11/11/2019

CONFISSÕES PROLIXAS DE UM EXÍGUO MESOCLÍTICO/ BLOCO DE CENAS 1


LETREIRO: Baseado em coisa alguma.
O datashow exibe os slides preparados para a apresentação de Alan e Igor. Flávio acompanha a exposição de ideias atentamente.
IGOR: Os estudos feitos recentemente em Harvard demonstram que existe uma ampliação nas vendas de Ômega 3 comercializado pela Top Therm, a partir das inúmeras inserções de Aracy Wolf em programas da RedeTV! e do SBT.
ALAN: Uma das maiores preocupações dos espectadores que acompanham as propagandas...
IGOR: É se a voz dos compradores vai se equiparar à da garota-propaganda.
ALAN: Bem, como eu dir-vos-ia, a venda do pacote de cápsulas é feita sob a alegação de que o produto é...
IGOR: Bom para o cérebro, bom para o coração. E ainda por cima extraído dos peixes de águas frias e profundas da Noruega.
ALAN: Para contatar a empresa, a fim de adquirir o produto, tudo que o cliente precisa fazer...
IGOR: É ligar para 0800 770 7900. E tem promoção para aposentados e maiores de sessenta anos: cinquenta por cento de desconto.
ALAN: Escuta, a que horas você pretende parar de me interromper?
IGOR: Até onde eu sei, o trabalho é em dupla.
ALAN: Não parece que você tenha se lembrado disso o tempo todo, já que não me permite falar.
IGOR: Se você tivesse competência, coisa que eu duvido muito que exista, não se deixaria interromper.
ALAN: Mas, ao que me consta, eu não preciso demonstrar minha insegurança, não preciso dizer que sou competente.
IGOR: Porque não é, exatamente o contrário do que eu sou.
ALAN: Ouça-me bem, seu boçal...
PROFESSORA: Muito bem, creio que já é suficiente para que eu possa atribuir uma nota ao grupo. Daqui a quarenta e oito horas vocês terão as notas disponibilizadas no sistema.
(fundo musical: “As quatro estações (Boss In Drama remix)”- “o outono é sempre igual/ as folhas caem no quintal/ só não cai o meu amor pois não tem jeito, é imortal”)
A fachada da Concha Acústica, reduto de festas da universidade, é mostrada ao público. À noite, Flávio e Alan frequentam o espaço, que mostra um cartaz anunciando um show do cantor Leonardo Manjericão.
FLÁVIO: Finalmente um momento pra desestressar.
ALAN: Do jeito que ando, acho difícil de conseguir.
FLÁVIO: Não se esqueça de que você tem uma turnê pra começar amanhã.
ALAN: Nem fale. Olha, essa vida de conciliar faculdade com carreira enlouquecer-me-á.
FLÁVIO: Oi?
ALAN: Esquece. Qual é a primeira cidade?
FLÁVIO: Paris. Mas antes vamos passar no Museu do Louvre. Não vou sair com o celular a tiracolo sem tirar uma foto lá.
No dia seguinte, já na casa de Alan, Flávio toca a campainha. O cantor abre a porta.
ALAN: Eu te dei a cópia da chave daqui, por que você não abriu?
FLÁVIO: Quando dei por mim, vi que tinha esquecido em casa. Tá pronto pra embarcar?
ALAN: É... Quase. Preciso apenas trocar de roupa, as quatro malas já estão prontas.
FLÁVIO: Quatro? O que você tá levando além da roupa?
ALAN: Meus gibis do Cebolinha e umas cartelas de Dorflex (ouve-se, pela primeira vez, uma caixa registradora).
FLÁVIO: Cara, o que foi? Você parece meio tenso...
ALAN: Impressão sua. Fica à vontade, eu vou ao quarto pegar a bagagem.
FLÁVIO: Isso na sua camisa é sangue?
(fundo musical: “Purgação”)
ALAN: Não diz besteira, Flávio. Eu já volto.
O empresário do cantor mostra desconfiança em relação ao artista.
(fundo musical: “The look of love”)
Após a realização da turnê, Flávio e Alan dão um passeio e visitam o Museu do Louvre, como o segundo havia sugerido.
ALAN: Nada como uma locação internacional depois de cenas em estúdio.
FLÁVIO: Só não entendi por que colocaram Diana Krall pra embalar a cena.
ALAN: Estamos no Louvre, as pessoas devem achar que estamos no topo da pirâmide social.
FLÁVIO: Grandes coisas. Os vocalistas dos grupos de pagode que você gosta também estão.
ALAN: Que bela obra de arte, não? É o quadro de que mais gosto.
FLÁVIO: Engraçado... Eu já vim ao Louvre várias vezes e não me lembro desse.
ALAN: Como não, Flávio? A maioria das pessoas vem aqui pra apreciá-lo. E eu me identifico demais com ele. Parece ter sido feito em minha homenagem.
FLÁVIO: Qual é o nome do quadro mesmo?
ALAN: “Mano liso”. Muito realista.
(fundo musical: “É preciso dar um jeito, meu amigo”- “eu cheguei de muito longe/ e a viagem foi tão longa”)
O público pode ver um avião aterrissando no Aeroporto Internacional do Recife, trazendo Alan e Flávio numa manhã chuvosa. Os rapazes caminham com suas respectivas malas pelo saguão do local.
ALAN: Finalmente de volta à minha terra.
FLÁVIO: Qual é, Alan? Isso daqui é um filme, não um quadro do “Domingo Legal”.
ALAN: O melhor de tudo é poder voltar pra casa sem ter de me preocupar com a faculdade.
FLÁVIO: Já deu uma olhada no seu Sig@ hoje?
ALAN: Olharia, caso fosse eu masoquista. Mas não pretendo que nada estrague a minha felicidade.
ERASMO: (aproxima-se de Flávio e de Alan, pronunciando o nome do protagonista como “Álan”) Alan Godoy?
ALAN: (corrige Erasmo) Alan. Mal cheguei e já me abordam para autógrafos?
FLÁVIO: Achei que isso acontecesse só na Europa, já que por aqui você é amplamente desconhecido.
ERASMO: O senhor poderia me acompanhar até a vigésima sétima DP?
ALAN: Flávio!
FLÁVIO: O que foi?
ALAN: É um dos homens de preto.
FLÁVIO: Nossa, nunca imaginei que Tommy Lee Jones estivesse tão jovem.
ERASMO: Mais uma piada sem graça como essa e eu prendo os dois por desacato.
FLÁVIO: Com quem o senhor pensa que tá falando?
ERASMO: (mostra o distintivo policial) Erasmo Nogueira, delegado. Homem o bastante pra achar que deveria ser eu a fazer essa pergunta. Aliás, eu não preciso da formalidade pra perguntar se você pode me acompanhar. É uma intimação.
ALAN: Poder-me-ia explicar a causa?
ERASMO: Sim, Pasquale paraguaio. O senhor deve prestar esclarecimentos sobre o desaparecimento de Igor Zimmermann, seu colega de faculdade e, por que não dizer, desafeto declarado?
ALAN: Espera um pouco. O senhor está dizendo que... Que eu sou um dos suspeitos do sumiço do Igor?
ERASMO: Não. Você é o único. Como chegou o meu momento de começar a brilhar nesse filme, exijo uma música de suspense enquanto a câmera dá um fade in em mim e no Alan.
ALAN: É “Alan”.
(fundo musical: “Como vês”- “ele quer me destruir”)

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