-Você
vai sair da minha sala agora!- Nonato abre a porta do consultório, que é
fechada violentamente por Gabriela, que levanta o tom de voz.
-Só
se eu fosse louca! O único que vai sair daqui é você, porque eu vou te denunciar
pra secretaria de saúde por dar diagnóstico falso!
-E
quem disse que era falso? Quem disse que você não tava grávida mesmo?
-Olha
aqui, você deixa de onda comigo! Eu faço um escândalo aqui e jogo essa porcaria
de carreira que você tem no lixo!
-Eu
só disse pro tal de Fábio que você tinha perdido o bebê que esperava. Seu
namorado ficou preocupado com o seu estado de saúde, eu só quis dizer a
verdade.
-Ah,
é? Então, por que eu não fiquei sabendo disso? Por que essa informação se
tornou exclusiva pro Fábio?
-Vai
ver você não sabia da gestação, ainda estava muito no começo...
-Impressionante
a força que você faz pra mentir, mesmo com a verdade sendo esfregada na tua
cara!
-Eu
não estou mentindo. Já te falei que talvez você não soubesse que tava esperando
um bebê.
-Nunca
estive, Nonato! Só tem duas explicações: ou você se enganou ou contou isso pro
Fábio de caso pensado, e eu só consigo acreditar na segunda alternativa. Fala
por quê!
-Olha
aqui, se você não sair da minha sala agora, eu vou chamar o vigilante!
-Chama
quem você quiser: o exército, a marinha, a aeronáutica! Quem você quiser! Mas
eu vou aproveitar pra chamar a polícia também pelo falso diagnóstico que você
me deu! É isso que você quer?
-O
que você quer de mim?
-Que
você fale a verdade pra mim e pro meu namorado, que tá internado num hospital
pensando que eu traí ele com outro cara! Conta a verdade, Nonato! Por que você
quis me prejudicar pro Fábio?
-O
que eu tinha pra dizer sobre esse assunto, eu já disse. Você que se resolva com
o seu namorado.
-Quer
que as coisas fiquem mais difíceis pra você, Nonato? Pois muito bem. Melhor
você saber que eu não vou dar o braço a torcer.
-E
o que é que você pretende pra que eu diga aquilo que você quer?
-Uma
hora ou outra, eu vou fazer a verdade aparecer.
-A
verdade é a que eu disse, não tem outra.
-Eu
quero ver o laudo!
-Como
é que é?
-Para
de me fazer de idiota e me mostra o laudo. Com certeza, ele tá aqui, né?
-O
laudo não fica comigo. Pacientes antigos têm os laudos mandados pra secretaria
de saúde, e só os médicos podem ter acesso...
-Que
conveniente pro senhor, Doutor Nonato...
-Vai
embora daqui, Gabriela!
-Tudo
bem. Eu já imaginava que você fosse negar a tua canalhice. Só é uma pena que eu
não vou me dar por vencida. Quer dizer, uma pena pra você. Com ou sem a sua
ajuda, eu vou descobrir toda a verdade. E é melhor, pro seu bem, que seja com a
sua ajuda.
-Caso
contrário, você vai fazer o quê? Me matar?
-Vontade
não me falta.
-Eu
não tenho medo de uma adolescente que acha que já é mulher.
-Uma
pessoa que esconde uma traição e uma gravidez já é uma mulher, Nonato. Agora
vamos ver se você tem coragem de enfrentar a mulher que você criou. Babaca!-
Gabriela deixa o consultório, mas esconde-se no estacionamento do hospital.
Nonato fecha a porta e abre a gaveta, de onde tira um cigarro e acende-o,
procurando acalmar-se.
-A
maldita da Bete tá me prejudicando com essa história. Mas não vou deixar barato
mesmo!
Vinícius
volta para a escola e se isola em um canto do pátio na hora do intervalo. Um
dos alunos que frequentam a “boca” criada por Bete, um jovem conhecido como “Muçulmano”,
aproxima-se do modelo.
-Quer
companhia, cara?
-Não,
obrigado.
-A
Bete veio hoje. Por que você não paga um “barato” a ela? Vai te fazer bem.
-Tô
sem vontade. Desde que... Desde que aquilo tudo com a Victória rolou, eu não
consigo mais. Parece que eu travei, entende?
-Saquei.
Melhor você parar com isso mesmo.
-Por
quê?
-Desculpa
aí, “mano”, mas... Tava na cara que você tinha perdido o controle de tudo.
-Um
cara como eu nunca perde o controle. Já devia saber disso.
-Pena
que o Fábio não pensa igual a você... Coitado!
-Fábio?
Rolou o quê com ele, Muçulmano?
-Ficou
sabendo, não? Tá internado por conta de uma overdose!
-Impossível...
O cara conseguia o “bagulho” comigo! E o pai dele descobriu tudo. Como é que
ele teve uma overdose?
-Vai
saber, né? Quem sabe ele não procurou outra pessoa pra fazer o meio de campo?
-Ou
a própria Bete. Só pode ter sido ela.
Joyce
examina Fábio enquanto este adormece. Caio e Alice acompanham o procedimento médico.
-E
como ele está, Doutora?
-Agora
ele não corre mais risco de morte, Alice. O Fábio está a salvo.
-Ah,
graças a Deus!- declara Caio- Já não aguentava mais essa agonia. Pelo menos a
gente já sabe que o Fábio vai ficar bem.
-Por
enquanto, Caio.
-“Por
enquanto” por quê, Doutora?
-Bem,
Alice, vocês sabem que o Fábio teve uma overdose. Nós conseguimos controlar a
saúde dele porque está em abstinência, mas isso não resolve o problema
definitivamente.
-O
que é que a gente pode fazer, então?
-Caio,
o melhor é que o filho de vocês faça um tratamento de reabilitação. O que
precisam fazer, enquanto responsáveis por ele, é internar o Fábio num centro de
apoio psicossocial.
Nonato
deixa o hospital muito tarde e entra em seu carro para ir ao sobrado de Bete.
Mas Gabriela chamou um táxi, que está no estacionamento, e ele segue o veículo
do médico.
-Não
perde ele de vista, moço, por favor.
-Fica
tranquila.
Toca
o celular de Gabriela. O visor mostra que a ligação é feita através do aparelho
de Eduardo.
-Fala,
Edu.
-Sou
eu, Ariane- diz a mãe, acompanhada do filho na clínica onde está a família de
Fábio.
-Oi,
Mãe.
-Onde
é que você se enfiou, minha filha?
-Tô
num táxi, indo atrás do cafajeste.
-Gabriela,
isso é um absurdo. Você tá o dia todo sem dar o seu paradeiro pro Eduardo! Vai
pra casa agora.
-Eu
coloquei o cretino contra a parede. Ele teve a cara de pau de negar tudo.
Miserável... Mas ele não vai fugir de mim, não.
-Gabriela,
vai pra casa. Isso pode ser perigoso, minha filha!
-Só
se for pra ele.
-Você
já cogitou a possibilidade de que o Fábio falou dessa gravidez quando estava se
enchendo de droga?
-O
Fábio nunca ia dizer nada de mim se não tivesse certeza.
-Se
você conhecesse o Fábio tão bem, teria desconfiado do comportamento dele. Olha
bem o que você está fazendo: comprando uma briga com alguém que não tem nada a
ver com o seu problema.
-A
minha intuição diz que é exatamente o contrário.
-Já
a minha está mandando você voltar. Diz o teu endereço pro taxista e volta pra
casa. Agora!
-Eu
não vou voltar enquanto não descobrir o que aquele pilantra tá escondendo.
-Gabriela!
-Não,
Mãe! Eu não vou desistir agora- desliga o celular.
-Gabriela?
Gabriela, me responde; eu estou falando com você! Gabriela!
-O
que foi, Mãe?
-Desligou
na minha cara. Eu não estou gostando nada disso, Eduardo.
-Se
esse médico não tem nada a ver com o que o Fábio falou, se foi mesmo “viagem”
da cabeça dele, ele não vai fazer nada contra ela.
-Pode
ser. Prefiro acreditar que vai ficar tudo bem mesmo.
O
carro de Nonato estaciona em frente à entrada do sobrado. O taxista para, à
larga distância.
-O
que a gente faz agora?
-Espera
pra ver aonde ele vai, moço- ao ver Nonato entra no sobrado, Gabriela tira o
cinto de segurança- Me espera aqui. Se eu não voltar em quinze minutos, você
chama a polícia.
-Que
é isso, menina? Eu não me meto com bandido, não.
-Eu
menos ainda. Daqui, você me leva pra casa; a minha mãe já tá preocupada comigo.
Mas me espera- Gabriela deixa o táxi, correndo para o imóvel. Antes de chegar
até a escadaria do sobrado, a garota se esconde, mas ouve Nonato batendo na
porta insistentemente. Bete o atende.
-O
que foi, hein?- a traficante passa a mão esquerda nos olhos- Eu já tava
dormindo...
-Quem
te conhece sabe que você não dorme cedo. A prova disso é a hora que você
costuma atender teus clientes. Deixa de mentira.
-Até
onde eu sei, ninguém me conhece tão bem. Muito menos você.
-Se
engana, Bete! Eu conheço você muito bem pra saber do que você é capaz.
-Bete?-
Gabriela reconhece a voz da colega de sala.
-Veio
fazer o quê aqui, hein?
-Apenas
te contar que a mentira que você me obrigou a contar me deu uma nova dor de
cabeça.
-O
que aconteceu?
-Depois
do Fábio, foi a vez da Gabriela me procurar pra saber por que eu menti.
-Tá
certo. Agora me fala a parte do que eu tenho a ver com isso.
-Eu
não tô aguentando mais ficar calado, Bete! A culpa do que tá acontecendo é sua!
-E
sua também. Se você tivesse inventado um laudo falso pra culpar a Gabriela, o
Fábio esfregaria o documento na cara dela. Mas não!
-Me
libera desse compromisso e me entrega o vídeo que você fez de nós dois juntos
no hospital! Aquela garota não vai descansar enquanto não ficar sabendo de
tudo, eu vi nos olhos dela.
-Não
quero nem saber. Muito menos agora, que eu sei que mirei num objetivo e acertei
no outro.
-Mas
do que você tá falando?
-Quando
eu mandei que você inventasse uma falsa gravidez pro Fábio, era pra ele pensar
que tinha provocado o aborto do bebê, já que ela só sofreu o acidente por estar
com ele. Mas quando você me contou que ela é virgem, foi genial. Vi que eu
tinha dado a tacada de mestre. Só que agora ele pensa que ela colocou chifre
nele. Não podia ser melhor!
-Por
que você quer tanto acabar com esse cara?
-Desde
quando eu falo que isso não é da sua conta? Ah, é: desde sempre!
-Pouco
me importa isso também. O que eu quero é que você destrua aquele vídeo e faça
aqueles dois se afastarem de mim!
-A
Gabriela eu não tenho como controlar. Já o Fábio não vai te procurar tão cedo,
isso eu tenho certeza.
-Como
é que você sabe disso? Como pode ter tanta certeza?
-Pelo
que eu fiquei sabendo, o Fábio teve uma overdose.
-O
Fábio é drogado também?
-Pois
é, né? Daí, ele exagerou e tá no hospital. Praticamente sem chance de cura.
-Tem
um dedo seu nessa overdose do cara, não é?
-E
eu lá sou mulher de dedo? Tem a mão inteira nisso.
-De
onde você conhece esse cara?
-Do
mesmo lugar que você: das drogas, meu bem. Sem contar que... Esquece. O fato é
que ele não vai se recuperar.
-Por
que diz isso?
-Porque
o idiota não conseguiu esconder por muito tempo que comprava droga. E eu tinha
uma pessoa que ele enviava pra comprar droga comigo. Os pais dele descobriram
que ele é usuário. Pra chegar até mim, Nonato, é um pulo. Por isso que eu quis
me livrar dele. O imbecil do Fábio foi me procurar e me pediu, desesperado, pra
que eu vendesse droga. Disse que só os cigarros que ele comprava não iam ser o
bastante. Foi então que eu dei uma injeção... Ele ficou muito assustado quando
eu coloquei a seringa no braço dele.
-O
que é isso? O que você fez?
-É
pra te acalmar, bobinho. Relaxa.
-O
que foi que você me deu, Bete?
-Tudo
o que você precisa. Daqui a uns minutos, sua agonia vai passar. Fica tranquilo,
que eu cobro baratinho. Você vai ver que eu tô vendendo minha “fuga” pra você a
preço de banana.
-Mentira
que você fez isso com o cara...
-Eu
não fiz nada, Nonato. As drogas que fizeram. Qualquer médico vai mostrar que
ele exagerou, vão achar vestígios no sangue do Fábio. Pra todos os efeitos, o
Fábio tomou a injeção porque não mediu a quantidade certa de entorpecente que queria.
Resumindo: o cara não se controlou, parceiro; fazer o quê, velho? A vida é
louca, “nêgo”...
-Desgraçada!-
Gabriela sobe à escadaria e fica cara a cara com a traficante e o médico.
-Gabriela?
-Eu
mesma, cachorra! Agora você vai dizer na minha cara o que você disse pra ele.
Fala!
Nenhum comentário:
Postar um comentário