27/04/2014

OS INATACÁVEIS/ CAPÍTULO 4: EM PERIGO

Paulo põe a cabeça pra fora do caminhão e vê que diversos populares estão observando os cadáveres jogados no chão, completamente abismados com a impactante cena. Eles veem que da viatura policial começa a sair uma fumaça. O veículo começa a pegar fogo. O assaltante e líder do grupo não hesita: abre a porta e sai correndo.
-Vem logo, Rebeca!- fala em tom baixo, desesperado, ao se aproximar de Alexandre- O carro “tá” aqui perto.
-Não sem ele. O Alexandre não pode ficar. Ele ainda “tá” respirando!
-Dane-se o Alexandre! Pode morrer aí, que ninguém se importa! A gente tem que sair daqui.
-E se ele sobrevive, Paulo? A polícia pode forçar ele a dizer toda a verdade!
-Não seja por isso... Se afasta!- aponta o revólver para o comparsa desmaiado.
-Guarda essa arma, tem gente nessa avenida olhando! Daqui a pouco mais policial chega! Leva o Alexandre pra casa! Não complica mais a situação.
-Vou levar, sim- abre a porta- Mas pra dar um fim nele lá mesmo, nesse imbecil!- carrega o cúmplice, para em seguida Rebeca sair do caminhão. Os três entram no carro, e a moça é quem o dirige.
Paulo não consegue esconder o desconforto por estar se arriscando cada vez mais, enquanto a moça age friamente, para não levantar suspeitas.


Na prisão, voltando ao tempo atual, Irandir arde em febre na cela enquanto chama por um único nome.
-Bianca... Bianca... – Murilo se levanta e vai até a cama do companheiro de cela.
-O que é que você tem, Irandir? Acorda!- o prisioneiro desperta.
-O que houve?
-Você “tá” queimando de tanta febre.
-Não... Vai ficar tudo bem. Depois passa.
-Passa nada. Tem que chamar alguém pra tirar você daqui. Você “tá” doente, tem que vir alguém pra te dar uma medicação.
-Já disse que isso não vai demorar. Daqui a pouco eu melhoro.
-Quem é que você “tava” chamando agora há pouco, quando dormia?
-Eu chamei alguém?
-Uma tal de Bianca. Chamou umas duas vezes. Nunca falou esse nome aqui dentro.
-O nome da minha filha. É verdade, nunca falei dela aqui com ninguém.
-Filha? Mas você não recebe visita nenhuma. Pelo menos desde que eu cheguei aqui, não vi ninguém te visitando.
-Pedi pra minha mulher não deixar a Bianca vir me ver. E mesmo se eu deixasse, não sei se ela ia conseguir.
-Por que não? Ela não tem saudade?
-Morre de saudade de mim, mas não sei se consegue. ”Tá” fazendo um tratamento.
-E enquanto ela “tá” doente, você fica preso...
-Só fui preso por conta dela! O pastor, por acaso, pensa que é o único a fazer sacrifício pelos filhos? O único que é acusado de roubo pra salvar um filho? Mas não é, não. Não é mesmo! Roubei pra conseguir comprar os remédios que ela tava precisando. Se você visse o estado que ela “tava”, não pensava duas vezes antes de assaltar uma loja.
-Nunca falou da sua vida... Irandir, eu nem imaginava que você “tivesse” aqui por causa de uma filha.
-Se ela “tiver” com saúde, eu passo a vida trancado aqui nessa cela.
-Pelo menos, você sabe que um dia vai sair daqui.
-Como você também vai.
-Não é a mesma coisa.
-Em que você é diferente de mim, pastor?
-Quando você sair, vai encontrar um mundo que te odeia e uma filha te esperando, ainda que ela esteja doente. Porque a cura é difícil pra gente encontrar, mas nunca pra quem pode dar. Sua crença vai fazer você ver que o difícil e o impossível não existem. Já quando eu sair, vou encontrar o mesmo mundo me odiando e um filho que... Olha, eu nem sei se vou encontrar. Às vezes, eu fico pensando que, agora que eu “tô” preso aqui, alguma coisa pode ter acontecido e eu não pude impedir.
-Você “tá” falando da morte do seu filho?
-É um risco que eu tenho que correr. Mais um dos riscos que o meu filho me trouxe...


Natália tenta se explicar perante Murilo e Verônica.
-Por favor, vamos por partes. O filho de vocês não está em casa, é isso?
-Não, senhora. Não está- Verônica responde com pesar.
-Bom, então... Têm ideia de qual hora eu posso vir pra conversar com ele? Ou onde eu posso encontrá-lo?
-Senhora...
-Pode me chamar de Natália.
-Se o assunto é tão urgente pra falar com ele, é melhor a gente contar de uma vez.
-Murilo, não!
-Contar o quê?
-Murilo, eu proíbo você!
-Verônica, pode ser algo grave! Ela tem que saber.
-Mas a gente nunca viu essa mulher antes, você já quer falar da nossa vida particular?
-Da nossa, não! Do “Gigante”, que faz questão de nos envergonhar.
-O que está acontecendo, eu posso saber?
-Natália... É esse seu nome?
-Isso.
-O... O “Gigante” desapareceu.
-Como desapareceu? Foi raptado?
-Não, ele... Fugiu.
-Agora chega, Murilo!- Verônica levanta a voz para o marido- Chega! O que você quer? Me torturar com isso? O que você “tá” fazendo, comigo e com o seu filho é desumano, será que você não vê?
-Ele não é inocente, Verônica! Entenda!
-Não vou mais discutir com você sobre esse assunto! E você? Quer falar o quê com o meu filho?
Célio chega correndo à casa de Verônica e Murilo.
-Aconteceu uma desgraça!
-Com meu filho?
-Não, Murilo. Lá na igreja!
Verônica observa tudo afastada do marido, sentindo que a situação foi causada por seu filho.
-O que foi que aconteceu, Célio?
-Lar Celestial foi roubada!
-A igreja? A igreja de vocês foi assaltada? Mas o que levaram?
-O dinheiro das ofertas que ia servir pra comprar os seis bancos do templo.
-Célio, você tem certeza do que está dizendo?
-Não só tenho, Murilo, como também sei quem é o responsável por isso!
Verônica acaba desmaiando perto do sofá da sala.
-Verônica?- Murilo corre para acudi-la- Verônica, o que você tem? Fala comigo, Verônica!- Natália segura o pulso da esposa de um dos pastores.
-Ela está muito fria.
-Façam alguma coisa!
-Eu vou chamar a ambulância... – Murilo pega o celular.
-Não. Eu vou chamar um táxi. Nós vamos levá-la ao hospital- Natália começa a discar o número, e Murilo fica ainda mais apreensivo, já que continua sem saber o verdadeiro motivo da visita.


Rebeca abre a porta do apartamento.
-Vem rápido. Leva ele pro quarto- Paulo carrega Alexandre e o leva até o quarto do rapaz, onde o coloca na cama- Agora, pega uma tesoura e abre a camisa dele.
-Onde é que você vai?
-Vou buscar os instrumentos- A tesoura “tá” dentro da gaveta, não demora.
-Em qual gaveta ela colocou? Cadê... Ah, tá aqui. Achei!- fecha a última gaveta, quando olha para o rosto de Alexandre, ainda desacordado, segurando a tesoura com muita força- Melhor mesmo eu não me arrepender de deixar você vivo, Alexandre.
Rebeca volta ao quarto com um saco plástico transparente de instrumentos médicos.
-Você ainda não fez o que eu disse? Não dá pra perder tempo, Paulo! O cara pode morrer!
-“Tá”, “tá”, eu já vou cortar a camisa dele- vai ao outro lado da cama e faz a abertura necessária.
-Agora eu preciso que você fique segurando a cabeça do Alexandre.
-Rebeca, é arriscado deixar esse cara vivo.
-O Alexandre já “tá” aqui, Paulo. Se ele morrer, é pior. E a gente deu sorte de não ter visto ninguém no prédio, senão a polícia viria atrás da gente- Rebeca abre o saco e tira uma seringa cheia- Estende o braço dele.
-O que é isso?- pergunta, após obedecê-la.
-Anestesia, pra ver se ele aguenta a dor.
-O Alexandre “tá” muito pálido, Rebeca, ele não vai aguentar.
-Tem que aguentar. Além do mais, gente numa situação pior que a dele eu já vi não sei quantas vezes...
Com um bisturi, abre um pouco mais a ferida que está no corpo do assaltante. Em seguida, ela extrai a bala que o vitimou.
-Conseguiu...
-Agora é só fazer os pontos. Assim, ele vai parar de perder sangue.
-Mas e se ele não sobreviver?
-Depois a gente pensa em como se livrar do corpo. Mas do jeito que eu deixei, duvido que ele morra.
-E o dinheiro?
-Guardei no mesmo lugar que peguei os instrumentos. Se eu não tivesse roubado do hospital que eu trabalhava, o que ia ser dele agora?
-Você não acha que “tá” preocupada demais com esse cara?
-Me poupe disso, Paulo. É desse cara que depende a nossa liberdade.
-Por isso que eu achei melhor ter dado um fim nele ali mesmo.
-O idiota matou três policiais.
-E fez certo. Fez porque eu disse pra ele fazer. Se não fosse isso, a gente tava preso.
-Fez certo o escambau! Você atirou contra os policiais antes de eles passarem na frente do caminhão. Se eles sobreviveram, reconheceram a nossa cara. Quer mais uma morte nas costas pra quê? Raciocina, Paulo! A gente tem que calar a boca do Alexandre dando dinheiro pra ele, como ia ser desde o começo.
-Esse moleque que não me falhe, hein?
-Não vai falhar. Isso, eu garanto- o beija.


No corredor do hospital, Natália e Murilo esperam por notícias sobre o estado de saúde de Verônica, até que o médico chega.
-Qual de vocês é parente de Verônica Nobre?
-Sou marido dela. Como ela “tá”, doutor?
-Foi uma brusca queda de pressão, mas já normalizamos. Talvez tenha sido causada por algo de fundo emocional, alguma notícia que ela recebeu recentemente. Sua esposa vai ficar em observação por mais algumas horas. Depois, eu vou liberar pra você irem pra casa.
-E que recomendação o senhor faz?
-Aconselho que não a perturbem, que evitem qualquer tipo de desgaste. Não sabemos quando isso pode acontecer de novo. Por isso, poupem a Verônica de situações desagradáveis.
-Tudo bem. Muito obrigada, doutor.
-Posso entrar pra falar com ela?
-Sim, pode. Coloquei uma medicação contra a hipotensão no soro. Já está tomando. Pergunte ao rapaz da vigilância em que enfermaria ela está. Vocês vão me dar licença, mas eu tenho que atender os outros pacientes. Com licença.
-Melhor eu entrar, então.
-Não, por favor. Fica mais um pouco. Eu quero conversar com você. Aliás, com você e com a sua mulher, mas ela não está em condições ainda.
-Você foi à minha casa, mas não disse por quê. Sabe alguma coisa do meu filho?
-Do paradeiro dele, não. Eu nunca imaginei que ele tivesse desaparecido, não conheço as razões dele. Mas eu fui lá pra conhecer o “Gigante”.
-Que relação é a sua com ele? Não, não pode ser. ... Já sei: ele te roubou, não foi? A senhora vai denunciar meu filho?
-Murilo, não é nada disso. Queria conhecer o “Gigante” e falar com vocês por outro motivo. Tão ou mais sério que o desaparecimento dele.
-Eu não entendo.
-Como é que eu posso dizer isso pra que você me entenda?
-Seja o que for, não me esconda nada. Eu estou preparado pra ouvir qualquer coisa sobre o “Gigante”.
-Na verdade, sobre mim. Sou filha do Getúlio Veronese.
-Getúlio? Esse nome... Não consigo me lembrar.
-Foi o médico que ficou responsável pela fertilização in vitro da Verônica, sua mulher, que não conseguia ter filhos.
-Sim. Sim, agora eu me lembrei dele. Se não fosse ele, eu nunca conseguiria ser pai. Eu realizei o maior sonho da minha vida, e a minha mulher também.
-Verônica não realizou sonho nenhum. Você sim.
-Como assim “não realizou”? Nós temos um filho de dezoito anos.
-Vim de São Paulo pra contar toda a verdade pra vocês. Têm que saber de uma vez por todas...
-Que verdade? Do que a senhora “tá” falando?
-O ”Gigante”... O “Gigante” é seu filho, mas a Verônica... Não é a mãe dele.
-A senhora só pode ser louca... Que absurdo é esse? O “Gigante” não é filho da Verônica... Vai ser de quem, então?

-Sua esposa foi barriga de aluguel. O “Gigante” é seu filho, e a Verônica o gerou, sim. Mas o óvulo que estava nela era o meu. Meu pai não fez uma simples fertilização in vitro... Enganou a mim e a vocês dois. Você e a sua esposa não têm filhos em comum, porque a mãe do Gigante sou eu!

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