25/06/2017

VIDA LOUCA/ CAPÍTULO 22: MINHA MAIOR FICÇÃO DE AMOR (ÚLTIMAS SEMANAS)

Nem mesmo Sal acredita no que acaba de fazer. O disparo acabou por acertar a modelo, que já cai ao chão sem vida. Lipe levanta-se e puxa o irmão para que ele corra até o corpo e tire a bolsa das mãos de Victória, na tentativa de simular um assalto.
-“Vambora” daqui, Lipe! Anda!- declara Sal, saindo com o irmão por um beco localizado nas proximidades da rua do colégio. Alunos ouvem o disparo e correm para ver se há alguma pessoa ferida. Ao constatarem que se trata de Victória, entram em desespero e acionam uma ambulância, em um esforço inútil.

-Gabriela, eu não acho que seja a hora da gente conversar sobre isso.
-Por que não, Eduardo?
-O que você viveu foi muito forte, violento e... Eu não quero que você sofra mais uma decepção.
-Mais cedo ou mais tarde, eu vou descobrir. Melhor que você me conte agora. O que é que vocês dois foram fazer na casa do Fábio ontem à noite?
-Tudo bem. Vai ser difícil pra mim ter que contar, mas não tem outro jeito... Assim que você saiu de casa, o Seu Caio e a Dona Alice foram falar contigo.
-Eles foram lá em casa? Depois de tudo o que houve com a Mãe? Então, deve ter sido uma coisa bem séria mesmo...
-Gabriela, talvez o que eu vá te contar agora ajude você a entender por que, de uns tempos pra cá, o Fábio tá tão estranho com você. Aliás, com todo mundo.
-Tem algum jeito de entender, Eduardo? Alguma justificativa, por acaso? Fábio foi muito canalha comigo, o que ele tentou fazer não tem desculpa.
-Gabriela, me ouve. A questão é mais grave do que a gente pensa.
-Eu sei bem o que tá rolando com ele.
-Sabe?
-Ontem à noite, ele veio com uma conversa estranha.
-Ele te contou que teve uma discussão com os pais mais cedo?
-É, tinha falado pra mim.
-Te disse por quê?
-Deve ter sido por causa da separação, mas isso não importa pra mim. O que não me sai da cabeça é que...
-Fala, Gabriela.
-Faz um tempo que eu percebo que o Fábio tá estranho demais. Fica calado, prefere não se abrir mais comigo...
-E fora as amizades que ele inventou de arranjar.
-Pois é, Eduardo.
-Eu também reparei nisso. Muitas vezes, eu ligava pro celular dele e ele não atendia. Perguntava pros pais dele onde é que ele tava e ninguém sabia. Eu não sabia o que tava acontecendo com ele...
-Mas eu sei. E descobri da pior forma possível.
-Quer dizer que ele te contou?
-Contou. E quanto mais eu penso, menos eu consigo entender como ele pode pensar tão mal de mim.
-“Pensar mal”? Gabriela, você tá falando do quê?
-Você tinha sacado que o Fábio ficou diferente comigo depois do acidente no táxi?
-“Diferente”, Gabi? “Diferente” como?
-“Diferente” é até bondade minha. Ele ficou foi indiferente mesmo. Saiu do hospital e não veio me ver. Demorei pra voltar pra casa e ele não foi me visitar, e parece que procurava um jeito de falar cada vez menos comigo. Ficava me perguntando por que, mas sabia de tinha que ajudar o Fábio.
-Gabriela, o que foi exatamente que o Fábio te disse ontem à noite?
-Ele me contou que, no dia do acidente, o médico disse que eu... Que eu tinha perdido um bebê.
-Quê? Que absurdo é esse agora, Gabriela?
-Foi o que o Fábio disse, que o médico falou que eu tinha perdido um bebê por causa do acidente do táxi. Daí, ele acreditou que eu tinha tido um caso com outro cara, e tentou me levar pra cama mais de uma vez. Só que eu juro, Eduardo, por tudo que é mais sagrado, que eu nunca fui pra cama com ninguém. E eu não sei por que o médico inventou essa mentira! Quando eu neguei que tinha feito isso, O Fábio ficou fora de si e tentou transar comigo à força. Só consegui escapar porque vocês chegaram.
-Gabriela, o que você tá me contando não faz o menor sentido! Por que o médico ia te dar um diagnóstico de gravidez se você é virgem?
-Entende agora o que fez o Fábio agir dessa maneira durante todo esse tempo, Eduardo?
-Você reparou se... Se o Fábio tava alterado?
-Como assim?
-Se ele parecia aéreo, se tava sob efeito de alguma coisa.
-Fábio parecia irritado com a briga que teve com os pais dele.
-Tem certeza de que era só raiva que ele tava sentindo?
-Eduardo, o que é que vocês estão escondendo de mim?
-O que você tá dizendo não tem lógica, Gabriela. O médico não ia dar um diagnóstico falso só pra confundir a cabeça do Fábio. Por isso que eu tô querendo saber se ele tinha usado alguma coisa.
-Droga? É disso que você tá desconfiado? Eduardo, você conhece o Fábio o suficiente pra saber que ele nunca ia se meter com uma coisa assim.
-Mas se meteu.
-Como é?
-Esse foi o motivo da visita dos pais dele ontem à noite, lá em casa. Eles vieram te contar que descobriram o envolvimento do Fábio com drogas.
-Eduardo, para com isso! Não tem graça nenhuma!
-A gente tá tapando o sol com a peneira, sem querer enxergar o motivo pro Fábio começar a agir estranho. O Seu Caio e a Dona Ariane descobriram que ele tava dando dinheiro pro Vinícius pra comprar drogas.
-Vinícius? Eduardo, esse cara é drogado e todo mundo sabe, mas daí a dizer que o Fábio tinha conversa com ele...
-Acorda, Gabriela! O Fábio andava muito próximo do Vinícius nos últimos tempos! Isso explica onde é que ele conseguia essas coisas!
-O meu Fábio não! Ele não ia fazer isso comigo!
-O Fábio não é mais seu, não é mais o mesmo Fábio que a gente conhece! O cara que tentou abusar de você é outra pessoa! Ele mesmo admitiu pros pais o envolvimento dele com as drogas que o Vinícius trazia.
-Não pode ser! Eu não aceito isso, entendeu? O Fábio não pode ser dependente químico! Eu não vou aceitar isso, entendeu?
-O pai do Fábio até cancelou a conta bancária de onde tirava a mesada dele pra não ver o Fábio gastar com droga. Eles já sabem de tudo, Gabriela, menos quem é a pessoa que repassava a droga pro Vinícius. Foi por isso que a gente foi lá ontem à noite, pra conversar com o Fábio e dar o nosso apoio. Mas eu perdi a cabeça quando vi ele tentando te estuprar, falando aquele monte de absurdo! A gente não pode fechar os olhos e dizer que o Fábio tá bem, Gabriela, porque não tá.
-Quer dizer que... Tudo que ele falou contra mim ontem foi efeito de droga? Você quer mesmo que eu acredite nisso?
-Seu Caio disse que ele tava limpo desde que eles colocaram o Fábio e o Vinícius contra a parede. Eu não sei por que ele falou essa história absurda do médico.
-Presta atenção: eu não aceito esse diagnóstico, entendeu? O que estão dizendo do Fábio é a maior mentira que eu já ouvi na minha vida!
-O Fábio tá metido com droga, sim! A gente tem que ajudar ele, mas eu não sei como. Só que a gente não pode fechar os olhos e não ver que ele tá vulnerável a qualquer coisa.
-Me diz que isso é mentira! Fala que você tá mentindo, que não é verdade, Eduardo!- Gabriela esmurra o peitoral do irmão, que a contém com um abraço. Desesperada, a moça chora desolada com a notícia que acaba de receber.

Luciano está em casa quando Vinícius volta da escola. O policial está assistindo à televisão.
-Filho?
-Fala.
-Você está bem?
-A mulher da minha vida deve estar embarcando pra Alemanha a essa hora. Não tem como eu ficar bem, não é?
-Eu sinto muito pela partida da Victória. Mas você sabe que pras coisas tomarem um rumo diferente, só dependia de você.
-Eu já perdi a Victória, Pai. Não tenho mais o que refletir sobre isso. Se você quer usar essa situação pra jogar na minha cara que acha que eu tô errado, sinto te informar que esse não é o melhor momento.
-Pensa quando ela voltar, se ela vai querer te encontrar do mesmo jeito que te deixou.
-Quando ela voltar, já vai ter preenchido o vazio que eu deixei com outro cara.
-Sabe que nem eu mesmo percebi quando foi que você deixou de lutar pelo que queria, de ser determinado?
-Tá falando isso por quê?
-Porque você ama a Victória. E desistiu dela rápido demais. Deixou ela sair da sua vida achando que não tinha tanta importância pra você. É isso que você quer? Se condenar a sofrer? Pega um táxi e vai até o aeroporto, Vinícius! Se você quiser, eu mesmo te levo.
-Pra quê? Ela já tá decidida.
-Você decidiu por ela, Vinícius!
-Não tenho direito de empatar a vida dela, Pai?
-E a sua? Vai empatar até quando? Olha a chance de ser feliz que você está jogando fora!
-Vai ser melhor pra nós dois, um longe do outro. Eu não mudo de opinião, ela menos ainda. Não é porque eu tô sofrendo que eu vá ficar assim a vida toda.
O plantão jornalístico da emissora na qual Luciano estava sintonizado desde antes da chegada de Vinícius anuncia:
-Interrompemos nossa programação para trazer uma notícia lamentável: a modelo Victória Carvalho Zimmerman faleceu no fim da tarde de hoje, aos dezessete anos.
-Victória?- Vinícius aproxima-se do aparelho televisor.
-A moça estava deixando o colégio onde estudava, no bairro da Estância, quando foi, segundo testemunhas, abordada por dois assaltantes. Victória reagiu ao assalto, tentando impedir que os meliantes levassem a sua bolsa, quando um dos bandidos atirou à queima-roupa, ocasionando o óbito. Ainda não há informações sobre os suspeitos. Zimmerman estava se preparando para deixar o Brasil nesta noite, por ter recebido uma proposta de trabalho no exterior. Outras informações a qualquer momento, e a cobertura completa sobre essa tragédia você terá logo mais, às sete e quinze da noite, no “Pernambuco Noturno”. Até já.
-Vinícius, calma!- Luciano percebe o choque que o filho acaba de levar- Por favor, filho, vem!
-Mataram a Victória! Você viu o que ele disse? Mataram a minha Victória, Pai... – as lágrimas rolam o rosto do problemático modelo.
-Eu sinto muito, filho- Luciano tenta conter o rapaz abraçando-lhe, mas o rapaz desvencilha-se do pai.
-Tiraram a Victória de mim! Agora eu perdi ela pra sempre!
-Por que ela tinha que reagir a esse assalto? Por quê?
-Eu quero ver a Victória! Me leva até a Victória, Pai, que eu quero ver ela!
-Vinícius, senta aqui no sofá; eu vou trazer um copo d’água pra você...
-Eu não quero me acalmar! Eu quero a Victória perto de mim! A culpa é minha... Ela foi embora com raiva de mim, com ódio! Eu fiz de tudo, tudo pra afastar ela de mim!
-Eu vou ligar pra delegacia e saber o que houve, está bem? Por favor, meu filho, não fica assim!- Luciano segura o rosto de Vinícius- Não fica assim, eu estou aqui com você!
-Quem foi que tirou ela de mim, Pai? Quem foi que... – Vinícius chora ainda mais alto, levando Luciano ao desespero.
Bete também acompanha a interrupção da programação, deitada em sua cama e com os braços para cima.
-Nem esperaram o jornal começar. Que bom! Pois é, Vinícius... A Victória pagou por você me enfrentar. Quem diria, né? Ela, que fez questão de ficar longe das drogas, acabou morrendo porque uma traficante mandou matar!- a meliante começa a rir, descontrolada- O dia hoje não podia ser melhor. Agora ele vai pensar muito bem antes de me denunciar. Já risquei um da minha lista de inimigos. Daqui a pouco, Fabinho, você vai virar adubo também...

Ariane estranha a ausência dos filhos e liga para o celular de Eduardo, que não demora para atender.
-Oi, Mãe?
-Filho, você encontrou a Gabriela?
-Ela só foi dar uma volta. Mas ela tá bem, sim. A gente conversou e... Vamos pra casa agora.
-Pelo menos, eu fico mais tranquila agora. Não demora muito, viu, filho?
-Tá bom, Mãe. Um beijo- desliga o celular- Tá mais calma?
-Como se fosse fácil depois do que você me contou...
-Mas tem que ser assim. Uma hora ou outra, você ia saber da verdade. O ruim é que teve que acontecer aquilo ontem.
-Continuo sem acreditar.
-Gabriela, o Fábio admitiu...
-Eu conheço o Fábio, Eduardo!
-Eu também conheço. O bastante pra saber que ele não é mais a mesma pessoa. A gente tem que ajudar ele, sim, mas não dá pra fingir que não tá rolando nada. Vamos pra casa, que a Mãe já ligou preocupada e tá ficando tarde. Vamos?
Gabriela acompanha o irmão, e ambos caminham a passos lentos. Ao fim daquela ponte, vem Fábio, com um olhar assustado, com a roupa machucada. O adolescente recorda o primeiro beijo que trocou com a namorada. Os dois foram fazer um trabalho de escola sobre músicas antigas, e ele a levou até uma vitrola, cuja parte inferior tinha sessenta long plays.
-Que disco é esse? “Heróis da resistência”?
-Meu pai adora esse LP. Disse que comprou na adolescência dele.
-Peraí, deixa eu ver aqui- retira o disco da capa- Mil novecentos e oitenta e seis- Bem a época que a professora pediu pra gente buscar músicas antigas. Ela disse que foi a época que explodiu o pop e o rock no Brasil.
-Quer ouvir? Eu já escutei, e ele é muito bom. Super recomendo.
-Quero, sim. Ué, mas você vai botar pra tocar já do lado B?
-É que tem uma música que eu gosto muito, acho até que é a melhor do LP. Acho que você vai gostar também, já que é a sua cara.
-Por quê?
-Sempre me lembro de você quando escuto- Fábio seleciona “Só pro meu prazer”- Dança comigo?
-Tá falando sério?
-Como nunca. Aceita- estende a mão, que é segurada pela jovem, e os dois dançam devagar ao som dos versos.
-Não fala nada, deixa tudo assim por mim. Eu não me importo se nós não somos bem assim. É tudo real nas minhas mentiras e assim não faz mal; e assim não me faz mal, não... Noite e dia se completam, o nosso amor e ódio eternos. Eu te imagino, eu te conserto, eu faço a cena que eu quiser; eu tiro a roupa pra você, minha maior ficção de amor, e eu te recriei só pro meu prazer. Não venha agora com essas insinuações dos seus defeitos ou de algum medo normal. Será que você não é nada que eu penso? Também, se não for, não me faz mal. Não me faz mal, não... – a canção é executada, mas antes que seja encerrada, um primeiro e longo beijo acontece.
Certo da traição que acredita ter Gabriela cometido, Fábio olha para o rio em desespero. Logo, põe a perna direita para fora da ponte, segurando-se nela. A namorada grita por seu nome ao ver que ele tenta o suicídio.

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