quanto a jovem está perto.
-Pra quê a gente precisa tomar cuidado, Diogo?- Érica se aproxima do ouvido do rapaz e sussurra- Se arriscar é bem mais interessante, né?- segue em direção à escola, como prevê.
Ambos os jovens vão à bilheteria do metrô e Max permanece no local, impressionado com a semelhança entre Érica e Marina. Desconhecendo a história que sua mãe teve com o homem que a olha fixamente, a adolescente não se intimida em transparecer seu largo sorriso. Para ela, é o dono do carro mais um que fica inebriado com o seu poder de sedução. Existe, em sua cabeça, um jogo mais prazeroso do que esse?


FIM

19/07/2016

ROMANCES DE ESTAÇÃO/ CAPÍTULO 19: QUALQUER TRUQUE CONTRA A EMOÇÃO

-Peraí, me conta essa história direito, Pai.
-Lembra que eu te falei que tenho um amigo na polícia? Ele acabou de me ligar, dizendo que a Marina foi à delegacia ontem e retirou a acusação de abuso sexual.
-Mas ela pode fazer isso?
-Olha, você não faz ideia de como a lentidão da justiça nesse país facilitou a sua vida. O caso deveria ter sido enviado para a Vara da Criança e do Adolescente, mas o delegado não deu importância a isso. O inquérito não chegou nem a sair da delegacia.
-Mas por que ela desistiu de tudo isso? Pai, a Marina queria acabar comigo.
-O que importa? O fato é que você está livre, Max!
-Eu tenho que descobrir o que rolou pra ela ter mudado de ideia.
-Descobrir como? Se aproximando dela de novo? Faz de conta que a Marina não existiu nunca, Max! Nem pense em se aproximar dessa garota!
-Será que foi por causa daquela conversa que vocês tiveram?
-Por mim, os motivos são o de menos. Só de saber que não vamos ter que nos preocupar mais com essa menina...
-Ela tá aprontando, Pai. A Marina não dá ponto sem nó. Eu conheço bem aquela garota, ela não vai parar tão cedo.
-Max, não é a Marina a quem você conhece, é a consciência do que você fez pra ela que te torna tão reticente. Ela não poderia levar a mentira tão longe, ainda mais se tivesse deposto em juízo. Pode comemorar, porque você está livre, meu filho- Breno abraça o filho, bastante frio devido à desconfiança de Marina.

De volta à clínica onde fez os exames com Jorge, Laura está acompanhada de Marília. Ao caminhar, faz uma observação.
-Eu reparei que o Marcello não veio mais esses dias. Aconteceu alguma coisa, filha?
-Depois que a Marina e eu contamos sobre o segredo do Pai, ele se afastou de mim. Não consigo entender o porquê.
-Parece muito óbvio pra mim, filha. Seu namorado não quer se associar a alguém que é filha de um...
-Pois é. Mas eu não tenho culpa do que ele fez.
-Esquece isso, minha filha. A gente tem que aprender a começar de novo.
-Como?
-Independente do resultado, vai ser diferente. Eu não quero que vocês vivam numa casa oprimidas, sem conseguir dialogar comigo. Vocês dependem de mim, e eu vou tentar ser uma mãe melhor.
-Mãe, deixa disso. A gente não tem que reclamar nada da senhora.
-Eu é que tenho do que me queixar como mãe. Não vou permitir que vocês se sintam magoadas, sejam feridas por qualquer pessoa...
-Vamos pegar o exame de uma vez.
Marília entra com Laura e encontra a recepcionista que entregou o exame para Jorge.
-Bom dia. Eu queria pegar o resultado do meu exame.
-Qual o seu nome, senhora?
-Laura Souza Lemos Andrade.
-Só um minuto, por favor.
-O que você acha que vai dar, Mãe?
-Vou ter que ser forte, Marília. Isso eu vou ter que ser em qualquer situação.
-Sabe que eu nunca te imaginei falando assim?´
-Sinceramente, eu também não.
-Dona Laura, o seu teste está aqui.
-Obrigada- abre lentamente o envelope, lendo o resultado em silêncio.
-Fala, Mãe. Tá dizendo o quê aí?

Perto do fim da manhã, Marina volta da padaria, um pouco abatida, para o seu apartamento. Antes de pôr os pés no prédio, tem a ligeira sensação de estar sendo observada naquele momento. A jovem aperta o botão do elevador, mas o porteiro avisa:
-Tá em manutenção, Marina. Vá pela escada.
-Ah, certo. Obrigada.
A jovem sobe com as sacolas e ouve passos apressados. Trata-se de Max que vem logo atrás.

-Eu posso falar com você?

18/07/2016

ROMANCES DE ESTAÇÃO/ CAPÍTULO 18: OUTROS OLHOS

Ouve-se alguém batendo à porta do apartamento da Família Lemos Andrade. Marília corre para atender.
-Deve ser o Pai, deixa que eu abro- Marília gira a maçaneta- Thales?
-Tua irmã tá aí?
-Thales, tá fazendo o quê aqui?- Marina, que até então está junto da mãe, levanta-se do sofá- Você não devia estar na aula?
-Você também, Marina. Eu passei aqui por causa de ontem, pra saber se você tava melhor.
-O que é que rolou ontem?
-Deixa de ser curiosa, Marília, isso não te interessa- Marina responde à curiosidade da irmã.
-Ui...
-Marília, para de provocar sua irmã, não é hora pra isso- Laura repreende a filha mais velha.
-Parece que eu cheguei numa péssima hora, né?
-A culpa não é sua, Thales. Valeu mesmo por se preocupar comigo, por procurar saber de mim.
-Eu sempre tô preocupado contigo, você que não... Esquece.
-Olha, enquanto vocês ficam nesse papo, a gente podia sair e procurar o nosso pai, né? Melhor do que ficar plantada falando besteira!
-Ótima ideia, Marília- Laura concorda, levantando-se do sofá- Mas onde a gente deveria procurar?
-Com licença?- um policial vê a porta a aberta e aborda as pessoas que estão no apartamento- Algum de vocês é parente de Jorge Magalhães Andrade?
-Eu sou a mulher dele. Aconteceu alguma coisa com o meu marido?- aproxima-se do policial.
-Seu marido foi vítima de um incêndio numa clínica no centro da cidade, a Gilda Sandoval.
-Que clínica? O que é que meu marido estava fazendo numa clínica?
-Mãe, é a clínica da ama... Da Olga, Mãe, que a gente foi no outro dia- Marina esclarece.
-Cadê meu marido? Eu quero vê-lo agora!
-A senhora precisa ser forte...
-Eu não tenho que ser forte, eu tenho que ver meu marido! Agora! Como é que ele está?
-Infelizmente, eu não trago boas notícias. Os médicos fizeram o possível, mas... Jorge teve oitenta por cento do corpo queimado. Não resistiu.
-Não... Isso é mentira... Isso é mentira sua!  Onde é que está o Jorge? Eu exijo saber agora!
O policial entrega o isqueiro que Jorge usou para incendiar a clínica de Olga à Laura, que segura o objeto trêmula.
-É dele, Mãe- Marília reconhece o objeto.
-Pai...- Marina lamenta.
-Eu sinto muito.
-Não! Não, eu não aceito... Eu não vou aceitar isso nunca!
-Mãe, fica calma, por favor!- Marília segura a mãe, completamente nervosa.
-Me leva até lá, Marília, que eu quero ver seu pai! Eu quero ver seu pai!- começa a gritar- me leva pra ver o Jorge, que eu quero ver seu pai, Marília. Me larga! Me deixa! Me deixa, que eu quero ver meu marido, Marília... – aos poucos, Laura desaba no chão. Thales abraça Marina, bastante arrasada com a notícia.

Após a aula, Júlia recebe em sua casa o namorado Fabrício, além dos amigos Max e Marcello. Animada, a turma entra na residência e conversa sobre o resultado das provas que recebeu, quando a empregada da adolescente corre.
-Júlia, desde hoje que o Thales está ligando pra você.
-Thales sabe que eu tava no colégio...
-Que coisa estranha. O que é que o Thales quer contigo, amor?
-Mais estranho do que isso, Fabrício, é o Thales ter faltado hoje. Aquele dali não falta nem em dia de plantão pedagógico!- Marcello arranca risadas dos amigos.
-Deixou algum recado, Zélia?
-Disse que assim que você chegasse, era pra você ligar pra casa da Marina. O assunto é urgente, pelo que parece.
-Casa da Marina? O nerdzinho não perde tempo, já se aboletou por lá, repararam?- Max comenta sobre a aproximação dos estudantes.
-Certo. Obrigada, Zélia, eu vou telefonar agora.
-Amor, deixa isso pra depois, não deve ser nada demais...
-Mas se o cara ligou mais de uma vez, é porque deve ser importante, Fabrício. Aquele tal de Thales não fala com quase ninguém, quanto mais fazer uma ligação- adverte Marcello.
-Que é isso, cara? Precisa sentir ciúme, não- Max brinca com a situação.
-Ciúme daquele magrelão esquisito? Eu sou mais eu, meu filho!
-Ai, vocês não cansam de falar besteira! Eu, hein?- Júlia disca o número da residência de Marina- Alô? É você, Thales? O que foi que aconteceu? O quê? Tem certeza? Mas quando é que foi isso? Meu Deus do céu... Por isso que elas não foram pra aula hoje. Claro. Claro, pode deixar. Avisa pras meninas que eu tô indo pra aí. Isso, pode dizer. Obrigada por avisar, a gente se vê daqui a pouco. Tchau.
-O que foi, Júlia?
-Não, você nem faz ideia do que aconteceu, Fabrício. O pai das meninas morreu num incêndio.
-O pai da Marília? Mas tá todo mundo bem?
-Calma, Marcello. Não foi no apartamento das meninas, elas estão bem. Só pediram pro Thales ligar, porque elas queriam me avisar.
-Eu vou com você pra lá- Fabrício se prontifica.
-Eu também!-Marcello manifesta o desejo de ver a namorada.
-Então, vamos, Vamos logo!- Júlia joga a mochila no sofá e sai com os dois rapazes- Você vem também, Max?
-Não, Júlia. Você sabe que minha situação com a Marina não é das melhores.
-Que é isso, cara? A última coisa que a Marina vai fazer é se importar com isso- pensa Fabrício.
-Daquela dali, depois que me acusou de estupro pra polícia, eu espero tudo de ruim. Manda um abraço pra Marília, Marcello, e diz que eu sinto muito.
-Tá bom, Max. Vamos, gente.
Max sai com os três jovens, mas volta para a sua casa.

Os jovens estão reunidos no apartamento dos Lemos Andrade.
-Cadê a Tia Laura, gente?- Júlia nota a ausência da matriarca.
-Tive que dar um calmante pra ela- explica Marília- Ficou arrasada.
-Como é que foi isso, amor? Eu ainda não entendi o que teu pai foi fazer numa clínica do centro da cidade. Seu Jorge tava doente?
-É, Marcello... – Marília fica evasiva.
-Melhor a gente dizer, né, Marília?
-Marina, eu não quero falar sobre isso.
-Ele é teu namorado, uma hora ele vai ter que saber sobre isso.
-Gente, saber do quê?- Fabrício percebe o ar estranho entre as irmãs.
-A polícia acha que o incêndio foi criminoso. E que foi meu pai que provocou.
-Por que ele ia fazer isso?- Marcello fica intrigado com a declaração da namorada.
-O Pai teve uma amante. Durante muito tempo. O caso deles terminou porque... Ela descobriu que... Que tinha o HIV.
-Isso é sério, Marília?
-Acha que eu vou ficar brincando com isso, Marcello?
-Nossa, eu nem imaginava... Mas ele não... – Thales tenta perguntar se Jorge foi infectado, até que Marina balança positivamente a cabeça.
-Tua mãe sabe disso, Marília?- Júlia fica assustada, enquanto Marcello fica em silêncio.
-Descobriu o caso deles há uns dias, mas ele tinha terminado tudo quando ela contou que... Que tinha AIDS.
-Talvez ela tenha inventado isso tudo, pra se vingar do pai de vocês- alerta Thales.
-Thales tem razão. Essa mulher tinha exame provando?
-Antes tivesse, Marcello. Quando minha mãe soube do caso deles, e que ela tinha a doença, obrigou meu pai a fazer um teste junto com ela. O dele deu positivo, minha mãe leu poucas horas antes do policial chegar aqui e dizer que... – Marília chora.
-E essa mulher? Onde é que ela tá?
-Morreu no incêndio, Fabrício. Os dois foram as únicas vítimas- explica Marina- Sabe o que me deixa assustada? É que antes de morrer, meu pai virou um assassino.
-Um suicida, Marina- Marília tenta corrigi-la- Nunca que ele ia suportar saber que tem uma doença sem cura.
-Mas ele acabou com a vida da Olga também. Você sabe que ele não era de sofrer sem dar um castigo, sem punir. Essa é a herança que ele deixou: o rastro de sofrimento, que só ele sabia como deixar.

DUAS SEMANAS DEPOIS...

Não há aula na escola onde estudam os jovens, por conta de um plantão pedagógico. Max aproveita para dormir até mais tarde, mas Breno entra em seu quarto, eufórico.
-Max! Max, meu filho, acorda!
-Esqueceu que não tem aula hoje? Me deixa na cama!
-Levanta, meu filho, eu tenho que falar com você!
-Mais tarde, Pai!
-Um amigo da polícia acabou de me ligar- a afirmação faz Max se levantar, assustado.
-O que foi? Eu vou ser preso? Vou ter que dar outro depoimento?
-Você está livre da acusação de abuso sexual.
-Como assim?
-A Marina retirou a queixa contra você!

17/07/2016

ROMANCES DE ESTAÇÃO/ CAPÍTULO 17: EU TENHO UMA FACA NO BRILHO DOS OLHOS



-O Max não abusou de você como alega, não é?
-Não. Tudo que ele fez comigo foi porque ele quis, e eu quis também, mas o que ele fez depois... Isso eu não perdoo.
-Está falando do aborto que ele te incitou a fazer?
-Eu tive medo de perder o Max. Ao mesmo tempo, eu vi ele indo embora, sem me dizer se ia voltar. Como é que eu ia criar um bebê sozinha? Meu pai não ia deixar. Foi aí que ele descobriu e me ameaçou, dizendo que eu ia sair de casa se não fizesse o que ele mandou.
-Adiantou de alguma coisa? Você perdeu o Max e certamente vai perder o respeito do seu pai, porque ele não vai tolerar ver você se expondo dessa maneira.
-Prefiro o ódio dos dois do que a indiferença que eles me fizeram sentir.
-Só me diz uma coisa, Marina: você queria mesmo esse filho? Responde.
-Queria, sim- chora- Eu sei que não ia ser fácil cuidar dele, mas eu queria.
-Bom, eu sou pai, Marina. Mesmo meu filho não sendo a melhor pessoa do mundo, eu vou lutar pra livrá-lo da cadeia. Você não pode ir contra um amor de pai. Afinal, é o que você sente por uma vida que nem chegou ao mundo. Pode gastar toda a sua munição de tramoias. Não vai ser uma punição ao Max, nem ao seu pai, que vai trazer aquilo que você perdeu. De coração, minha filha, eu sinto muito.
Breno abre a porta e sai da diretoria, deixando Thales entrar e levantar a cabeça de Marina, que não se contém.
-Como é que você conseguiu esconder isso tudo, Marina?
-Eu não queria nada disso, Thales, mas eu não aguento mais. Eu não aguento mais- abraça o colega de turma, e Thales não consegue condená-la por seus atos.

Mais uma manhã. Laura acorda para tomar um banho e se arrumar antes de ir à clínica pegar o resultado do teste de HIV. Ao se levantar da cama, vê que há um bilhete escrito pelo marido, que não está mais no apartamento onde mora a família.
-Finalmente me dei conta de que não sou nada nessa família. Nem minha mulher nem minhas filhas me respeitam mais. Tudo que eu fiz pra sobrevivência da minha família deu lugar às mais abjetas lembranças. Mas sei dos riscos que meu casamento correria se o resultado do exame admitisse que eu era mesmo soropositivo. Preferi não ver seu rosto de decepção quando soubesse, Laura. A agonia de vocês acabou, enquanto a minha continuará comigo, mas não por muito tempo. Dê um beijo nas minhas filhas por mim e diga a elas que não se preocupem. Afinal, quem vai sentir falta de uma lembrança triste? Na gaveta, a última decepção: o meu teste.
Laura corre para ler o resultado, ficando sem reação diante do resultado positivo que o bilhete anteviu.

Em meio à escuridão de uma manhã nublada, Olga abre a porta do seu consultório e se assusta ao ver Jorge de costas, olhando para a janela.
-O que você faz aqui?
-Te contar uma coisa: você acabou com a minha vida.
-Eu não quero mais falar com você, nem te ver. Por favor, saia daqui...
Olga abre novamente a porta para que Jorge saia, mas vê que a estrutura de madeira está molhada, o piso da sala encharcado e o corpo do marido de Laura úmido, como se estivesse suado.
-Não está sentindo um cheiro estranho aqui dentro, Olga?- pergunta Jorge, que vai revelando seu rosto em meio à pouca luminosidade. A médica olha um galão de álcool sobre a sua mesa, enquanto Jorge tira um isqueiro do bolso.
-É assim que você quer acabar com a nossa história? Virando um assassino?
-Eu não vou ter nunca mais na vida a chance de ser feliz. Mas você também não vai.
-Calma, Jorge... Vamos conversar...
-Agora é tarde demais. Pra você e pra mim.
-Não faz isso comigo, Jorge, por favor!
-Com você eu não me importo mais. Nem com você e muito menos comigo- acende o isqueiro, jogando-o contra o chão em seguida. Seu corpo é o primeiro a ser incendiado, espalhando o fogo para a porta a qual Olga está encostada. As chamas a impedem de sair do local.