21/06/2017

VIDA LOUCA/ CAPÍTULO 18: JÁ NÃO QUERO MAIS SER POSSE

-Não diz isso nem brincando, Fábio.
-A culpa é deles, me empurraram pra isso... Mas eu... Eu não vou ficar vidrado nisso, não. Não, só tenho que... Que jogar essa cortina fora. Isso tá me atrapalhando, não é... Não é legal, não.
-Como é que você faz pra ninguém sacar nada?
-Me tranco no quarto. Daí só saio quando sei que... Que não tô muito viajado, sabe? Viu como eu tenho o controle? E depois que fumo, jogo no vaso e dou descarga. Ninguém diz que esses cigarros vieram parar aqui dentro.
Caio olha pela fechadura da porta e encontra os rapazes portando entorpecentes. Pensa em trazer ao corredor uma cópia da chave para flagrar os garotos, mas permanece ouvindo o diálogo.
-Toma cuidado, Fábio...
-Eles não vão morrer de remorso se eu morrer, porque isso não vai acontecer. E eu não tô fazendo isso pra punir ninguém, é porque eu preciso.
-Olha só... Da próxima vez... – Vinícius coloca um cigarro na boca- Ou você pega os teus lá no sobrado ou eu pego e você vai buscar lá na minha casa.
-Por que isso agora, Vinícius?
-Usa a cabeça, Fábio: não posso dar na vista. Até outro dia eu não era teu amigo e agora vivo na tua casa?
-Isso tudo é medo dos meus pais saberem o que a gente anda comprando, é?
-Quando você começa, acha que na palma da tua mão cabe o mundo. Só que não é assim.
-Então... – Fábio faz uma pausa para fumar mais uma vez- A gente vai combinar o seguinte: quando acabar, se aquela amiga nossa não tiver voltado ainda, eu levo o dinheiro pro colégio e te entrego, você vai até a casa dela e compra. Daí, eu te ligo e aviso que vou passar na sua casa. Digo pra quem tiver aqui que é um trabalho.
-E se fuçarem teu celular?
-Ligo do telefone convencional do meu quarto. Basicamente, eu só ligava pra Gabriela mesmo, ninguém vai notar um número diferente na conta do telefone. Daí, disco o número dela depois pra não correr o risco de ninguém apertar o redial.
-Pensou em tudo mesmo, hein? Gostei de ver.
Caio deixa o corredor e vai para o seu quarto, ensimesmado com o que presenciou acerca de seu filho. Vai às lágrimas, colocando a mão na boca, para prometer logo em seguida.
-Seja quem for, eu vou te afastar dessa pessoa, Fábio. E vai pagar caro se ela se meter com você de novo.

Não demoram três dias para que Fábio queira novamente usar seu dinheiro para comprar drogas, por intermédio de Vinícius, à Bete. Só que, no mesmo dia, Alice reencontra Luciano na calçada da praia de Boa Viagem, onde espairece um pouco.
-Posso te fazer companhia?- Luciano percebe que a mãe de Fábio está distraída.
-Você estava me olhando há muito tempo?
-O suficiente pra contemplar os teus olhos.
-E... Como é que você está?
-Acabei de largar de um plantão, estou voltando pra casa. Daí, eu te vi e parei meu carro.
-Sabe que eu pensei bastante no que você falou? Fiquei preocupada.
-Com o que eu contei do meu filho?
-É. Acho que entendo um pouco do que você vive.
-Desculpe, eu não entendi.
-Luciano, é que... Eu estou preocupada com uma pessoa da minha família. Desconfio de que ela esteja com o mesmo problema.
-Se eu soubesse de uma solução pra isso, eu juro que já tinha te dito. Alice, eu sempre fui pai e mãe pro meu filho, fui pai muito cedo, mas procurei não errar. De repente, você vê que nem tudo depende de você, e que os caminhos que os nossos filhos seguem não são escolhidos pela gente.
-Mesmo assim, eu queria fazer alguma coisa. Só de imaginar o que ele pode estar vivendo...
-Ele?- Luciano nota que se trata de um homem.
-Tem como... A gente conversar sobre isso em outro lugar?
-Se você tiver tempo...
-Tenho, sim. Pra onde você está indo?
-Pra casa. A gente pode parar num restaurante...
-Não, eu não quero que ninguém me ouça. O que eu quero mesmo é desabafar com alguém. Melhor que seja com um amigo.
-Então, vem comigo. Pode confiar em mim.
-Quer saber? Seu convite está aceito.
-Vem no meu carro, então.
-Não precisa, eu estou com o meu aqui. É só te seguir.
Luciano conduz Alice até o seu automóvel, e depois ambos vão para a sua casa, sem saber que Vinícius também está lá, quando recebe a ligação de Fábio através do número fixo.
-Alô?
-Tá podendo falar?
-Manda, Fábio.
-Já passou no sobrado?
-Tô, e ela mandou o que você pediu pra eu ir buscar.
-Então, eu posso passar aí? Não tem ninguém na tua casa, não é?
-Meu pai tá num plantão, então tá de boa pra gente.
-Tudo bem. Eu vou pedir um táxi e já, já eu chego aí.
-Táxi? Putz, Fábio, isso dá muito na vista. Vem de ônibus.
-Com minha “fuga” aí? Não tá dando pra esperar, não, cara. É só o tempo de eu dar uma desculpa pra quem tiver aqui, ainda não sei se meus pais estão em casa. Parece que tinha um problema com a papelada da separação pra resolver hoje.
-Você que sabe. Tô te esperando- encerra a ligação, ouvida por Caio através de uma extensão. O empresário corre para o carro, estacionado em frente à mansão, para que Fábio não perceba o quanto ele está próximo. O estudante troca de roupa rapidamente e anda pela casa, procurando por Alice e seu pai, a fim de dar uma satisfação.
-Melhor assim, já economizo uma desculpa esfarrapada- diz ironicamente, ao não ver nenhum dos pais. O adolescente sai de casa e distancia-se de sua residência pra pedir um táxi. Caio, escondido no carro, passa a seguir o meio de transporte, um pouco distante para não despertar suspeitas.

Vinícius, um pouco aéreo, não escuta quando os carros de Alice e de Luciano estacionam na porta de sua casa. O policial entra acompanhado da ex-esposa de Caio.
-Você quer beber alguma coisa?
-Um copo d’água, Luciano.
-Espera aqui, que eu já venho buscar. Fica à vontade, Alice.
Luciano vai até a cozinha realizar o pedido, mas é seguido por Alice.
-Desculpa, mas é que... Eu preciso muito desabafar com alguém.
-Claro, Alice. Eu estou te ouvindo- abre a geladeira.
-Quando eu falei sobre aquela pessoa da minha família, que estava enfrentando problema com...
-Era do teu filho, não é?- enche o copo.
-O quê?
-Era do teu filho que você estava falando, não era?- entrega o copo à Alice.
-Como é que você sabe disso?
-Esse tipo de problema a gente só pensa que acontece com os filhos dos outros, nunca com os da gente. O meu me ensinou isso a duras penas.
-Luciano, ele... Ele não é dependente. Eu sei que não é. Mas eu percebi que ele já andou experimentando alguma coisa.
-Quando?
-Um pouco antes da gente se ver pela última vez. Eu senti um odor estranho no quarto. Era alguma coisa parecida com nicotina. Só que mais forte.
-Falou com o teu filho?
-Não, não tive coragem. Eu resolvi sondar a namorada dele, pra ver se ela sabia de alguma coisa.
-O que ela te falou?
-No dia que eu fui procurar a Gabriela na escola, ocorreu aquela tragédia toda, da morte daquele rapaz. Depois disso, eu não cheguei a tocar no assunto. Acho que não tive coragem. Eu só queria entender como ele chegou a... A usar isso. Por que, entende?
-Não fecha os olhos pra isso. Conversa com o teu filho abertamente.
-Eu tenho medo, Luciano.
-De quê?
-E se o meu Fábio não teve uma simples curiosidade? Se ele estiver mesmo usando alguma droga? Como é que eu vou encarar isso?
-Você precisa, Alice. Pelo bem do seu filho. Não dá pra ignorar se ele realmente for um viciado.
-Mas é difícil. Ainda mais agora que o Fábio passa por toda essa turbulência lá em casa. Eu estou me divorciando do pai dele. Sinto que ele não digeriu essa mudança, mas não havia mais como eu continuar com esse casamento. Eu descobri que passei anos da minha vida vivendo uma mentira com meu ex-marido.
-Mas o teu filho não é uma mentira. Alice, eu sei que agora pode soar inútil, mas você tem que saber que a separação não é a causa desse possível envolvimento do teu filho. A causa é ele. Ele é quem precisa de ajuda.
-E eu? Como é que eu posso admitir que meu filho tem que ser ajudado, Luciano?
-Você não vê? Eu não deixei faltar nada pro meu filho. Dei a vida que ele desejava ter. E daí? O que foi que adiantou, se toda vez que ele sai eu fico com medo de receber a notícia de que ele se perdeu, de que teve uma overdose ou não vai mais voltar pra casa por ter se envolvido com algum traficante? Não importa se é por curiosidade ou se está mesmo se viciando, freia isso enquanto é tempo. Confronta o Fábio, Alice. Diz que vai ficar sempre do lado dele- aproxima-se do rosto de Alice, secando suas lágrimas.
-E se ele não largar... Como... O seu ainda não largou?
-Essa resposta eu não tenho, Alice. Mas a gente tem que lutar. Ninguém nunca me disse como era ter um filho, mas eu tive que aprender e aprendo até hoje. Mostra que você e o pai dele são o porto seguro do Fábio, juntos ou não.
Fábio desembarca do táxi e toca a campainha da casa de Vinícius, cujo som é ouvido por Alice e Luciano.
-Melhor você atender.
-Deixa tocar. Eu preciso me abrir com você.
-Sobre o seu filho também?
-Não, Alice. Sobre mim.
Fábio toca a campainha novamente. Caio deixa o seu carro próximo a um dos quarteirões e vai em direção ao filho. Vinícius abre a porta e fica parado.
-Eu escutei a campainha, não precisa tocar duas vezes. Tá ansioso, hein?
-Certeza de que não tem ninguém em casa?
Vinícius vê que o carro do pai está na porta de sua casa, mas não ouve o diálogo entre ele e Alice.
-Espera aqui. Eu vou checar lá em cima se ele está ou não.
-Mas você não disse que o teu pai tava de plantão?
-Foi, mas ele pode ter entrado. Fica aí, que eu já venho.
-O que é que você quer me dizer?- quando Alice pergunta, Fábio reconhece a voz da mãe e entra na casa.
-Eu preciso admitir uma coisa. Desde o dia em que a gente se conheceu, eu não paro de pensar em você.
-Luciano, me escuta...
-Me deixa terminar, Alice. Por favor- Fábio aproxima-se da cozinha. Caio corre e encontra a porta aberta, seguindo o filho- Pode parecer loucura o que eu estou dizendo, mas... Eu quero ficar com você.
-Como é isso, Luciano? A gente acabou de se conhecer.
-E desde então eu não consigo parar de pensar em você.
-Luciano, eu sou casada ainda.
-Mas não ama seu marido. Lamenta a separação só por causa do Fábio, mas não pelo que sente ou sentiu pelo teu marido um dia. Deixa eu cuidar de você, Alice, como eu tenho desejado desde a primeira vez.
-Luciano, me escuta...
-Não fala nada. Eu não quero que você se sinta culpada de nada. Mas eu vou te pedir pra se dar uma chance de ser feliz- o policial beija Alice longamente, e Fábio chega para presenciar a cena.
-Mãe?- a chegada de Fábio interrompe o beijo, também visto por Caio, de longe.
-Filho? O que você está fazendo aqui?
-O que é que você faz aqui, Alice?- Caio surpreende a todos os presentes, agora dentro da cozinha.

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