02/04/2015

LEVE-ME DAQUI/ CAPÍTULO 2: NÃO SEI AONDE IR

-Tá ficando doida? O sinal tá fechado! Não tá vendo, não?- grita Toni, chamando atenção dos transeuntes.
-E você não viu meu carro, não? Hein? Sai da frente, que eu quero passar!
-Vê se da próxima vez, não compra a carteira de motorista, viu?
-Ah, vai à...
-Karen, por favor! Vamos sair daqui logo?
-Tá bem. Não vou dar trela pra esse daí, não!- acelera o carro.
Iolanda liga para o celular do filho mais velho.
-Toni, meu filho, você já tá perto de chegar?
-Daqui a uns quinze minutos.
-O que foi que houve? Tua voz tá tão... Aconteceu alguma coisa?
-Um livramento, mãe. Quando eu chegar em casa, a gente conversa. Beijo.
No carro, Lívia continua ainda irritada.
-Você quer fazer o favor de abaixar essa velocidade antes de bater no poste que tiver mais perto?
-Lívia, a gente tá atrasada, eu não sei se você percebeu...
-Eu só sei que eu vou saltar desse carro, pegar um táxi e chegar à festa sozinha. Quase matasse aquele cara!
-Você tá defendendo ele? Um cara que você nunca viu na vida?
-Vi, sim. É meu vizinho.
-Conhece ele?
-Sabe aquele menino esquisito, que tava chegando quando a gente saiu?
-Sim, o que é que tem ele?
-É irmão desse cara, de agora. Que você jogou o carro em cima.
-Também não é pra tanto.
-Karen, eu te avisei que era pra você prestar atenção na direção, e deixar o Danilo pra depois.
-Sabe que eu acho curioso?
-O que tem de tão curioso nele ser irmão daquele menino?
-Você, que é metida a certinha, ou melhor dizendo, politicamente correta, e ainda por cima estudante de jornalismo, chamar o próprio vizinho autista de “esquisito”.
-São evidências, né, Karen? Querendo ou não, ele é esquisito. Deus me livre de ter um filho assim.
-Do jeito que você é exigente, o mais difícil vai ser você arrumar um pai pro seu filho.
-Tudo bem... Agora, será que dá pra botar, só um pouquinho, o pé no freio?

/////

Com uma leve dor de cabeça, Heloísa segue um pouco sonolenta, mas vai até a cozinha e enche um copo com água. Em seguida, volta para a sala, abre a porta da estante, onde encontra um anti-inflamatório. Bebe-o, deixando o copo sobre uma mesa e vai para o apertado quarto onde costuma dormir.
Desocupa a cama e, antes de forrá-la, sente que algo está para acontecer.
-Que minha filha chegue em casa. Tudo na paz, como sempre- fala sozinha, com medo de seus próprios receios.

/////

Assim que Karen estaciona o carro, ela e Lívia entram na casa de Isabela. Entregam a senha aos seguranças, e cumprimentam algumas pessoas. Um garçom oferece bebida às moças.
-Com licença. Aceitam?
-Não, obrigada- responde Lívia.
-Me dá aqui- Karen pega um copo e dá para a amiga segurar, enquanto toma outro- Obrigada.
-Karen, eu disse que não ia beber.
-Não é pra você. É pra quando acabar o meu copo.
-Você quer parar com isso? Parece que tá descontrolada.
-Viu só? Nós entramos, falamos com um monte de gente, perguntamos da Isabela, e nada! Nada de saberem onde ela se enfiou. Pelo tanto que a gente se atrasou, era pro Danilo estar aqui também, não é?
-Ah, não... Você não tá achando que...
-Eu? Não! Por enquanto, não!- bebe o copo e o põe na bandeja de outro garçom, que passa próximo a ela- Se eu não tô vendo nada, não tenho como acusar ninguém. Mas isso não impede de continuar procurando Danilo, procurando Isabela... Quem sabe eu não encontro os dois juntos?
-Pelo amor de Deus, já basta o susto de você quase ter atropelado aquele menino quando tava falando com Danilo pelo celular...
-Tava tentando, minha querida! Tentando! Naquela hora, pelo menos, o celular dele tava ligado- toma das mãos de Lívia o copo- Agora, ele não me atende. Certeza que esse “sumiço coletivo” não pode ser por acaso!
-Para de beber desse jeito! Pra que você fez Isabela me dar um convite? Pra eu ser testemunha do seu escândalo?
-E você, para de me dar bronca! Se eu tiver fazendo vergonha, você se afasta, dança com alguém, descola uma carona pra voltar pra casa, que seja!
-Obrigado, Karen. A noite mal começou e você já conseguiu torná-la insuportável!
-Vai ficar pior se tiver acontecendo o que eu tô pensando. E você vem comigo-puxa-lhe pelo braço.
-Você tá me levando pra onde, doida?
-Pro quarto, seria muito óbvio. No jardim, seria mancada demais. O banheiro daqui deve estar lotado. Onde você acha que eles estão?
-Karen, para! Já tá passando dos limites essa sua cena ridícula! Para de bancar a idiota por causa de Danilo! Se você não confia nele, vamos embora daqui!
-Nem morta! Não até encontrar aquele cafajeste! Se você tivesse visto o jeito que ele olhou pra Isabela, aquela...
-Chega disso, Karen! Vamos embora daqui, tá todo mundo te olhando.
-O que me importa? A despensa...
-Despensa?
-Claro, ninguém vai atrapalhar eles lá. Os garçons vão servir as bebidas, ela bem deu ordens de ninguém comentar nada...
-Não, você não tá pensando em...
-Quer apostar que não, Lívia?- corre até a despensa, quase sendo impedida pela amiga, até que encontra Danilo e Isabela num canto, aos beijos, distantes dos garçons que arrumam mais bandejas.
-Danilo!- Isabela abre os olhos e se assusta com as moças olhando.
-Karen? Eu posso explicar... – tenta se justificar, bastante embriagado.
-Canalha! Eu sabia que você tava se esfregando nessa daí, nessa vagabunda!
-Peraí, vê lá como você fala comigo, mosca morta! Você tá na minha casa, não é naquele seu apartamentinho, não! Agora, se você não é mulher suficiente pra segurar seu namorado... – Isabela é surpreendida quando Karen joga a bebida em seu rosto, molhando também o vestido que ela usa- Você endoidou de vez? Estragou a minha roupa, sua retardada!
-Sorte a sua de eu não estragar sua cara, vagabunda! Agora vai curtir sua festa, vai! Lá fora tá cheio de homem esperando a atração principal: mulher fácil, sem vergonha!
-Escuta, Karen... Vamos conversar, sem escândalo...
-Sem escândalo, Danilo. Mas conversa com você... Nenhuma! Vamos, Lívia.
-Não, meu amor! Não me deixa aqui, fala comigo!
-Cala essa boca, desgraçado!- Karen empurra Danilo contra um balcão.
-Karen, me espera! Karen!
Lívia fica na despensa, olhando pra Isabela.
-O que é? Nunca me viu, não?
-Desmoralizada desse jeito, não.
-Você se acha por ser amiga de uma menina rica, cheia de condições, pensando que vai subir na vida se apoiando na amiga milionária, não é?
-Eu não faço amizade por interesse. Mesmo porque não me interessaria ficar próxima de gente sem caráter feito você.
-Como se você achasse que a Karen tem algum.
-O que você quer dizer? Tá insinuando o quê?
-Não vai demorar nada pra Karen também achar que você tá de olho no namorado dela!
-Só que eu não corro o risco de ser pega aos beijos com ele. Quanto a isso, você pode ficar sossegada.
-Acho melhor você ir atrás da sua amiguinha, aquela louca.
-Tem razão. Aproveita a festa, Isabela. Se conseguir!
-Some daqui! Você e aquela idiota vão me pagar! Some daqui!
-Com gosto, Isabela. Dá licença.

/////

Karen já está na rua, indo em direção ao seu carro. Cambaleante, Danilo segue a namorada, na tentativa de se explicar. Ele a alcança, segurando-a pelos braços.
-Você vai me escutar!
-Não bastasse sua cara de pau de vir atrás de mim, eu ainda tenho que aguentar esse bafo imundo de bebida?
-Escuta! Você não me deu escolha!
-Não seja por isso, Danilo! Você volta pra lá e se esfrega com a primeira vagabunda que encontrar! Aliás, você tava de olho nela há muito tempo, que eu vi!
-Para com isso! É com você que eu tô, a gente namora, sempre se deu bem! E você conhece meu jeito, sabe que eu não consigo me controlar! Eu sou homem, Karen!
-Você é um sem-vergonha! Nunca mais chega perto de mim!
-Como você se dá importância, não é?
-Não fala desse jeito comigo!
-Sempre se acha a mais bonita... Como se eu nunca fosse olhar pra ninguém, achar outra menina... Ninguém é insubstituível. Você, principalmente!
-É bom você se lembrar de cada palavra que tá me dizendo... Porque eu vou fazer você se arrepender de tudo isso!
-Por que é que a gente tem que ser fiel, hein? Eu gosto de você... Só não preciso ser fiel o tempo todo. Volta pra festa comigo, pede desculpa pelo escândalo...
-Me solta, Danilo!
-Deixa de ser trouxa e aceita que eu durmo com quem eu quiser, à hora que eu quiser... E que você não é mulher pra me mudar!
-Cala a boca! Você é muito diferente do seu pai mesmo... Ele, sim, tem dignidade, vergonha! O Dr. Rafael, sim, é um homem! Não um moleque feito você! E eu só quero ver o que ele vai dizer quando eu contar o que você fez comigo hoje! Ele te põe pra fora de casa, isso se não fizer você reatar comigo!
-Se eu quiser! Ele não manda em mim!
-Vamos ver se não! Mas eu te digo uma coisa, Danilo: eu vou acabar com você! E sobre eu ter acabado com a festa daquela imbecil, é só o começo! Bem que me disseram que você não vale nada... Sai da minha frente!- a jovem conduz o veículo, esquecendo-se de Lívia, que corre para voltar a sua casa com ela.
-Karen! Volta aqui! Pra onde é que você vai? Karen!
-Feliz? Você conseguiu, Lívia!
-Do que você tá falando?
-Tanto fez a cabeça dela que ela terminou comigo.
-O que ela viu lá dentro foi suficiente!
-Não. Você ficou em cima, dizendo pra ela não continuar comigo! Pensa que eu não sei?
-Você não sabe o que tá dizendo! Mal se aguenta em pé!
-Sei, sim! E sei também por que fez isso. Gosta de mim! Pensa que eu não reparei você me olhando, sempre que ela não tava por perto?
-Nem que você fosse o último homem do mundo! Aliás, eu sinto muito, mas pela Karen, por gostar de um babaca feito você!
-Aproveita a chance, Lívia!- aproxima-se da estudante- Só tem a gente aqui. A rua tá deserta, a festa tá rolando do outro lado... Ninguém vai saber do que houve com a gente.
-Pra começar, sai de perto de mim.
-Por quê? Você não gosta?
-Danilo, você tá me apertando, sai de perto de mim agora!
-Não vou parar! Você acabou com o meu namoro porque sempre me quis! Mas hoje você vai saber o que é ter um homem de verdade!
-Me larga! Você tá ficando... – o rapaz a joga contra a porta do seu próprio carro- O que é isso?  Me solta!
-O que é? Vai negar que quer agora?
-O que você tá fazendo, seu estúpido? Me solta! Socorro!
-Ninguém vai te ouvir, sua idiota!
-Socorro! Alguém me ajuda!- Lívia é surpreendida quando Danilo a agride, deixando-lhe quase inconsciente, e a levando para dentro de seu carro. O rapaz não fecha a porta, e coloca sua mão sobre a boca desta, ao passo que levanta parte de seu vestido. A estudante tenta se defender o quanto pode, mas é impedida pela força do namorado da amiga, que a deixou para trás.
São onze e quinze da noite, e a rua contém a maior quantidade de carros estacionados pelos convidados da festa. O som aumenta novamente quando Isabela, disposta a continuar a comemoração, põe uma nova roupa. Os gritos de pavor dados por Lívia são abafados pela música, que vem da rua de trás, onde fica a mansão da moça.

Em frente ao automóvel de Danilo, um edifício chamado Moreira Coutinho, dedicado ao ramo empresarial. Em sua entrada, uma discreta câmera...

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