CENA 10
A
limusine reservada para Manjericão e Mabi chega ao mausoléu que o
co-protagonista chama de apartamento. Sabe aquelas latinhas que ficam
penduradas na parte de trás do carro e que a CTTU não multa? Pronto, fazem o
maior barulho às quatro horas da madrugada- e eu sei disso porque ele olha para
o relógio gigante comprando na loja “Clocks”.
Um
silêncio profundo. Nenhuma música romântica ou chorosa sendo executada. O
ex-professor abre o portão do prédio (porque a essas alturas ele já deve ter
comprado o prédio e o porteiro está dormindo sobre a banca, com um radio de
pilha chiando... Droga, quebrei o silêncio!). Manjericão, com a cara mais lavada
do mundo, como quem tomou um porre de Diazepam, aperta um dos botões do
elevador. Ele demora pra abrir. Aperta outra vez. Não há visor aceso. Impaciente,
dá um soco no conjunto de pequenos botões.
A
resposta é a mais absurda e oitentista que você já viu na vida. Em vez de tocar
Susana vieira e sua versão instrumental de “Na rua, na chuva, na fazenda”, ele
toca Rosana para provar de uma vez por todas que uma única música não faz parte
de sua discografia. A porta não deixa o rapaz entrar e dá seu recado em alto e
bom som.
-Nem
um toque eu querendo!
Já
imaginou esse tipo de coisa acontecer em sua madrugada? É pra ficar sem dormir
por oito meses de susto! O pobre sobe as escadas em velocidade absurda,
deprimido demais e entra no seu apartamento. E você está pensando que a sessão
“Love Songs” da Rádio Recife FM terminou? Continua!
-Você
chega com os amigos, faz o tipo que me agrada, faz de tudo pra chamar minha
atenção- e a tensão aumenta quando há uma espécie de projeção do casal se
agarrando e tirando a roupa- Passa a mão pelo cabelo e me olha pelo espelho,
faz de tudo pra chamar minha atenção. Olho pro casal da mesa ao lado: beijos e
abraços apertados e eu querendo te dizer “muito prazer”, e na fantasia do
momento, quem de nós vai resistir mais tempo? Meu olhar procura o teu mais uma
vez... Não posso me conter- Mabi aparece na porta do apartamento, e pensa em
bater, mas tem um acesso de choro e desiste de tentar falar com o ex-noivo. Vai
ao elevador, que para ela abre normalmente, e desaparece daquele lugar- Nem um
toque eu querendo dizer “muito prazer”, nem um toque eu sonhando, sonhando com
você! Nem um toque eu querendo dizer “muito prazer”, nem um toque eu...
Sonhando com você!
O
roqueiro universitário, coitado, está praticamente fazendo uma cambalhota atrás
da outra se retorcendo da dor aguda de ser abandonado. É mais ou menos quando
você vê a galera saindo num sábado à noite e não te convida, só que pior. Eu
que não gosto de sair sequer sei a dor de meu próprio personagem, é mole?
CENA 11
Kativo,
a ex-professora russa de Latim do Thiago, está ministrando uma cadeira chamada
Leitura e Produção de Texto Acadêmico, voltada para os alunos estreantes no
curso. Logo no primeiro dia de aula, ela já dá as cartas na boca de fu... Digo,
no pedaço.
-Todos
vocês estão com a ementa da disciplina?- Gabriella responde afirmativamente com
a cabeça, assim como os estranhos no ninho que não querem abrir a boca (nem depois
de sete períodos, aliás)- Eu vou falar sobre uma coisa que vocês estão doidos
pra perguntar e que eu vou deixar o meu futuro monitor responder nas próximas
aulas: o modelo de avaliação. Bom, o que eu vou pedir a vocês é que elaborem um
roteiro para um programa de televisão nos próximos três meses, e que procurem
se envolver com ele, porque eu estarei viajando para Ibura City em breve e vou
deixar o monitor vigiando vocês todo o tempo. Eu sei que vocês têm mais cinco
cadeiras obrigatórias, mas isso sinceramente não me interessa. O que um roteiro
de TV tem a ver com a disciplina? Nada! Mas tem gente que faz licenciatura e
não sabe por que paga no Centro de Educação, então dá pra suportar todas as
dúvidas. Alguma pergunta? Por favor, não façam.
Gabriella
levanta a mão. Só acho que esta menina deveria ter feito vestibular pra Unicap,
pra não passar por esse vexame!
-Professora,
a gente vai se orientar como?
-Minha
querida, me diga: qual é o seu nome?
-Gabriella?
-Muito
bem, Gabriella. O meu nome é Kativo do Agradokovsky, mas pode me chamar de
mestre dos magos, porque quando vocês precisarem de mim, eu estarei rindo da
cara de vocês no caribe e tirando fotos no Instagram com o meu espumante Millennium.
Se o problema é TV, não tem problema. A nossa universidade dispõe de um pequeno
prédio localizado na Avenida Sul, que é a “TVAca”. Lá, vocês podem conversar
com os profissionais do ramo e anotar cada besteira que eles disserem como
referência bibliográfica. Só sei que eu quero o relatório na minha mesa no
próximo dia 30, que é o dia da última sequência de cenas desse filme.
-Dia
30 não cai num sábado?
-Te
vira!
Vocês
estão sentindo? Eu estou. O clima sutil!
CENA 12
Alguém
bate a porta de Manjericão. Enrolado completamente num roupão cinza, a barba
está um pouco maior do que normal- e olha que só se passaram seis horas depois
de ter chegado ao apartamento. Clara espera ansiosamente para falar
pessoalmente com o cantor. Assim que a porta é aberta, toca “You’re my”, da Sandy
com o Julio... Digo, com o Enrique Iglesias. Não estou dizendo que esse negócio
de chamar o conquistador de Julio Iglesias de Jardim São Paulo não estava me
fazendo bem? Tem razão, não disse. O fato é: à medida em que o volume da música
vai diminuindo, rola um clima... Na cabeça dela!
-Você
é o...
-Sim.
Até segunda ordem. Quem é você?
-Não
assiste à programação da “TVAca”?
-Só
vejo TV por assinatura, tem mais qualidade.
-Ih,
tá por fora. Muito prazer, eu sou Clara Anveres, apresentadora do programa de
fofocas “Sassurre você me contar”.
-Ah,
prazer. Olha, você pode ficar à vontade pra perguntar sobre qualquer coisa... Menos
da minha vida profissional e nem da pessoal.
-Manjericão,
eu sei que esse é um momento muito difícil pra você, mas eu queria... Quero
dizer... A produção do meu programa queria marcar uma entrevista com você.
Queremos saber se você está bem para conversar com a nossa equipe.
-Pode
ser agora. Estou bem. Tão animado como quem jogou Guitar Hero ou visitou ou site do X Games- esboça um sorriso extremamente artificial.
-Sério?
-Não!-
abraça a garota, chorando compulsivamente- Eu tomei óleo de cártamo porque a
Aracy da Top Therm disse que ia fazer bem pro meu coração!
-Ô,
bichinho... Vamos fazer o seguinte? Por que a gente não marca um jantar? Pode
ser onde você quiser!
-Tudo
bem, mas onde?
-Eu
conheço um restaurante bacana que a gente pode ir. Serve comida japonesa, é o
“Karma de Ouro”.
-Ah,
sei, aquele que fica perto do posto de gasolina da Várzea?
-É
esse mesmo. Se você quiser, a gente pode ir hoje à noite.
-Não,
ainda tô na fossa. Amanhã a gente se encontra e você pode perguntar o que
quiser. Nem se você fosse do TMZ pra publicar detalhes da minha vida tão rápido
assim.
-Sei
que vai ser um bate-papo maneiro.
-Só
não inventa nada a meu respeito, porque eu faço parte da instituição do
“Procure Saber,”, hein?
-Pode
deixar. Então... Tchau.
-Tchau.
-Até
amanhã... – procura puxar assunto.
-Até
amanhã.
-A
gente se vê.
-Pois
é.
-Então...
A que horas...
-Às
oito- vai empurrando a moça para que ela saia de sua casa- Às oito, viu, minha
filha? Chega mais cedo, por causa do horário de verão e do trânsito da Avenida
Caxangá, tá? Fofa... - fecha a porta- Caramba, não se pode nem ter depressão em
paz... Vou terminar de tomar meu formicida!- decide ir ao quarto.
CENA 13
A
segunda-feira chegou. É dia de fazer aula da Educação Física, e de escapar
dela. Matheus está no pátio da Escola Municipal Correta Decisão gravando o web show que dá título a essa estorinha
sem pé nem cabeça. Ana Júlia está segurando o celular para filmar essa...
Trepeça!
-O
“Furo Decisão” está de volta pra contar todas as novidades que acontecem dentro
desse colégio. Bom, e... – percebe que não há nada a ser contado, até olhar
para as meninas que estão se exercitando com uma roupa colada. Ainda segurando
o celular, Ana Júlia aparece na frente da câmera.
-Bom,
enquanto Matheus fica sem saber o que fazer da vida, vamos fazer uma
propaganda. Pra você se matricular aqui? Não... Pra você comprar a rifa do
Thiago Barros. Meu amor, por cinco reais você concorre a um MacBook Pro e a um
iPad. Cinco reais é o quê, minha gente? Uma sacola de francês na padaria
“Rainha da Várzea”? Deixa de ser pão-duro e compra a sua. Eu já comprei a
minha. Compre a sua. Uma campanha da Agência W9.
-Nada
como subornar uma pessoa e fazer ela mentir. Foi isso que Thiago fez, né?
-Só
pagando mesmo pra eu pagar um king Kong
desses!
-Vem
cá, e onde ele foi?
-Disse
que não vai aparecer no programa hoje porque viu que a audiência do programa
estava caindo e a do blog dele também, desde que ele começou a fazer a
propaganda da rifa. Olha, até que eu me saí bem como apresentadora principal,
não foi?
-Principal
uma ova! Se não fosse por mim, esse programa nem existia.
-Os
tempos são outros, meu amor. Ah, e não percam a próxima edição da Expo
Americana. No próximo dia 22, a gente vai dançar muito e divertir todos vocês
na maior feira de ciências que de ciências não tem nada.
-Já
acabou?
-Não,
ele deixou mais um recadinho: amanhã de noite, ele vai estar lá no restaurante
“Karma de Ouro” vendendo a rifa da W9. Apareçam por lá. Apareçam, não. Comprem
mesmo.
-Eu
vou aproveitar o espaço dessa bagaça de programa que é o meu pra fazer um apelo
aos espectadores, assinantes da GVT e os que veem a gente quando o sinal da TIM
funciona. Vamos fazer um programa especial pra ajudar o Manjericão a superar
essa fossa desgraçada.
-Você
coloca a vida do menino pra todo mundo saber desse jeito?
-O
que é que tem?
-Que
programa é esse? “TV Fama”?
-Nossa
meta é chegar bem perto dele. Até o próximo “Furo Decisão”, galera! Tchau!
-E
no próximo programa, eu vou lançar um novo quadro: “Eu preciso de um
companheiro”!
-Isso
já existe!
-Meu
companheiro? Tomara! Beijo, meu povo!
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