10/11/2014

MENTES/ CAPÍTULO 21: A PESSOA REFLETIDA NO ESPELHO DOS SEUS OLHOS

Leandro e Iago chegam à porta da casa de Valentina. Diversos vizinhos, aflitos com o incêndio, veem o marido da dona de casa e avisam, entre si, sobre a sua chegada. O rapaz vê que a porta da frente está trancada.
-Liga pro 193, Iago!- pede Leandro, enquanto tira a chave.
-Não sei o que é! “Tá” sem sinal, Leandro!
-Droga! Eu vou ter que resolver isso- destranca a porta.
-O que você vai fazer? É muito arriscado, você pode morrer lá dentro!
-Antes eu do que a minha mulher!- entra na casa.
-Leandro, espera!- Iago tenta impedir o amigo, mas Leandro sobe às escadas.
-Socorro! Socorro!- a voz de Valentina vai ficando ofegante com o acúmulo de fumaça.
-Valentina! Valentina! Você “tá” aí?- Leandro se aproxima das chamas do corredor!
-Leandro, me ajuda! Me trancaram no quarto! Socorro!
Rapidamente, o delegado tira o paletó e segura com ele a chave do quarto do casal. Iago tenta chamar o Corpo de Bombeiros novamente. Ao entrar, Leandro encontra Valentina caída no chão, e tossindo devido à inalação da fumaça.
-Meu amor, vem comigo! Vem rápido!
-Foi ele, Leandro! Ele quis acabar comigo...
-Calma, a gente tem que sair daqui! Confia em mim!- Valentina segura no pescoço do marido e ambos descem às escadas correndo. Algumas pessoas que moram nos arredores tentam apagar o fogo jogando baldes com água, enquanto os bombeiros não chegam. Leandro a leva até a calçada, onde está Iago, com o celular em mãos.
-Você “tá” bem? “Tá” tudo bem com você?
-Foi ele, Iago! Eu tenho certeza!
-O Bruno?
-Ele sabe que ninguém ia procurar ele aqui. Veio pra acabar comigo, porque eu denunciei ele pela morte da Virna! Só pode ter sido ele. Eu quero ir pra delegacia agora, vou prestar outra queixa contra esse assassino desgraçado! Já não basta o que ele fez com a mulher e o filho dele, além da minha irmã?
-Primeiro, você tem que ir ao hospital. Tem que ser atendida por um médico...
-Eu não quero saber de médico, Leandro! Daqui a pouco, esse miserável aparece de novo, e sabe lá o que ele vai fazer!
-Leandro “tá” certo, Valentina. Deixa um médico te examinar, e depois você nos procura pra formalizar a queixa. Isso vai fazer com que a mídia toda fique alerta pra achar o Bruno. Mas você tem que ser examinada antes.
-Tudo bem. Me leva pro hospital, Leandro- diz em meio a acesso de tosse, decepcionada por não ir imediatamente à delegacia.

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No escritório da mansão, Noêmia serve um copo de suco para Plínio.
-E o William?
-Jogando videogame.
-Não comentou nada sobre a mãe dele?
-Por quê? Voltou a mexer no diário?
-Sim. No dia que Bruno fugiu, ele tentou lê-lo. Por sorte, eu o peguei a tempo de não ver o que não devia.
-Me desculpe, patrão, mas... Por que o senhor não se desfaz desse diário? Não acrescenta em nada, e ainda pode causar uma briga entre vocês- Plínio tenta levantar o copo, mas não consegue.
-Apesar da forma como terminou o nosso casamento, Letícia não deixou de ser a mulher que eu mais amei na vida.
-Mas o senhor não pode deixar que isso se reflita na forma como trata os seus filhos. Não pode amar o William desprezando o Bruno.
-Depois das falhas tentativas de aproximação, eu acho até bom Bruno e eu não sermos tão próximos. Fico em pânico só de me lembrar das coisas que ele fez. Se não fez, não deixa de ser capaz de fazer- Plínio levanta o copo com muita dificuldade, para o espanto de Noêmia.
Em seguida, o arqueólogo deixa o copo cair.
-Eu vou trazer outro.
-Sim, por favor.
-Não é a primeira vez que isso acontece.
-Pois é. Venho sentindo essa dormência nos músculos. Às vezes, parece que minha energia paralisa.
-Noutro dia, foi uma tontura. Quase não saiu pra trabalhar.
-Uma indisposição, nada mais. Não é motivo pra colocar meu nome no obituário- ironiza.
-Quando é que o senhor vai procurar um médico? Pra marcar uma consulta?
-Desde quando homem procura médico pra se consultar, Noêmia?
-Tudo bem. O senhor é quem sabe.
-Nenhuma palavra disso com ninguém. Eu não quero preocupar o William, ainda mais agora com esse problema do irmão dele.
-Está bem, doutor. Vou pedir à empregada pra preparar outro suco... E limpar essa sujeira. Com licença.
Plínio fica apreensivo com o que acaba de ocorrer.
-O que será que eu tenho?

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No dia seguinte, o padre Felipe Verdelho compra uma edição da “Gazeta de Alagoas”. Para pra lê-lo ainda na banca, quando se depara com uma notícia, ao fim da primeira página.
-Incêndio relacionado a Reinchenbach: testemunha de acusação do assassinato de Virna Viana é vítima de um incêndio em sua casa, ontem pela manhã. Bruno Reinchenbach, ainda foragido da justiça, foi apontado como suspeito do crime.
-Bruno? Ontem pela manhã? Então, quer dizer que ele estava certo? Alguém está tentando incriminá-lo...

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Poucos minutos depois, Bruno está saindo da igreja. Felipe o encontra em pé.
-O que pensa que está fazendo?
-Depois de tudo o que eu falei, não tem sentido eu continuar hospedado aqui.
-Você ainda não está se sentindo bem...
-Putz... O que isso te interessa, padreco? Não é você que ficou chocado com tudo o que eu contei? Pouco importa se eu “tô” bem ou não. Aqui, eu não posso ficar mais.
-Então, é melhor você dar uma olhada nisso. Olha. No fim da página.
-Incêndio relacionado a Reinchenbach: testemunha de acusação do assassinato de Virna Viana é vítima de um incêndio em sua casa, ontem pela manhã. Bruno Reinchenbach, ainda foragido da justiça, foi apontado como suspeito do crime.
-Eu não “tô” acreditando nisso...
-Ontem, você estava sob meus cuidados, debilitado, ardendo em febre e, hoje você é suspeito de ter tentado matar essa tal de Valentina num incêndio.
-Mentira dessa infeliz!
-Modere suas palavras, você está numa casa sagrada! Eu sei que é mentira, mas ninguém mais sabe além de mim.
-Tudo bem, desculpe. O que eu faço, então? Aqui, eu não posso ficar, e também não posso procurar minha mulher porque seria detido.
-Quem disse que não pode ficar? Eu, muitas vezes, pedi um sinal que me mostrasse se deveria manter você aqui. Está na sua mão- aponta para o jornal.
-Padre, tem certeza do que “tá” fazendo?
-Você vai ficar aqui o tempo que precisar. Até conseguir provar a sua inocência, ficará sobre a minha proteção.
-Pra ser sincero... Eu não tenho como agradecer... É a primeira vez que alguém tenta me ajudar.
-É comum ao ser humano se sentir suficiente. O seu caso, meu querido. Mas eu vou mantê-lo aqui até que as coisas se esclareçam. Só não volte agora. Sinto que essa estória do incêndio é uma armadilha pra te pegar.
-Claro que foi! Da Valentina! Assim como ela fez com o Abílio... E...
-E o quê?
-A minha mulher caiu da escada porque eu disparei... Através de um revólver que estava na sala da minha casa. Jogado no sofá...
-O revólver do bandido.
-Não, ele estava com outro. Como aquela arma foi parar lá?
-Outra armação, com certeza.
-Isso quer dizer que eu não sou o culpado pela morte do meu filho.
-Se você não tinha porte, a polícia não vai querer saber de quem era a arma. O delito continua sendo seu.
-Mas tem algo por trás disso também. Como essa cilada do incêndio.
-Só espero que você não faça eu me arrepender de te abrigar aqui. Confesso que estou fazendo tudo isso sem conseguir enxergar quem você é de verdade.

-Isso é o que os padres chamam de fé: enxergar no escuro. Mas não se preocupe. Todos vão descobrir quem eu sou de verdade, incluindo o senhor.

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