08/06/2017

VIDA LOUCA/ CAPÍTULO 5: NÃO VALE A PENA ESCONDER A DOR

-Melhor não.
-É só pra você esquecer um pouco o teu problema, não é pra ficar vidrado.
-Como você fica, Vinícius? Tá na cara que você precisa de ajuda.
-E você não precisa? Também era assim como você, tinha medo do que viesse pela frente. Mas você é o mais inteligente da turma, sempre com nota alta, os professores puxando teu saco... Vai saber a hora de parar.
-Leva isso daqui, que eu não quero.
-Sabe de uma coisa?- Vinícius deixa o cigarro sobre a pia do banheiro- Vou fazer que nem dizem os advogados: vou te dar o benefício da dúvida. Se você quiser, é seu. Mas garanto que vai te acalmar- o modelo deixa o banheiro e caminha pela escola um pouco confuso, sem notar a proximidade de Bete, que chega à porta do banheiro e observa Fábio se olhando ao espelho, dando voltas e lançando olhares sobre o cigarro oferecido. Alguns minutos depois, a traficante vê o filho de Alice e Caio ingerindo a droga ilícita, chegando a inspirá-la com força.
Eduardo sai da sala de aula e, passando pela entrada do colégio, encontra sua irmã chegando, o que lhe causa surpresa.
-Gabriela? Pensei que você não vinha hoje.
-Resolvi de última hora- dito isto, Bete escuta a voz da moça, assim como Fábio. A traficante se afasta do banheiro e o estudante acaba por jogar na lixeira o cigarro deixado por Vinícius. Ainda assim, ele ainda está um pouco “aéreo”, devido à ingestão da droga, e aguarda um pouco para deixar o local.
-Falou com Fábio?
-Não. Nem sabia que ele tinha chegado. Onde é que ele tá?
-Encontrei com ele na portaria, já deve ter entrado.
Assustado, o jovem que conversava com Vinícius há poucos minutos deixa o banheiro. Eduardo entende que é a hora dos namorados conversarem e os deixa sozinhos.
-Tá tudo bem com você?
-Não... Quer dizer, não tem como ficar sem estar do seu lado. Sei que eu devia ter te procurado, tentando me aproximar, mas não deu.
-É só isso que você tem pra me dizer? Porque esses dois dias, relembrando de tudo o que aconteceu, e cogitando que pode ter outra briga entre a minha mãe e a sua...
-Isso não vai rolar, Gabriela.
-Tem como garantir?
-Não, não tenho- responde, após um breve silêncio- Mas eu sei que preciso me desculpar contigo.
-Só se você fizer uma coisa pra mim.
-Fala, amor.
-Eu quero que você vá jantar comigo hoje.
-Por que isso assim, de última hora?
-Pra provar que tá tudo bem mesmo. Tem problema pra você jantar com meu irmão e minha mãe?
-Lógico que não. Pode apostar que eu vou pra lá.
-Que saudade que eu tava de você, Fábio... – Gabriela tenta beijá-lo, mas ele se esquiva, para que ela não sinta o cheiro do cigarro que ingeriu.
-Eu também tava. Com muita saudade... Vamos lá pra sala?
-Mas ainda tá cedo, amor.
-Por isso mesmo. Dá pra gente conversar melhor, sem ninguém interromper.
-Fábio, tá tudo bem com você?
-Com você do lado, não tem como não ficar- estende a mão- Vamos?
-Vamos, sim- Gabriela acompanha o namorado, sendo vista de longe por Bete.

À noite, Fábio decide deixar a tensão de lado e, a pedido de Gabriela, aceita jantar com a família da namorada. Eduardo abre a porta para o amigo.
-E aí, rapaz? Tudo bem?- abraça o rapaz.
-Tudo certo, Edu. Cadê a tua irmã?
-Na sala de jantar, esperando você. Entra.
Acanhado, o estudante entra naquela casa como se fosse a primeira vez, até mais nervoso do que quando pediu a filha de Ariane em namoro. Ao se dirigirem à sala de jantar, os rapazes presenciam a dona da casa e a jovem levantando-se para cumprimentar o estudioso adolescente.
-Oi, amor- Gabriela se aproxima de Fábio e lhe dá um beijo, ainda que ele não deixe de olhar para Ariane com desconfiança.
-Fique à vontade, Fábio- avisa a dona da casa.
-Obrigado- toma a cadeira ao lado da namorada.
-Tudo bem com você?- pergunta Ariane.
-Por que não ia estar?
-Não, por nada- constrangida, Ariane diz à empregada- Já pode servir o jantar. Eduardo tenta começar um assunto para Fábio dialogar um pouco mais com os que estão presentes à mesa.
-Sabe do que eu tava me lembrando? Daquele professor que na aula de hoje prometeu que ia passar uma atividade valendo ponto e se esqueceu.
-É, eu percebi isso também- limita-se a falar.
-Como é que estão os seus pais, Fábio?
-Mãe!- Eduardo repreende Ariane pela pergunta.
-Fiquei preocupada depois de tudo o que aconteceu, Eduardo; por isso que eu quero saber.
-Saber dos meus pais ou só do meu pai?
-Fábio, você tá insinuando alguma coisa contra minha mãe?- Gabriela fica tensa.
-Ué, ela fez uma pergunta e eu tô fazendo outra, não vejo problema.
-Se não quiser me responder, eu te entendo.
-Como a senhora é compreensiva...
-Fábio!- Gabriela fica assustada com a ironia.
-Mas ia ser falta de educação se eu não respondesse, né? Então, como é que eu posso dizer? Os dois vão se divorciar.
-Tem certeza do que está dizendo?
-Como dois e dois são quatro.
-Mesmo que você não acredite, Fábio, eu sinto muito.
-Tem mesmo que sentir, Dona Ariane.
-Por quê? Acha que eu sou a culpada disso?
-Contribuiu bastante, vamos combinar.
-Você não acha que tá passando dos limites, não?- Eduardo fica irritado.
-Acho, sim. Por isso que é melhor eu ir embora, antes que eu vomite o que tô pensando da tua mãe.
-Não sem antes me ouvir- Ariane deixa claro sua posição.
-Sinceramente, eu não tô nem um pouco interessado no que a senhora vai falar.
-Pouco me importa se você quer me ouvir ou não. Vai me ouvir. Eu não tenho culpa se o casamento dos seus pais é uma farsa.
-Quem vai me garantir que a senhora não faz parte dessa farsa também? Que não é a senhora influenciando ele a se divorciar da minha mãe?
-Melhor você sair daqui- Gabriela se irrita com o namorado.
-Mentira que você vai ficar do lado dela mesmo sabendo que ela teve um passado com o meu pai!
-Ao lado da minha mãe, eu vou ficar sempre. É por isso que eu não vou deixar você faltar com o respeito a ela.
-Foi um erro ter aceitado o teu convite mesmo... – olha para Ariane- Pede pra empregada tirar o meu lugar da mesa.
-Fábio, volta aqui! Vamos conversar! Fábio!- Gabriela se arrepende e chama pelo namorado, que fecha a porta bruscamente e toma um táxi na rua.
-Gabi, vai atrás do Fábio. O cara tá sem controle, só você pode acalmar a situação.
-No meu lugar ele não se põe, né, Eduardo? A minha mãe é vítima nessa história toda, não a culpada.
-Ouve seu irmão, filha- clama Ariane- O Fábio está desnorteado, mas ele gosta de você de verdade. Desculpa essa atitude dele, por mim.

Sozinho no centro da cidade, Fábio está sobre uma movimentada ponte naquela noite. Muitas pessoas trafegam por lá devido a uma paralisação dos motoristas de ônibus, que exigem melhor condições de trabalho e param, entre outras, a principal avenida do centro da cidade. Afobada, Gabriela desembarca de um táxi naquele mesmo local, pagando ao motorista e dispensando-lhe com um sinal. Em direção ao namorado, vai a moça.
-Sabia que você vinha pra cá.
-Não era pra você ter vindo atrás de mim.
-Pode acreditar. Quando eu faço alguma coisa por você, estou fazendo por mim também. A gente é parte um do outro... – aproxima-se mais.
-Acho que tô facilitando as coisas.
-Como assim, Fábio?
-Pra você... Se cansar de mim.
-Isso não vai acontecer nunca- após a promessa de Gabriela, Fábio olha para o mar.
-Jurava que eu fosse mais forte do que tudo isso.
-Você acha que não é difícil pra mim também? E pra minha mãe? Ela foi acusada de acabar com o casamento dos seus pais, duas vezes. E eu deixei o Eduardo com ela lá em casa, como se eu não ligasse pra ela.
-No fundo, sua mãe sabe que você confia nela.
-Não é a mesma coisa. Eu tenho que provar, tenho que dizer!
-Era pra você ter ficado junto com seu irmão.
-Fábio, você ainda não entendeu. Qualquer coisa que te afete vai respingar em mim também.
-Se você pensa que eu quero te fazer sofrer, melhor ficar sabendo de uma vez que isso é o que eu menos quero.
-A solução desse lance todo eu não tenho. Mas eu prefiro ficar na dúvida com você do lado.
-Tudo o que eu queria era entender por quê... E quando foi que eu virei um atraso na vida dele.
-O Seu Caio te ama, Fábio.
-Até isso ele deve colocar na balança. Já se esqueceu de que eu sou o resultado de um casamento infeliz?
-Por favor, para! Deixa de ficar se menosprezando desse jeito.
-Sabe o que é ver o mundo desabando do seu lado e não saber o que fazer, Gabriela?
-Só que você não pode levar seus pais como duas crianças. Uma hora, eles vão ter que sentar e resolver a situação.
-Eu tenho medo, sabia? Juro que eu tô com muito medo.
-O casamento pode acabar, mas eles não vão te riscar da vida deles, meu amor.
-Disso eu sei. Mas alguma coisa dessa relação se perdeu, e a gente não sabe quando nem por quê.
-E nós dois? Será que a gente tá se perdendo um do outro?
-Por que essa dúvida agora?
-Porque eu quero estar do seu lado, ficar com você. Eu não sou sua namorada pra dividir uma vida só quando a felicidade tá na cara de todo mundo. Quero ser a mulher da sua vida, ser presente na hora do teu sofrimento, da tua dor.
Fábio deixa que um leve sorriso seja direcionado à filha de Ariane.
-Falando no futuro, Gabriela? A troco de quê? Você já é essa mulher. Ou você pensa que eu não te reconheço como o meu porto seguro? O que eu queria agora era poder retribuir todos os dias o amor que você me desperta.
-Ah, Fábio... – Gabriela vê o rapaz abaixando a cabeça, levantando-a subitamente.
-Vamos tentar não trair esse sentimento que a gente tem um pelo outro? Eu prometo que, por mais egoísta que eu seja, eu sempre vou olhar por você e estar junto quando você precisar. Desculpa não entender que é tudo difícil pra você também.
-Tudo bem, amor- beija-lhe- A partir de agora, a gente vai ser assim: mais amigos um do outro do que antes. Vamos pra casa?
-Mas você deixou o táxi ir embora...
-Eu peço outro. Vai ser difícil mesmo conseguir pegar o metrô nessa danação toda de gente, né?- ambos riem, o casal procura um ponto de táxi.

Eduardo traz um copo com água para a mãe.
-Tá mais calma?
-Não. Não consigo ficar- dispensa o copo d’água.
-A Gabriela é namorada do Fábio. Ela sabe onde ele tá, vai encontrar ele num instante.
-Eduardo... Eu não sei por que, mas... Eu estou sentindo um aperto no peito...
-O que é que a senhora tá pressentindo, Mãe?
-Não sei. Mas quando eu tenho isso, não costumo me enganar.

O táxi leva o casal até a casa de Fábio, seguindo pela Avenida Sul naquela noite nublada de fevereiro. O sinal vermelho serve para que Gabriela e o rapaz voltem a conversar brevemente.
-Posso te prometer uma coisa?
-O quê?
-Independente dos meus pais, da briga com a sua mãe... A gente vai ficar junto. Nada vai separar a gente.
-Vai ter que cumprir mesmo essa promessa, hein?- Gabriela brinca, cumprimentando o filho de Caio e Alice com um beijo.
O sinal abre e o taxista segue. Mas outro motorista vem no cruzamento, à toda velocidade, ignorando o sinal fechado e acerta em cheio o lado do veículo em que está a irmã de Eduardo, afastando o automóvel do asfalto. Os ocupantes desfalecem com o impacto.

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