Cena 1 (área externa do shopping)
No meio da tarde, o trânsito está intenso na Rua São Miguel. Bel (vestida de azul) contempla as vitrines do shopping enquanto Alex (trajando uma camisa amarela), do lado de fora, caminha em direção à faixa de pedestres dando máxima atenção ao que vem escrevendo no celular. A jornalista sai do centro de compras e dirige-se ao ponto de ônibus, do qual o rapaz chega perto.
Distraído, o futuro namorado de Bel não vê que, ao pisar no asfalto, vem rapidamente um coletivo da cor amarela. Porém, ele acaba sendo salvo pela moça e ambos caem na calçada. Os dois, ainda assustados, passam a se olhar – como se ainda não tivessem entendido o que acabou de acontecer.
(fundo musical original: “Sonhos” – “uma mudança muito estranha: mais pureza, mais carinho, mais calma, mais alegria no meu jeito de me dar”)
Obs.: primeiro, o filme mostra a reação de Bel; depois, o rosto de Alex.
A música é interrompida subitamente quando o personagem recebe uma bofetada. Automaticamente, ele pergunta, irritado:
ALEX: Tá doida, miséria?
BEL: (repreende o moço rapidamente, comunicando-se em Libras) O ônibus quase bateu em você, presta atenção!
ALEX: É o quê?
BEL: Ah, não (fecha os olhos e balança a cabeça negativamente)... Outro ouvinte!
A partir deste ponto, vê-se o rosto do homem, mas sua voz pode ser ouvida por meio da locução.
NARRADOR: Uma coisa todos os romances têm em comum: acontecem sem avisar, igual o motorista do Vila Dois Carneiros acelerando perto do Viaduto Capitão Temudo!
Cena 2 (interior do shopping)
(fundo musical: “A happy moment”)
A locução continua, mas os personagens caminham lentamente pelo shopping. Enquanto Bel conversa tranquilamente usando a sua língua materna, Alex passa a vê-la de forma apaixonada. O momento serve para exibir os logos da Secretaria de Educação, da Gre Recife Sul e da Erem Amaury de Medeiros.
ALEX: Você já nasceu sem ouvir?
BEL: Não, perdi a audição na idade adulta.
ALEX: (finge que entende a língua utilizada pela moça) Ah, tá.
A música de fundo para. Enquanto a narração acontece, o público vê Bel contemplando as vitrines do shopping e apontando para Alex os itens que lhe interessam.
NARRADOR: Esta é a Bel, uma das dez milhões de pessoas surdas que existem no Brasil. A surdez dela é neurossensorial, que tem tratamento. Existem outros dois tipos. O primeiro é o condutivo, que pode ser revertido através de terapias e intervenções cirúrgicas. E o segundo é a surdez mista, que tem características dos outros tipos.
Obs.: enquanto Alex narra, são projetados sobre o casal os tipos de surdez existentes: neurossensorial, condutiva e mista.
Numa transição rápida, o casal aparece sentado diante de uma mesa do restaurante.
ALEX: Modéstia à parte, mas eu me acho muito inteligente.
BEL: Um ignorante em matéria de sinais, mas eu gosto mesmo assim.
ALEX: Desculpa, eu não parei de falar de mim hora nenhuma. Queria saber mais sobre você, mesmo sem entender.
BEL: Quer ser meu namorado?
ALEX: Hum... Eu tô sacando o que você quer...
(fundo musical original: “Só vale com você” – “com você eu vejo o dia nascendo; tudo, tudo mesmo a esperar por nós/ vai dizer que não sabe o que eu digo porque ainda é criança no amor?”)
(fundo musical alternativo: “A happy moment”)
Bel toma a iniciativa e coloca a sua mão direita sobre a esquerda de Alex, fazendo com que o estudante abra um sorriso.
Em câmera lenta, vê-se o casal recém formado rindo no meio das árvores que embelezam o estacionamento. A câmera afasta-se dos dois é o título do filme aparece inscrito na parede cinza.
Cena 3 (casa lotérica)
Agora, as cores das roupas de Alex e Bel estão invertidas – sutilmente demonstrando que eles não entram em acordo quase nunca.
NARRADOR: Apesar de a Libras ser reconhecida como uma das formas oficiais de comunicação, e de a dificuldade para ouvir ser a terceira maior causa de deficiência no país, eu nunca fui bom de perceber o mundo ao meu redor... Pelo menos, não o mundo que me interessava.
O casal está na frente de uma loja do shopping que fica ao lado da casa lotérica. Alex, empolgado, caminha um pouco à frente da namorada, enquanto Bel demonstra impaciência.
ALEX: A bandeira da conta da luz veio vermelha nesse mês. Mas eu descobri como economizar a energia elétrica lá de casa sem fazer “macaco”. A gente só precisa calcular a raiz quadrada de B² - 4 a.c! E se X equivale a cem quilowatts, o valor de Y é igual a...
BEL: Para! Você não percebeu o que tá acontecendo? A gente não se entende.
ALEX: Hã?
BEL: A gente não tá falando a mesma língua, entendeu?
ALEX: Ih... Pela cara tá rolando uma D.R...
BEL: Tá, sim! Olha quanto tempo estamos juntos! Você não conseguiu aprender nada comigo! Nem se esforça!
Alex dá um lento bocejo (mesmo sem compreender o que Bel diz, deixa o seu jeito entediado evidente).
BEL: Se eu te perguntar o que é que eu faço da vida, duvido que você saiba!
ALEX: Bel, tá muito acelerada! Vai com calma!
BEL: (passa a sinalizar vagarosamente) Não tá dando certo... Acho melhor a gente terminar.
Alex coloca as mãos sobre a cabeça e roda olhando para Bel. Ela o olha na esperança de que ele tenha entendido o fim da relação e peça desculpas, mas ele dispara:
ALEX: Tô na mesma, continuo sem entender.
Bel revira os olhos, segura Alex pelos ombros, vira o corpo do rapaz para que ele fique de costas e dá-lhe um chute no traseiro.
(fundo musical original: “Lembranças” – “e hoje, o silêncio que ficou/ eu sinto a tristeza que restou/ há sempre um vazio em minha vida/ quando relembro nossa despedida”)
Ela sai bastante irritada, e num primeiro momento a câmera mostra a moça passando no meio dos transeuntes. Entretanto, quando a câmera mostra Alex atônito com o que acaba de acontecer, o equipamento aproxima-se dele reduzindo a velocidade. Em outra tomada, também em câmera lenta, é possível ver Bel indo em direção à saída do shopping. O jovem falante fica decepcionado por entender o que está acontecendo.
A tela é tomada por uma transição de fade out.
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