16/04/2015

LEVE-ME DAQUI/ CAPÍTULO 16: NO SECO DO DESERTO

-Eu não posso fazer isso, você ficou doida de vez?
-Pensa comigo, Lívia. No momento, você não tem saída. Como é que você vai pagar as despesas com esse bebê? E onde é que você vai morar com ele? Sim, porque quando Dona Heloísa souber, ela te põe pra fora de casa.
-Isso não tem cabimento nenhum, Karen. E depois, com que cara eu vou chegar numa clínica clandestina e pagar pra tirarem o bebê?
-Bom, eu tenho um argumento que vai te fazer mudar de ideia. E eu quero deixar bem claro que me arrependo disso até hoje.
-Se arrepende do quê?
-Logo que eu comecei a namorar o Danilo, eu também fiquei grávida dele.
-Você? Não, não pode ser verdade.
-Imagina só: esperar um bebê do cara que você gosta...
-É, mas comigo não foi assim...
-Comigo foi! E não foi legal ter que ouvir da boca dele que se eu não tirasse, era pra esquecer aquele namoro.
-Não acredito que você cedeu desse jeito, só pra ficar com ele.
-Teve um tempo em que eu me vi perdida, Lívia. Me vi sendo capaz de qualquer coisa pra não perder Danilo. E foi aí que eu falei com uma farmacêutica, que vende produtos de manipulação... Paguei pra ela me fazer um comprimido que...
-Acho que não quero escutar mais nada...
-Tem que me ouvir! Tem que ouvir! Enfim, ela... Ela me deu um frasco de um medicamento chamado LMD. Bastou um comprimido só. Você não imagina o alívio que Danilo sentiu quando eu contei que não tava mais grávida.
-Mas não é possível, Karen. Não é possível que você não sinta uma ponta de remorso, um pouco de culpa.
-Hoje, sim. Muito, inclusive. Foi a maior besteira que eu já fiz na minha vida, Lívia. Só que depois de tudo que te aconteceu, eu fico pensando que talvez tenha sido melhor assim. Eu me arrependeria mais se tivesse deixado esse bebê vir ao mundo. Será que você não entende o mal que Danilo fez pra nós duas? Você quer mesmo carregar durante nove meses o resultado de um abuso sexual, e depois ter que encarar essa criança pro resto da vida? Você vai ficar sozinha, sem condição de conciliar uma faculdade com a gestação, desempregada e sem-teto. Me fala se é isso que você quer!
-Tá bom. Você tem razão. Talvez seja melhor mesmo interromper essa gravidez. Mas esse remédio que você falou, o...
-LDM.
-Isso... Tem algum efeito colateral?
-Não, nenhum. Você só precisa tomar dois comprimidos de uma vez só. Depois de dez dias, eu fiz um exame pra constatar se tinha dado tudo certo. Não existia mais bebê nenhum.
-Tudo bem. E como é que eu faço, então? Eu não tenho dinheiro pra mandar fazer uma coisa dessas, que deve ser cara...
-Eu guardei o frasco comigo... Não sei, não tive coragem de jogar fora... E depois do que eu soube do Danilo, isso tudo me veio à mente de novo. Tem certeza de que quer tomar?- ao perguntar isso, Karen ouve uma risada desacreditada de Lívia.
-Até parece que eu tenho escolha...

-Ela me disse que eu não ia sofrer nada, que não tinha efeito nenhum... Por culpa dessa desgraçada que eu tô aqui, quase morrendo...
-Não. A culpa é sua- Lívia é surpreendida por Juliano, que decide visitá-la e escuta sua voz.
-Por que você voltou?
-Não consigo me esquecer de nada que você me falou.
-Tudo é verdade. Mas agora é que eu tô conseguindo me lembrar de mais coisas. Você tem que me ajudar. Tem que contar pra minha mãe que eu não dormi com ninguém porque eu quis, que eu fui obrigada.
-Sua mãe não vai acreditar em mim. Ninguém acredita.
-Pra quem você contou?
-Pro Toni. Ele até disse que era pra esquecer desse assunto. Desculpa, mas eu não tenho como ajudar você, não.
-Então, deixa eu te contar o que eu acabei de lembrar. Daí, você vê o que faz. Mas não me ignora, por favor. Eu só posso dizer o que eu sei a você.
-O que houve?
-A minha amiga... Quer dizer, a Karen, ela me enganou. Ela me deu um comprimido pra que eu tirasse o filho que eu...

/////

Assim que volta para casa, a primeira providência de Juliano é entrar em seu quarto, no qual está Toni.
-Eu vi Lívia hoje.
-Foi?- desconfia do tom que o irmão usa- E como é que ela tá?
-Nervosa. Pedindo a minha ajuda.
-Ah, não, de novo, não...
-Toni, eu só posso confiar em você. Eu preciso te pedir uma coisa.
-Pedir o quê, Juliano?
-Eu quero que você vá até a casa da amiga dela, a Karen, e pergunte do comprimido que ela deu pra Lívia.
-Não- isso faz com que Juliano bata levemente o pé direito.
-Por favor, Toni.
-Não, eu já falei que não vou- Juliano repete o gesto.
-Vai, sim. E vai comigo.
-Ah, não. Isso já é demais. Você não vai pra canto nenhum!- bate o pé mais uma vez.
-Toni, por favor. Eu tenho que saber a verdade.
-Você ou ela? Juliano, será que você não tá entendendo? Isso é pura imaginação, fantasia, seja lá o que for. Entende que Lívia não está se comunicando com você, que Lívia não pode falar com ninguém, que ela tá praticamente morta!
Juliano perde a paciência e bate repetidas vezes na mesa do computador, até ficar com as mãos machucadas.
-Eu tenho que ir lá! Eu tenho que ir!
-Juliano, para, por favor!
-Eu vou descobrir a verdade!
-Chega!- Toni grita quando percebe que uma das mãos do irmão está sangrando- Não faz mais isso... Pronto, passou. Juliano, por favor, não faz isso de novo.
-Vai atrás da verdade. Lívia pode morrer. Dona Heloísa vai ver a filha morrendo e vai continuar jogando a culpa em cima dela. Entende, Toni. Ela não tá grávida porque ela quer.
-Juliano... Se foi aquilo que você falou, que Lívia teve um trauma, sofreu algum abuso... Quem é o pai desse bebê, então?
-Karen sabe. Karen, a amiga dela, sabe. Foi ela quem deu o comprimido pra Lívia tomar.
-Não é verdade.
-É!- começa a bater na mesa- É verdade, e você tem que provar pra Dona Heloísa!
-Para, não faz mais isso... Tá bom, Juliano. Amanhã, eu vou procurar saber dessa estória.
-Desculpa- olha para as mãos vermelhas- Eu não queria fazer isso.
-Eu sei- Toni se emociona- Mas não faz isso mais, não. Tá?
-Diz pra mim que vai procurar essa moça. Fazer ela falar a verdade.
-Só se você não se machucar de novo.
Os irmãos trocam um abraço e Toni fica cada vez mais acuado com o comportamento de Juliano, que não lhe dá espaço para nãocumprir sua promessa de averiguar o envolvimento de Karen.

/////

Karen volta da academia que fica perto do prédio, felicíssima pelo relacionamento reatado.Toni chega com a sua moto e a alcança antes que ela entre no prédio.
-Karen?
-Sou eu. Quem é você?
-Não lembra de mim, não? Eu sou o cara que você quase atropelou outro dia.
-Ah, sei. Veio pedir o quê? Indenização? Aliás, como foi que você descobriu meu endereço?
-Perguntei pro Pastor Homero.
-U-hum. O DJ chato de galocha que anda pra cima e pra baixo com Homero. Deve ter sido você que levou minha amiga pro hospital. E o que você quer?
-Falar sobre a Lívia.
-Veio me trazer notícias dela?
-Não. Vim pra que você me diga quem é o pai do filho que ela tá esperando.
-Acha que eu sei, por acaso?
-Sabe, sim. Porque além de ser amiga dela, você disse pra Dona Heloísa que ela dormiu com um cara na festa.
-O que esperava? Que eu mentisse?
-Mais do que já mentiu pra mãe dela?
-Peraí, você pensa que tá falando com quem? Como é que você aparece na porta da minha casa, me dizendo essas coisas? Quem te disse que eu menti quando falei que ela dormiu com um cara qualquer na festa?
-Lívia.

A resposta de Toni faz Karen ficar apavorada.

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