05/11/2014

MENTES/ CAPÍTULO 18: RESPOSTAS QUE EU NEM SEI ONDE ENCONTRAR



Após descer da caminhonete, o padre fecha a porta do veículo e se aproxima de Bruno, ainda caído no chão.
-Fala comigo, moço! Você está bem?- toca no rapaz.
-Me tira daqui. Eles querem me pegar...
-Eles quem?
-Me tira daqui... Se vierem atrás de mim, eu não vou ver mais a minha mulher.
-Você está ferido... Eu vou te levar pro hospital.
-Não! Hospital, não! Eles não vão me deixar sair! Por favor, moço! Me tira daqui.
-Tudo bem. Vou levar você pra minha casa... Consegue andar?
-Acho que sim.
-Então, vem comigo. Me ilumine pra quer eu esteja fazendo a coisa certa, Senhor- Felipe faz com que Bruno se apoie nele.
O arqueólogo, mesmo mancando na perna direita, consegue chegar com Felipe até a caminhonete.
-Onde é a sua casa?
-Igreja Alagoana da caridade. Já estamos perto de lá.
-Igreja? Não poderia ir pra lugar melhor- ironiza, sem que o padre perceba.

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Iago está tomando um café na casa de Valentina e Leandro.
-Quer dizer que ele foi parar no hospital de doido mesmo?- Valentina age com naturalidade.
-De fato, o boletim médico disse que o que ele teve foi um surto. Isso é tratável, mas vai depender da evolução do quadro clínico dele.
-Isso pode demorar, então?
-Pode, Leandro, mas ainda que seja rápido, Bruno estará sob custódia. Se ele se recuperar, não vai deixar de prestar contas à Justiça por tentativa de homicídio e porte ilegal de arma.
-Sorte daquele desgraçado, que não vai pagar pela morte da minha irmã. A pena ia ser maior.
-Amor, a gente tem que pensar que, de um jeito ou de outro, esse cara “tá” começando a pagar pelo que fez aos outros.
-Pensei que você acreditasse na inocência dele, Leandro- Iago se surpreende.
-A gente tem que dar o benefício da dúvida pra todos. Mas depois desse escândalo todo, dessas mortes acontecendo... Não, ele tem que se entender com a Justiça.
-Um homem daquele não pode ter “só” isso pra esconder. Pra mim, tem mais poeira debaixo do tapete...
-Você não vai mais se envolver nisso, me prometa.
-Mas, Leandro...
-Já não viu o que ele fez, batendo na sua cara? Se você ficasse mais um minuto naquele quarto... Eu não quero nem imaginar o que ele ia fazer, aquele desgraçado...
O celular de Iago começa a tocar.
-Só um minuto, gente. Alô? Fala, Novaes. O que foi?- levanta-se da poltrona vagarosamente- Não pode ser! Você tem certeza? Tudo bem, eu já estou indo pra clínica. Vá pra lá também. Obrigado.
-Que cara é essa, Iago?
-O que houve?
-Bruno ameaçou uma enfermeira com uma faca e conseguiu fugir da Clínica San Pillar.
-Aquele assassino escapou?
-Escapou, Valentina. Pelo menos, foi essa a informação que o Novaes me deu.
-Infeliz!
-Tem certeza disso, Iago?
-Absoluta! Eu vou averiguar isso na clínica agora mesmo.
-Eu vou com você.
-Não, Leandro, é melhor você ficar.
-Iago, até agora eu me mantive afastado de tudo isso, mas agora eu vou. O cara que fugiu do sanatório pode ter matado a minha cunhada!
-É pela sua mulher que eu peço que você fique. Imagina se o Bruno vem pra cá, pra tentar se vingar da Valentina por ela ter prestado queixa, peitado ele? Fique aqui pra protegê-la, eu prometo que mandarei notícias- guarda o celular no bolso e sai rumo à clínica.
-Ele não pode ficar solto, Leandro! Alguém tem que dar um jeito naquele homem!
-Calma, meu amor. Vai ficar tudo bem. Fica calma... – Leandro conforta a mulher com um abraço, mas ela continua irada com o ocorrido.

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A Igreja Alagoana da Caridade recebe o procurado Bruno Reinchenbach, que é posto na cama do padre Felipe Verdelho. O senhor de cabelos grisalhos arruma o travesseiro, e olha para a testa do rapaz.
-Vou dar um jeito nesse ferimento.
-Tem certeza de que ninguém nos viu juntos na estrada?
-Não. Era pra não ter visto?- Bruno fica calado, apenas demonstrando estar com muita dor- Eu vou pegar o curativo e um pano úmido.
-Eu não posso ficar aqui. Tenho que procurar a minha mulher, e pedir desculpas.
-Moço, não tem condições de sair. Machucou a cabeça e a perna, como vai voltar pra casa? Onde mora?
-Apipucos.
-Onde é isso?
-Espera... Pra onde você me trouxe?
-Pra minha igreja, a Alagoana da Caridade.
-Alagoana? Eu não podia ter vindo pra cá... O que o senhor “tava” fazendo lá, onde me encontrou?
-Fui buscar uns donativos que a Arquidiocese de Olinda e Recife ofereceu à minha igreja. Tive até que cancelar a missa da noite. E você? O que “tava” fazendo na estrada àquela hora?- vai até a pia e prepara uma vasilha com água.
-“Tava” tentando voltar pra casa.
-A pé? Naquela escuridão?
-Tinham me internado.
-Já estava assim quando eu te encontrei?
-Padre, o senhor faz muitas perguntas.
-Bom, você está no lugar onde eu resido. Acho que é meu direito.
-Não seja por isso. Eu posso ir embora agora- tenta se levantar da cama.
-Fique aí. Você não está se sentindo bem... – toca na testa de Bruno, ao deitá-lo na cama novamente- Meu Pai... Você está ardendo em febre.
-Daqui a pouco passa. Me deixa ir pra casa, Padre. Eu preciso falar com a minha mulher.
-Você irá quando estiver completamente recuperado. Até lá, permanecerá em repouso.
-Mas, Padre... É importante.
-Liga do meu telefone, então. Mas você não está em condições de sair por aí, ainda mais voltar pra sua cidade.

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Nos corredores da mansão, William encontra Noêmia, que escuta o telefone tocar.
-Noêmia, você viu meu pai?
-Não está no escritório, William?
-Já bati lá, mas nem sinal.
-Que estranho, eu o vi agora há pouco lá dentro- o telefone continua tocando- Ah, as empregadas continuam relapsas... Eu vou ver quem é. Mas veja se não está no quarto dele, meu querido.
-“Tá”, valeu.
O adolescente encontra a porta entreaberta e bate nela. Não há sinal de que Plínio esteja no quarto. Logo pensa em sair, mas lembra da madrugada em que leu trechos do diário de Letícia. Rapidamente, se aproxima da estante pessoal do pai, abrindo a terceira gaveta. William olha para os dois lados, presta atenção se os passos de alguém se aproximam. Tudo tranquilo. Abre mais uma página, agora distante da que leu naquele dia, o mesmo em que Bruno esperava pra ser liberado do depoimento sobre a morte do Abílio.
-Não demorou muito para que nós assumíssemos uma relação após a morte da esposa dele. Cheguei a advertir de que era muito cedo, que ele deveria respeitar a dor do filho, que precisava manter as aparências, pois seria um choque muito forte pra todos. Plínio se negava veementemente a aceitar o meu conselho. Pensava em mim, e mais nada. Ficou como uma criança quando, dois meses depois, anunciei que esperava um bebê. Um fruto do amor que sentíamos. William foi muito paparicado, mimado por nós dois. Tentei me aproximar de Bruno, mas ele era um adolescente irredutível. Aliás, continua sendo. Não aceita nenhum gesto de carinho da minha parte. Com o pai, acha que é culpa.
Dando conta de três pessoas na casa, entretanto, passei a perceber que me tornei justamente aquilo que era Helena, a primeira mulher de Plínio: uma dona-de-casa, prendada, e que estaria acostumada sempre aos desmandos do marido...
A leitura é interrompida por Plínio, que tira o diário das mãos do filho caçula.
-Posso saber o que está fazendo?
-Só “tava” lendo o diário da minha mãe.
-Não mais. É meu. Passou a me pertencer depois que ela faleceu.
-Por que o senhor não me deixa ler? O que tem nele que eu não posso ver?
-São particularidades de sua mãe, coisas que ela não gostaria de dividir com ninguém. Será que pode respeitar isso?
-Calma, pai, não precisa falar assim.
-Então, prometa por tudo que for mais sagrado que vai me obedecer e não abrir mais esse diário.
-Me explica, pai...
-Prometa de uma vez por todas, William.
-Tudo bem, eu prometo.
-Agora vá tomar o seu remédio. Mesmo tendo tirado o gesso, o médico disse que você precisa do anti-inflamatório.
-Licença- diz, contrariado.
Fechando a porta de seu quarto, Plínio põe a mão sobre o molho de chaves que está sobre a estante e guarda o diário de Letícia, trancando-o e guardando o molho no bolso.
-O que será que ele pode ter lido? Não quero nem imaginar...
-Doutor! Doutor!- Noêmia insiste em bater na porta.
-Já vou! O que houve agora, Noêmia?
-Ligaram da Clínica San Pillar.
-O Bruno piorou?
-Ele fugiu.
-Mas pra onde ele pode ter ido?

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Já é a madrugada do dia seguinte. O estado febril de Bruno não cede, mesmo com os cuidados do Padre Felipe.
-O que vou fazer? Já tentei normalizar sua temperatura de todo jeito! Essa febre não cessa!
-Me tira daqui! Eu tenho que sair!
-Você não está em condições, meu filho. Sua saúde está muito debilitada, mas você não me deixa chamar um médico.
-Não vou pro hospital! Quero ver... A minha mulher... E procurar... A polícia.
-Polícia? Como assim, do que está falando?
-Estão pensando que eu... Matei o Abílio... Mas eu não fui... Foi a irmã da Virna... Ela armou uma emboscada pra mim... Pra me incriminar... Dizer que eu sou o culpado...
-Meu filho... Você está sendo procurado pela polícia?
-Não me deixa sozinho, Padre... Todos querem me prender, me colocar na cadeia. Prometa que não vai deixar acontecer isso comigo... Me prometa!- Bruno segura, tremendo, a mão do padre, que não sabe o que responder ao arqueólogo.

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