05/04/2015

LEVE-ME DAQUI/ CAPÍTULO 5: LÁ NO CÉU

-Que absurdo é esse agora? Por que você tá mentindo pra mim?
-Eu não ia mentir pra você, Karen. Eu não tenho motivo. A verdade é essa: o seu namorado... Ou ex-namorado, sei lá, abusou de mim na noite da festa.
-Quanto foi que o Danilo te pagou pra contar essa estória?
-Nada! A gente não se vê desde aquele dia. É por isso que eu tenho evitado de falar com vocês. Por vergonha do que aconteceu, porque eu não sabia que isso teria consequência, que ia passar... Só que aí, eu... Eu fiz um exame e descobri que eu tô esperando um filho do Danilo.
-O meu Danilo não ia fazer uma coisa dessas...
-E eu? Que você conhece há mais tempo? Por que eu ia querer mentir pra você, Karen? Pra quê?
-Pra me tomar o Danilo. Você pensa que as pessoas não vinham me contar o jeito que você olhava pra ele?
-Em primeiro lugar- Lívia adota uma postura mais agressiva- Eu não preciso tomar aquilo que não é seu. Porque se você flagra Danilo com outra mulher e ainda abre a boca pra dizer que ele é seu, é porque você nem pode ser chamada de mulher!
-Muito menos você, que transa com o namorado da amiga...
-Pelo menos, eu não fico me humilhando, sendo tratada feito cachorro! Em segundo lugar: eu não dormi com ele porque quis, não. Ele me agarrou à força, no meio da rua, deserta! Portanto, lava a sua boca quando for falar de mim, nem fica dando ouvido a esse ninho de cobra que você chama de amigas!
-O que você tá esperando, Lívia? Que eu me comova? Que eu sinta pena de você? Eu sinto é raiva! Ódio! De você e dele! Principalmente de você, porque a sua traição é pior que a dele!
-Parece que eu vou ter desenhar...
-O que parece é que você vai sair da minha casa agora! Meu Deus, como eu fui burra de confiar em você, de contar tudo da minha vida com Danilo pra você... Sabe o que você é?
-Karen, para de falar desse jeito comigo!
-Não se faz de ofendida, não! Por que você não procurou a polícia?
-Porque eu tive medo! Porque eu tive pânico, só de pensar que ele podia cruzar comigo na rua e me estuprar de novo! Eu não tive culpa do que aconteceu! O culpado é ele! Você já pensou na vergonha que vai ser quando Mainha descobrir que eu tô esperando um filho daquele idiota?
-Isso me importa por acaso? Eu quero que você, Danilo, esse bebê... Que vocês se danem! Não precisa vir até aqui fazer número, não! Eu sabia que você podia querer tomar Danilo de mim! Que você não passa de uma piranha...
Lívia perde a paciência e dá uma bofetada em Karen.
-Nunca mais você vai falar desse jeito comigo, ouviu? Não foi você que teve que passar três meses calada, com medo, pensando que qualquer um pode atacar você, te bater, te abusar, como o cachorro do seu namorado fez! Sabe o que é pior, Karen? É ver que você, mesmo ouvindo tudo isso de mim, continua gostando dele! Vocês se merecem! Bando de lixo!
-Tá esperando o quê pra sair daqui?
-Você, se tratar!- grita- O que aquele miserável me fez eu não desejo pra mulher nenhuma. Nem pra você- Lívia sai do apartamento, batendo a porta. Karen anda até a janela, põe as mãos sobre a cabeça e chora, sentindo-se (incompreensivelmente) traída.

/////

Esperando pelo pedido numa lanchonete que fica no shopping, Danilo está sozinho numa mesa. Por enquanto, até chegar Patrícia, que senta em frente ao filho.
-Fazendo o quê aqui, mãe?
-Duas coisas. A primeira foi ter ido à loja de uma amiga comprar uma pulseira. A segunda é abrir os seus olhos.
-Como assim?
-Por que você não volta pra faculdade de uma vez, Danilo?
-Tranquei o curso de engenharia, lembra?
-Sim, porque você disse que não sabia ao certo o que queria da vida... Mas até quando acha que Rafael vai ter paciência com você?
-Me sustentar, você quer dizer?
-É! Primeiro, você larga uma faculdade que, claramente, empurrava com a barriga. Depois, fica vadiando por aí, planejando rolezinhos, jogando boliche, torrando o dinheiro que seu pai dá... E também o namoro com Karen, que não sai do lugar.
-Lógico que não sai. Faz três meses que a gente não se vê.
-Esse tempo pode fazer parte de uma briga, como inúmeras outras que vocês dois vivem tendo. Mas só que está durando demais. E a nossa paciência, Danilo, tá acabando.
-A sua também?
-Meu filho, eu sei que você é jovem, que quer curtir sua vida, mas eu não preciso te poupar de duas realidades: seu pai não dura pra sempre e a vida mansa que ele te dá tem prazo de validade. Todo dia agora nós discutimos por conta das suas atitudes, como se você fosse uma criança que vive recebendo advertências. Eu tento aliviar sua situação, mas tá insustentável.
-Sim, mas o que você quer que eu faça? Que eu bajule o Dr. Rafael, venerado por todo mundo?
-Puxar o saco dele não é a solução. Mas tente impressioná-lo, faça-o pensar que você vai tomar jeito. Esse relacionamento ioiô com Karen, por exemplo... Por que você não fica noivo dela? Vocês já estão juntos há um tempo...
-Porque eu não sou suicida.
-Querido, pensa: ela ainda é sustentada pelos pais, mas tem um apartamento, consegue morar sozinha, não se envolve em confusão e está prestes a receber um diploma. Karen já foi mais do que aprovada por Rafael, ele faz gosto que essa relação se sustente. Procure essa moça, e reate o relacionamento.
-Acontece que a gente demorou muito tempo pra se tocar de que mais diferentes que a gente, impossível!
-Bobagem! Quando vocês conviverem de vez, essa impressão ruim passa. Ela já demonstrou inúmeras vezes que realmente gosta de você. E o romance só não subiu no telhado há muito mais tempo porque ela é insistente.
-Mãe, aterrissa. Eu não volto pra Karen depois do escândalo que ela fez, depois da vergonha que eu passei por conta dela.
-Então, você aproveite bem o lanche que acabou de pedir. Pode ser uma das últimas coisas que o seu pai te paga. Eu só vou te avisar uma coisa, Danilo: quando seu pai te colocar pra fora de casa, não vai ter palavra doce que o convença a mudar de ideia. Melhor se acertar com essa menina, e parar de trazer tanto problema pra dentro de casa- pega a bolsa e sai da mesa, deixando o filho pensativo.

/////

Perto das treze horas, os pedreiros de um edifício na Avenida Boa Viagem param para o almoço. A vista é muito chamativa para Juliano, que decide descer do prédio e contemplar a praia de perto, mesmo com aquele céu nublado. Sai sem avisar ao pai.
Juliano se senta na areia, bem perto da calçada. Olha para o mar, e se anima com o som das ondas batendo. Sente-se feliz com aquela ação tão simples, mesmo aquele cenário sendo ameaçado por nuvens. Aliás, até olhar para aquele céu ameaçador era alívio para o costumeiro olhar desviado do rapaz. Nada, porém, seria tão ameaçador do que Karen chorando ao caminhar, transtornada pela conversa que teve com Lívia. Mais chocante do que o crime praticado por Danilo era, para a estudante, a gravidez da amiga.
-Ela não pode ter esse filho. Não pode. Não pode ter esse filho. Lívia não pode. Não pode.
As orações se repetiam internamente ao ponto de Karen falar isso mais vezes, e em voz alta. A moça parou quando Juliano- sentado e de costas- virou-se para entender o que tanto ela queria dizer em meio à sua tormenta.

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