CENA 26
Guilherme
Capim Santo invade a sala de Fausto Faccioli, mas só a moça do cafezinho está
lá.
-Cadê
aquele filho da mãe?
-Seu Faccioli?
É um filho da mãe mesmo... Pegou o voo pra Pariscida do Norte... Quer dizer, Paris,
e se mandou de manhã.
-Mas como
assim? E a “Casa dos Estudantes”? Vão cancelar a estreia do programa?
-Tudo vai
ser comandado de lá da França. Ele vai supervisionar todos os trabalhos e a implantação
das câmeras escondidas.
-Quer
dizer que a escalação de Manjericão ainda está de pé?- afasta-se da moça.
-Pra ser
sincera, todas estão. Antes de viajar, o seu Faccioli guardou na gaveta todos
os envelopes com o nome dos confinados do programa. Eles só vão ser abertos no
domingo que vem pela apresentadora do programa. É... O senhor vai ter que sair.
-Minha
filha, você sabe com quem tá falando?
-Só
porque é representante do sertanejo...
-Rock.
-Você que
pensa. Ninguém vai entrar aqui. Só a Gabriella da Silva, e depois que ela
passar pelo teste de figurino no camarim. Agora pode se retirar, por gentileza?
-Isso não
vai ficar assim.
-Lógico
que não. Vou faxinar depois. Dê o fora.
CENA 27
Manjericão
está saindo da gravação de um novo clipe, agora na pista de skate. Matheus o acompanha, finalizando
o registro das imagens.
-E corta.
-Ai,
moleque- cumprimenta o amigo- Ficou bom o clipe?
-Não sei.
Sabe que quem entende dessas coisas na verdade é Thiago. Mas ele não apareceu.
Tá ocupado demais vendendo a rifa da W9.
-E eu não
sei? Contracenei na pista melada de tinta. Ele pinta “MacBook Pro e iPad a 5
pratas e acha que a gente não tem “Falha Nossa” no clipe?
-Falando
em falha, tu sabe que hoje de noite começa a novela de Mabi, né?
-Soube
que ela viajou hoje pra França, no finzinho da última sequência de cenas do
filme. Deu um trabalho desgraçado ter que deixar pouco figurante no
aeroporto... Mas eu fiquei lendo na internet.
-Lendo ou
procurando ler?
-Tá
tentando dizer o quê com isso, cara?
-Que você
não se conformou com o fim.
-Olha,
pra um cara que costuma perguntar se tá tudo bem como se fosse um jornalista da
Record, você realmente tá tentando me colocar pra baixo.
-Só acho
que, depois de tudo o que os teus amigos passaram pra te ver junto da Mabi, você
podia ter, pelo menos, um pingo de consideração e casar com ela.
-Vira a
página, Matheus.
-Sei lá...
Você quer virar a sua?
-Quero. Esquecer
que essa página existiu definitivamente.
-E a Mabi?
Pra você ela esqueceu?
-Não. Mas
o fato de ela ter tentado no dia do nosso casamento foi uma prova de que alguma
coisa tinha que ser abortada entre a gente, sacou? Foi a nossa relação. Bola
pra frente, bicho... – ambos saem da pista.
CENA 28
Guilherme
Capim Santo está numa coletiva de imprensa para o lançamento de seu primeiro
CD, “Pikachu das Guitarras”. O celular toca, e ele atende na frente dos
jornalistas.
-Alô? E
aí, vó?
-Meu querido,
o que foi que aconteceu? Onde você esteve à manhã toda?
-Gravando
o programa da Clara Anveres. Demorei mais um pouco porque fui tirar satisfação
com um produtor lá da emissora.
-Por qual
motivo?
-Ele tá pensando
em colocar o Leonardo Manjericão confinado num reality show.
-Qual a
bronca? Você odeia esse tipo de programa mesmo. Se não der certo, ainda arranha
a imagem dele.
-Mas eu
tenho que entrar no programa, vó. O meu CD tá sendo lançado hoje, e o programa estreia
domingo. Todo mundo vai prestar mais atenção nesse babaca do que no meu disco.
Já não é bom vender disco nesse fim de mundo que é o Brasil; sem divulgação,
pronto...
-Calma,
meu netinho adorado... A vovó vai te dar um conselho precioso.
-Não
agora, né?
-Queridinho,
quando eu era jovem e feliz, porque agora só sou feliz, tocava uma música na
vitrola dos Mutantes.
-Já falei
pra senhora que odeio música de velho.
-Deixa eu
terminar, filho da pata!- toda agressividade eu desejo a você!- Tinha uma
música chamada “Top Top”. Sabe qual era o refrão dela?
-“Porque,
meu bem, ninguém é perfeito e a vida é assim”?
-Nossa,
Guilherme, mas você foi a fundo agora, hein? Era: “Sabotagem, sabotagem,
sabotagem...”. O resto eu nem comento. Entende o que eu quero dizer, não é?
-Completamente.
A bênção, vó.
-Arrasa
no reality que eu vou estar fora do
confinamento tricotando uma cueca pra você. Vovó ama, vovó cuida, beijinhos!-
desliga o telefone à manivela da casa dela, sem revelar o rosto ao público.
-Se eu
fosse esse Manjericão, eu me cuidava. Parece que eu vou eliminar alguém do
jogo...
CENA 29
Sentados
no sofá, já são o quê? Umas seis e quinze da tarde de sexta-feira. Matheus e
Thiago estão no sofá de Manjericão vendo TV.
-Vocês
dois não tem casa, não?
-Eu vim
porque lá na faculdade pediram pra entrevistar um professor. Era pra perguntar
do que você sente falta com relação ao comportamento dos alunos. Aí eu lembrei
de você.
-Nossa,
Thiago, medo das suas entrevistas. Elas me lembram Gabriel. “E você escolheu
fazer licenciatura... Porrrrr quê?”- brinca com o universitário.
-Pra
falar a verdade, eu sou que nem o Ninho de “Amor à Vida”: não tenho rumo nenhum
na vida- Matheus esclarece porque foi à casa do amigo.
-Bom
saber. Isso é o que dá eu ter te dado aula.
-Nunca
tive aula contigo, Manjericão.
-Mais uma
mágoa que tenho da Escola Municipal Correta Decisão... Mas, enfim... Querem
pipoca?
-Não,
obrigado.
-A gente
tá doido pra ver a estreia da novela de Mabi. Começa daqui a pouco- Matheus explica.
-Espero
que ela seja feliz. Pena ela ter me abandonado pra isso.
-Mas você
nunca que ia aceitar a carreira dela como atriz. Por isso ela se mandou- Thiago
recorda os motivos da fuga nubente.
-O
problema não é ser atriz, interpretar, nada disso. O problema é fazer isso
longe de mim.
-Pensa, Manjericão:
você também ia viajar muito, fazer turnê,
conhecer outros lugares, pichar muros do Recife Antigo quando tivesse
visitando, ser acertado por garrafa d’água no show, pegar desconhecidas no “Hotel Pineapple”... Ela não ia te
acompanhar a todo instante se continuasse sua noiva.
-Só que
isso é temporário, Matheus. Ela quis se mudar pra Paris. Vai ficar lá muito
tempo. Eu não ia me aguentar de saudade. Por isso que eu acho que ela me
deixou.
-Vamos esquecer
essa mágoa toda, não é, Manjericão? Pra quê ficar remoendo isso? Ela prejudicou
a apresentação da tua monografia, por acaso?- Thiago, como uma Coca-cola, vê o
lado bom da vida.
-Já fez
uma monografia na vida?
-Talvez vocês
estejam certos. Mas a verdade é que eu não aguento de saudades.
-Acabou o
jornal- o adolescente se empolga- Vai começar agora o primeiro capítulo de “Paranauês
Manjados”.
-Até que
enfim. Vem ver, coentro podre.
-Senta aqui
no sofá, cara. Faz de conta que tá em casa- a lentidão desse garoto me
surpreende.
-Ele está
em casa, inteligência limitada!
-Não, eu
vou tirar a pipoca do microondas. Passar o capítulo todo comendo na cozinha.
-Olha, já
que tu não vai ficar na sala, dá pra enviar a panela de pipoca pelo Sedex 10?-
sugestões inverossímeis de Matheus.
A
tradutora de Libras aparece numa tela verde, avisando.
-O
programa a seguir é livre para todos os públicos.
-Quando
faz amor, se olha no espelho- grita Yahoo (banda, não site). Percebam o
contraste brutal entre a inocência de três jovens e a telenovela com áudio e
imagens oitentistas (ou seja, com partes pudendas aparecendo, e que não serão
descritas por este ser um relato infantil), um contraste da classificação
indicativa com o conteúdo apresentado (o que faz Thiago, de boca aberta, tampar
os ouvidos de Matheus), o contraste... Chega, se eu quisesse falar de contraste
tanto assim, teria feito um tutorial de edição fotográfica.
-Palha
assada!- diz Matheus, com os olhos arregalados.
-Será que
você gosta mesmo de mim? Vai me dizer que era pra sempre? Isso é amor ou uma
doce mentira?- à medida que os créditos gigantescos aparecem, Mabi faz um lento
striptease numa ponte em Paris e
mergulha no rio. Gente, quem teve essa ideia viu muito “Pantanal 1990” no
YouTube, porque... -Eu não quero tocar em você, oh, baby! E fazer seu jogo vai
me deixar louco. Sei que você pensa: “o amor é do seu jeito, coração quebrado e
orgulho inteiro”.
-Não
quero tocar mesmo- Manjericão deixa a tigela de pipoca cair.
-Amar
assim, jamais dizer adeus, já é mais a grande surpresa... Viver assim a se
morder de amor- a jovem afunda ao fundo do logo da telenovela. Com uma
dentadura inclusa, pois esta canção é praticamente o hino dos odontologistas!
-Como bom
astro da música- deixa as lágrimas caírem- Vou enfiar minha cabeça no forno.
Por favor, eu já deixei meu testamento com os advogados. Não tentem fazer isso
em casa!- volta para a cozinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário