Paulo põe a cabeça pra fora
do caminhão e vê que diversos populares estão observando os cadáveres jogados
no chão, completamente abismados com a impactante cena. Eles veem que da
viatura policial começa a sair uma fumaça. O veículo começa a pegar fogo. O
assaltante e líder do grupo não hesita: abre a porta e sai correndo.
-Vem logo, Rebeca!- fala em
tom baixo, desesperado, ao se aproximar de Alexandre- O carro “tá” aqui perto.
-Não sem ele. O Alexandre não
pode ficar. Ele ainda “tá” respirando!
-Dane-se o Alexandre! Pode
morrer aí, que ninguém se importa! A gente tem que sair daqui.
-E se ele sobrevive, Paulo? A
polícia pode forçar ele a dizer toda a verdade!
-Não seja por isso... Se
afasta!- aponta o revólver para o comparsa desmaiado.
-Guarda essa arma, tem gente
nessa avenida olhando! Daqui a pouco mais policial chega! Leva o Alexandre pra
casa! Não complica mais a situação.
-Vou levar, sim- abre a
porta- Mas pra dar um fim nele lá mesmo, nesse imbecil!- carrega o cúmplice,
para em seguida Rebeca sair do caminhão. Os três entram no carro, e a moça é
quem o dirige.
Paulo não consegue esconder o
desconforto por estar se arriscando cada vez mais, enquanto a moça age
friamente, para não levantar suspeitas.
Na prisão, voltando ao tempo
atual, Irandir arde em febre na cela enquanto chama por um único nome.
-Bianca... Bianca... – Murilo
se levanta e vai até a cama do companheiro de cela.
-O que é que você tem,
Irandir? Acorda!- o prisioneiro desperta.
-O que houve?
-Você “tá” queimando de tanta
febre.
-Não... Vai ficar tudo bem.
Depois passa.
-Passa nada. Tem que chamar
alguém pra tirar você daqui. Você “tá” doente, tem que vir alguém pra te dar
uma medicação.
-Já disse que isso não vai
demorar. Daqui a pouco eu melhoro.
-Quem é que você “tava”
chamando agora há pouco, quando dormia?
-Eu chamei alguém?
-Uma tal de Bianca. Chamou
umas duas vezes. Nunca falou esse nome aqui dentro.
-O nome da minha filha. É
verdade, nunca falei dela aqui com ninguém.
-Filha? Mas você não recebe
visita nenhuma. Pelo menos desde que eu cheguei aqui, não vi ninguém te
visitando.
-Pedi pra minha mulher não
deixar a Bianca vir me ver. E mesmo se eu deixasse, não sei se ela ia
conseguir.
-Por que não? Ela não tem
saudade?
-Morre de saudade de mim, mas
não sei se consegue. ”Tá” fazendo um tratamento.
-E enquanto ela “tá” doente,
você fica preso...
-Só fui preso por conta dela!
O pastor, por acaso, pensa que é o único a fazer sacrifício pelos filhos? O
único que é acusado de roubo pra salvar um filho? Mas não é, não. Não é mesmo!
Roubei pra conseguir comprar os remédios que ela tava precisando. Se você visse
o estado que ela “tava”, não pensava duas vezes antes de assaltar uma loja.
-Nunca falou da sua vida...
Irandir, eu nem imaginava que você “tivesse” aqui por causa de uma filha.
-Se ela “tiver” com saúde, eu
passo a vida trancado aqui nessa cela.
-Pelo menos, você sabe que um
dia vai sair daqui.
-Como você também vai.
-Não é a mesma coisa.
-Em que você é diferente de
mim, pastor?
-Quando você sair, vai
encontrar um mundo que te odeia e uma filha te esperando, ainda que ela esteja
doente. Porque a cura é difícil pra gente encontrar, mas nunca pra quem pode
dar. Sua crença vai fazer você ver que o difícil e o impossível não existem. Já
quando eu sair, vou encontrar o mesmo mundo me odiando e um filho que... Olha,
eu nem sei se vou encontrar. Às vezes, eu fico pensando que, agora que eu “tô”
preso aqui, alguma coisa pode ter acontecido e eu não pude impedir.
-Você “tá” falando da morte
do seu filho?
-É um risco que eu tenho que
correr. Mais um dos riscos que o meu filho me trouxe...
Natália tenta se explicar
perante Murilo e Verônica.
-Por favor, vamos por partes.
O filho de vocês não está em casa, é isso?
-Não, senhora. Não está-
Verônica responde com pesar.
-Bom, então... Têm ideia de
qual hora eu posso vir pra conversar com ele? Ou onde eu posso encontrá-lo?
-Senhora...
-Pode me chamar de Natália.
-Se o assunto é tão urgente
pra falar com ele, é melhor a gente contar de uma vez.
-Murilo, não!
-Contar o quê?
-Murilo, eu proíbo você!
-Verônica, pode ser algo
grave! Ela tem que saber.
-Mas a gente nunca viu essa
mulher antes, você já quer falar da nossa vida particular?
-Da nossa, não! Do “Gigante”,
que faz questão de nos envergonhar.
-O que está acontecendo, eu
posso saber?
-Natália... É esse seu nome?
-Isso.
-O... O “Gigante”
desapareceu.
-Como desapareceu? Foi
raptado?
-Não, ele... Fugiu.
-Agora chega, Murilo!-
Verônica levanta a voz para o marido- Chega! O que você quer? Me torturar com
isso? O que você “tá” fazendo, comigo e com o seu filho é desumano, será que
você não vê?
-Ele não é inocente,
Verônica! Entenda!
-Não vou mais discutir com
você sobre esse assunto! E você? Quer falar o quê com o meu filho?
Célio chega correndo à casa
de Verônica e Murilo.
-Aconteceu uma desgraça!
-Com meu filho?
-Não, Murilo. Lá na igreja!
Verônica observa tudo
afastada do marido, sentindo que a situação foi causada por seu filho.
-O que foi que aconteceu,
Célio?
-Lar Celestial foi roubada!
-A igreja? A igreja de vocês
foi assaltada? Mas o que levaram?
-O dinheiro das ofertas que
ia servir pra comprar os seis bancos do templo.
-Célio, você tem certeza do
que está dizendo?
-Não só tenho, Murilo, como
também sei quem é o responsável por isso!
Verônica acaba desmaiando
perto do sofá da sala.
-Verônica?- Murilo corre para
acudi-la- Verônica, o que você tem? Fala comigo, Verônica!- Natália segura o
pulso da esposa de um dos pastores.
-Ela está muito fria.
-Façam alguma coisa!
-Eu vou chamar a
ambulância... – Murilo pega o celular.
-Não. Eu vou chamar um táxi.
Nós vamos levá-la ao hospital- Natália começa a discar o número, e Murilo fica
ainda mais apreensivo, já que continua sem saber o verdadeiro motivo da visita.
Rebeca abre a porta do
apartamento.
-Vem rápido. Leva ele pro
quarto- Paulo carrega Alexandre e o leva até o quarto do rapaz, onde o coloca
na cama- Agora, pega uma tesoura e abre a camisa dele.
-Onde é que você vai?
-Vou buscar os instrumentos-
A tesoura “tá” dentro da gaveta, não demora.
-Em qual gaveta ela colocou?
Cadê... Ah, tá aqui. Achei!- fecha a última gaveta, quando olha para o rosto de
Alexandre, ainda desacordado, segurando a tesoura com muita força- Melhor mesmo
eu não me arrepender de deixar você vivo, Alexandre.
Rebeca volta ao quarto com um
saco plástico transparente de instrumentos médicos.
-Você ainda não fez o que eu
disse? Não dá pra perder tempo, Paulo! O cara pode morrer!
-“Tá”, “tá”, eu já vou cortar
a camisa dele- vai ao outro lado da cama e faz a abertura necessária.
-Agora eu preciso que você fique
segurando a cabeça do Alexandre.
-Rebeca, é arriscado deixar
esse cara vivo.
-O Alexandre já “tá” aqui,
Paulo. Se ele morrer, é pior. E a gente deu sorte de não ter visto ninguém no
prédio, senão a polícia viria atrás da gente- Rebeca abre o saco e tira uma
seringa cheia- Estende o braço dele.
-O que é isso?- pergunta,
após obedecê-la.
-Anestesia, pra ver se ele
aguenta a dor.
-O Alexandre “tá” muito pálido,
Rebeca, ele não vai aguentar.
-Tem que aguentar. Além do
mais, gente numa situação pior que a dele eu já vi não sei quantas vezes...
Com um bisturi, abre um pouco
mais a ferida que está no corpo do assaltante. Em seguida, ela extrai a bala
que o vitimou.
-Conseguiu...
-Agora é só fazer os pontos.
Assim, ele vai parar de perder sangue.
-Mas e se ele não sobreviver?
-Depois a gente pensa em como
se livrar do corpo. Mas do jeito que eu deixei, duvido que ele morra.
-E o dinheiro?
-Guardei no mesmo lugar que
peguei os instrumentos. Se eu não tivesse roubado do hospital que eu
trabalhava, o que ia ser dele agora?
-Você não acha que “tá”
preocupada demais com esse cara?
-Me poupe disso, Paulo. É
desse cara que depende a nossa liberdade.
-Por isso que eu achei melhor
ter dado um fim nele ali mesmo.
-O idiota matou três
policiais.
-E fez certo. Fez porque eu
disse pra ele fazer. Se não fosse isso, a gente tava preso.
-Fez certo o escambau! Você
atirou contra os policiais antes de eles passarem na frente do caminhão. Se
eles sobreviveram, reconheceram a nossa cara. Quer mais uma morte nas costas
pra quê? Raciocina, Paulo! A gente tem que calar a boca do Alexandre dando
dinheiro pra ele, como ia ser desde o começo.
-Esse moleque que não me
falhe, hein?
-Não vai falhar. Isso, eu
garanto- o beija.
No corredor do hospital,
Natália e Murilo esperam por notícias sobre o estado de saúde de Verônica, até
que o médico chega.
-Qual de vocês é parente de
Verônica Nobre?
-Sou marido dela. Como ela
“tá”, doutor?
-Foi uma brusca queda de
pressão, mas já normalizamos. Talvez tenha sido causada por algo de fundo
emocional, alguma notícia que ela recebeu recentemente. Sua esposa vai ficar em
observação por mais algumas horas. Depois, eu vou liberar pra você irem pra
casa.
-E que recomendação o senhor
faz?
-Aconselho que não a
perturbem, que evitem qualquer tipo de desgaste. Não sabemos quando isso pode
acontecer de novo. Por isso, poupem a Verônica de situações desagradáveis.
-Tudo bem. Muito obrigada,
doutor.
-Posso entrar pra falar com
ela?
-Sim, pode. Coloquei uma medicação
contra a hipotensão no soro. Já está tomando. Pergunte ao rapaz da vigilância
em que enfermaria ela está. Vocês vão me dar licença, mas eu tenho que atender
os outros pacientes. Com licença.
-Melhor eu entrar, então.
-Não, por favor. Fica mais um
pouco. Eu quero conversar com você. Aliás, com você e com a sua mulher, mas ela
não está em condições ainda.
-Você foi à minha casa, mas
não disse por quê. Sabe alguma coisa do meu filho?
-Do paradeiro dele, não. Eu nunca
imaginei que ele tivesse desaparecido, não conheço as razões dele. Mas eu fui
lá pra conhecer o “Gigante”.
-Que relação é a sua com ele?
Não, não pode ser. ... Já sei: ele te roubou, não foi? A senhora vai denunciar
meu filho?
-Murilo, não é nada disso.
Queria conhecer o “Gigante” e falar com vocês por outro motivo. Tão ou mais
sério que o desaparecimento dele.
-Eu não entendo.
-Como é que eu posso dizer
isso pra que você me entenda?
-Seja o que for, não me
esconda nada. Eu estou preparado pra ouvir qualquer coisa sobre o “Gigante”.
-Na verdade, sobre mim. Sou
filha do Getúlio Veronese.
-Getúlio? Esse nome... Não
consigo me lembrar.
-Foi o médico que ficou
responsável pela fertilização in vitro
da Verônica, sua mulher, que não conseguia ter filhos.
-Sim. Sim, agora eu me
lembrei dele. Se não fosse ele, eu nunca conseguiria ser pai. Eu realizei o
maior sonho da minha vida, e a minha mulher também.
-Verônica não realizou sonho
nenhum. Você sim.
-Como assim “não realizou”?
Nós temos um filho de dezoito anos.
-Vim de São Paulo pra contar
toda a verdade pra vocês. Têm que saber de uma vez por todas...
-Que verdade? Do que a
senhora “tá” falando?
-O ”Gigante”... O “Gigante” é
seu filho, mas a Verônica... Não é a mãe dele.
-A senhora só pode ser
louca... Que absurdo é esse? O “Gigante” não é filho da Verônica... Vai ser de
quem, então?
-Sua esposa foi barriga de
aluguel. O “Gigante” é seu filho, e a Verônica o gerou, sim. Mas o óvulo que
estava nela era o meu. Meu pai não fez uma simples fertilização in vitro... Enganou a mim e a vocês
dois. Você e a sua esposa não têm filhos em comum, porque a mãe do Gigante sou
eu!
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