-Melhor
não.
-É
só pra você esquecer um pouco o teu problema, não é pra ficar vidrado.
-Como
você fica, Vinícius? Tá na cara que você precisa de ajuda.
-E
você não precisa? Também era assim como você, tinha medo do que viesse pela
frente. Mas você é o mais inteligente da turma, sempre com nota alta, os
professores puxando teu saco... Vai saber a hora de parar.
-Leva
isso daqui, que eu não quero.
-Sabe
de uma coisa?- Vinícius deixa o cigarro sobre a pia do banheiro- Vou fazer que
nem dizem os advogados: vou te dar o benefício da dúvida. Se você quiser, é
seu. Mas garanto que vai te acalmar- o modelo deixa o banheiro e caminha pela
escola um pouco confuso, sem notar a proximidade de Bete, que chega à porta do
banheiro e observa Fábio se olhando ao espelho, dando voltas e lançando olhares
sobre o cigarro oferecido. Alguns minutos depois, a traficante vê o filho de
Alice e Caio ingerindo a droga ilícita, chegando a inspirá-la com força.
Eduardo
sai da sala de aula e, passando pela entrada do colégio, encontra sua irmã
chegando, o que lhe causa surpresa.
-Gabriela?
Pensei que você não vinha hoje.
-Resolvi
de última hora- dito isto, Bete escuta a voz da moça, assim como Fábio. A
traficante se afasta do banheiro e o estudante acaba por jogar na lixeira o
cigarro deixado por Vinícius. Ainda assim, ele ainda está um pouco “aéreo”,
devido à ingestão da droga, e aguarda um pouco para deixar o local.
-Falou
com Fábio?
-Não.
Nem sabia que ele tinha chegado. Onde é que ele tá?
-Encontrei
com ele na portaria, já deve ter entrado.
Assustado,
o jovem que conversava com Vinícius há poucos minutos deixa o banheiro. Eduardo
entende que é a hora dos namorados conversarem e os deixa sozinhos.
-Tá
tudo bem com você?
-Não...
Quer dizer, não tem como ficar sem estar do seu lado. Sei que eu devia ter te
procurado, tentando me aproximar, mas não deu.
-É
só isso que você tem pra me dizer? Porque esses dois dias, relembrando de tudo
o que aconteceu, e cogitando que pode ter outra briga entre a minha mãe e a
sua...
-Isso
não vai rolar, Gabriela.
-Tem
como garantir?
-Não,
não tenho- responde, após um breve silêncio- Mas eu sei que preciso me
desculpar contigo.
-Só
se você fizer uma coisa pra mim.
-Fala,
amor.
-Eu
quero que você vá jantar comigo hoje.
-Por
que isso assim, de última hora?
-Pra
provar que tá tudo bem mesmo. Tem problema pra você jantar com meu irmão e
minha mãe?
-Lógico
que não. Pode apostar que eu vou pra lá.
-Que
saudade que eu tava de você, Fábio... – Gabriela tenta beijá-lo, mas ele se
esquiva, para que ela não sinta o cheiro do cigarro que ingeriu.
-Eu
também tava. Com muita saudade... Vamos lá pra sala?
-Mas
ainda tá cedo, amor.
-Por
isso mesmo. Dá pra gente conversar melhor, sem ninguém interromper.
-Fábio,
tá tudo bem com você?
-Com
você do lado, não tem como não ficar- estende a mão- Vamos?
-Vamos,
sim- Gabriela acompanha o namorado, sendo vista de longe por Bete.
À
noite, Fábio decide deixar a tensão de lado e, a pedido de Gabriela, aceita
jantar com a família da namorada. Eduardo abre a porta para o amigo.
-E
aí, rapaz? Tudo bem?- abraça o rapaz.
-Tudo
certo, Edu. Cadê a tua irmã?
-Na
sala de jantar, esperando você. Entra.
Acanhado,
o estudante entra naquela casa como se fosse a primeira vez, até mais nervoso
do que quando pediu a filha de Ariane em namoro. Ao se dirigirem à sala de
jantar, os rapazes presenciam a dona da casa e a jovem levantando-se para cumprimentar
o estudioso adolescente.
-Oi,
amor- Gabriela se aproxima de Fábio e lhe dá um beijo, ainda que ele não deixe
de olhar para Ariane com desconfiança.
-Fique
à vontade, Fábio- avisa a dona da casa.
-Obrigado-
toma a cadeira ao lado da namorada.
-Tudo
bem com você?- pergunta Ariane.
-Por
que não ia estar?
-Não,
por nada- constrangida, Ariane diz à empregada- Já pode servir o jantar.
Eduardo tenta começar um assunto para Fábio dialogar um pouco mais com os que
estão presentes à mesa.
-Sabe
do que eu tava me lembrando? Daquele professor que na aula de hoje prometeu que
ia passar uma atividade valendo ponto e se esqueceu.
-É,
eu percebi isso também- limita-se a falar.
-Como
é que estão os seus pais, Fábio?
-Mãe!-
Eduardo repreende Ariane pela pergunta.
-Fiquei
preocupada depois de tudo o que aconteceu, Eduardo; por isso que eu quero
saber.
-Saber
dos meus pais ou só do meu pai?
-Fábio,
você tá insinuando alguma coisa contra minha mãe?- Gabriela fica tensa.
-Ué,
ela fez uma pergunta e eu tô fazendo outra, não vejo problema.
-Se
não quiser me responder, eu te entendo.
-Como
a senhora é compreensiva...
-Fábio!-
Gabriela fica assustada com a ironia.
-Mas
ia ser falta de educação se eu não respondesse, né? Então, como é que eu posso
dizer? Os dois vão se divorciar.
-Tem
certeza do que está dizendo?
-Como
dois e dois são quatro.
-Mesmo
que você não acredite, Fábio, eu sinto muito.
-Tem
mesmo que sentir, Dona Ariane.
-Por
quê? Acha que eu sou a culpada disso?
-Contribuiu
bastante, vamos combinar.
-Você
não acha que tá passando dos limites, não?- Eduardo fica irritado.
-Acho,
sim. Por isso que é melhor eu ir embora, antes que eu vomite o que tô pensando
da tua mãe.
-Não
sem antes me ouvir- Ariane deixa claro sua posição.
-Sinceramente,
eu não tô nem um pouco interessado no que a senhora vai falar.
-Pouco
me importa se você quer me ouvir ou não. Vai me ouvir. Eu não tenho culpa se o
casamento dos seus pais é uma farsa.
-Quem
vai me garantir que a senhora não faz parte dessa farsa também? Que não é a
senhora influenciando ele a se divorciar da minha mãe?
-Melhor
você sair daqui- Gabriela se irrita com o namorado.
-Mentira
que você vai ficar do lado dela mesmo sabendo que ela teve um passado com o meu
pai!
-Ao
lado da minha mãe, eu vou ficar sempre. É por isso que eu não vou deixar você
faltar com o respeito a ela.
-Foi
um erro ter aceitado o teu convite mesmo... – olha para Ariane- Pede pra
empregada tirar o meu lugar da mesa.
-Fábio,
volta aqui! Vamos conversar! Fábio!- Gabriela se arrepende e chama pelo
namorado, que fecha a porta bruscamente e toma um táxi na rua.
-Gabi,
vai atrás do Fábio. O cara tá sem controle, só você pode acalmar a situação.
-No
meu lugar ele não se põe, né, Eduardo? A minha mãe é vítima nessa história
toda, não a culpada.
-Ouve
seu irmão, filha- clama Ariane- O Fábio está desnorteado, mas ele gosta de você
de verdade. Desculpa essa atitude dele, por mim.
Sozinho
no centro da cidade, Fábio está sobre uma movimentada ponte naquela noite.
Muitas pessoas trafegam por lá devido a uma paralisação dos motoristas de
ônibus, que exigem melhor condições de trabalho e param, entre outras, a
principal avenida do centro da cidade. Afobada, Gabriela desembarca de um táxi
naquele mesmo local, pagando ao motorista e dispensando-lhe com um sinal. Em
direção ao namorado, vai a moça.
-Sabia
que você vinha pra cá.
-Não
era pra você ter vindo atrás de mim.
-Pode
acreditar. Quando eu faço alguma coisa por você, estou fazendo por mim também.
A gente é parte um do outro... – aproxima-se mais.
-Acho
que tô facilitando as coisas.
-Como
assim, Fábio?
-Pra
você... Se cansar de mim.
-Isso
não vai acontecer nunca- após a promessa de Gabriela, Fábio olha para o mar.
-Jurava
que eu fosse mais forte do que tudo isso.
-Você
acha que não é difícil pra mim também? E pra minha mãe? Ela foi acusada de
acabar com o casamento dos seus pais, duas vezes. E eu deixei o Eduardo com ela
lá em casa, como se eu não ligasse pra ela.
-No
fundo, sua mãe sabe que você confia nela.
-Não
é a mesma coisa. Eu tenho que provar, tenho que dizer!
-Era
pra você ter ficado junto com seu irmão.
-Fábio,
você ainda não entendeu. Qualquer coisa que te afete vai respingar em mim
também.
-Se
você pensa que eu quero te fazer sofrer, melhor ficar sabendo de uma vez que
isso é o que eu menos quero.
-A
solução desse lance todo eu não tenho. Mas eu prefiro ficar na dúvida com você
do lado.
-Tudo
o que eu queria era entender por quê... E quando foi que eu virei um atraso na
vida dele.
-O
Seu Caio te ama, Fábio.
-Até
isso ele deve colocar na balança. Já se esqueceu de que eu sou o resultado de
um casamento infeliz?
-Por
favor, para! Deixa de ficar se menosprezando desse jeito.
-Sabe
o que é ver o mundo desabando do seu lado e não saber o que fazer, Gabriela?
-Só
que você não pode levar seus pais como duas crianças. Uma hora, eles vão ter
que sentar e resolver a situação.
-Eu
tenho medo, sabia? Juro que eu tô com muito medo.
-O
casamento pode acabar, mas eles não vão te riscar da vida deles, meu amor.
-Disso
eu sei. Mas alguma coisa dessa relação se perdeu, e a gente não sabe quando nem
por quê.
-E
nós dois? Será que a gente tá se perdendo um do outro?
-Por
que essa dúvida agora?
-Porque
eu quero estar do seu lado, ficar com você. Eu não sou sua namorada pra dividir
uma vida só quando a felicidade tá na cara de todo mundo. Quero ser a mulher da
sua vida, ser presente na hora do teu sofrimento, da tua dor.
Fábio
deixa que um leve sorriso seja direcionado à filha de Ariane.
-Falando
no futuro, Gabriela? A troco de quê? Você já é essa mulher. Ou você pensa que
eu não te reconheço como o meu porto seguro? O que eu queria agora era poder
retribuir todos os dias o amor que você me desperta.
-Ah,
Fábio... – Gabriela vê o rapaz abaixando a cabeça, levantando-a subitamente.
-Vamos
tentar não trair esse sentimento que a gente tem um pelo outro? Eu prometo que,
por mais egoísta que eu seja, eu sempre vou olhar por você e estar junto quando
você precisar. Desculpa não entender que é tudo difícil pra você também.
-Tudo
bem, amor- beija-lhe- A partir de agora, a gente vai ser assim: mais amigos um
do outro do que antes. Vamos pra casa?
-Mas
você deixou o táxi ir embora...
-Eu
peço outro. Vai ser difícil mesmo conseguir pegar o metrô nessa danação toda de
gente, né?- ambos riem, o casal procura um ponto de táxi.
Eduardo
traz um copo com água para a mãe.
-Tá
mais calma?
-Não.
Não consigo ficar- dispensa o copo d’água.
-A
Gabriela é namorada do Fábio. Ela sabe onde ele tá, vai encontrar ele num instante.
-Eduardo...
Eu não sei por que, mas... Eu estou sentindo um aperto no peito...
-O
que é que a senhora tá pressentindo, Mãe?
-Não
sei. Mas quando eu tenho isso, não costumo me enganar.
O
táxi leva o casal até a casa de Fábio, seguindo pela Avenida Sul naquela noite
nublada de fevereiro. O sinal vermelho serve para que Gabriela e o rapaz voltem
a conversar brevemente.
-Posso
te prometer uma coisa?
-O
quê?
-Independente
dos meus pais, da briga com a sua mãe... A gente vai ficar junto. Nada vai
separar a gente.
-Vai
ter que cumprir mesmo essa promessa, hein?- Gabriela brinca, cumprimentando o
filho de Caio e Alice com um beijo.
O
sinal abre e o taxista segue. Mas outro motorista vem no cruzamento, à toda
velocidade, ignorando o sinal fechado e acerta em cheio o lado do veículo em
que está a irmã de Eduardo, afastando o automóvel do asfalto. Os ocupantes
desfalecem com o impacto.
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