05/03/2013

CAPPUCCINO/ CAPÍTULO 5: EU QUERO TCHU, TCHÁ, VODCA, ÁGUA DE COCO E CAPPUCCINO



O musicista se levanta e tenta procurar o ex-namorado da amiga no meio do tumulto.

-Cadê você? Responde, Nicholas! Alguém me ajuda aqui a achar um pai desaparecido.

-Ih, garoto, melhor desistir. Esse que você deve estar procurando já foi pros ares.

-Não, ele não pode morrer. Já pensou em como eu vou dar a notícia da morte do cara pra mãe do filho dele?

-Conta a verdade. Ou manda ela ver o jornal.

-Não posso, ela está no quinto período de Letras. Ela vai implicar e inferir que a coisa é grave!

-Oi?

-Bah, mortais! Você não vai fazer nada? Manda os outros procurarem pra saber se ele escapou? Vai trabalhar, cara!

-Sinto muito. Mas nesse momento, eu tenho que bater nos manifestantes. Com licença- corre para o tumulto.

-Eu tenho que ligar pra Bella. Coitada, ela vai tomar um susto. Se bem que não vai ser maior que o meu, o malandro morreu na minha frente- tecla os números de celular da moça- Não funciona! “Mercadoria”!- o horário não permite linguagem depreciativa- Se eu não gastasse vinte e cinco centavos a chamada, jogava essa desgraça na lata do lixo! Eu tenho que voltar pra casa e falar com a Bella.



XXXXX



Leoni está em seu quarto, quando vasculha sua gaveta à procura da sua carteira.

-Mas onde foi que eu botei isso? Ah, tá aqui. Vou comprar o macarrão antes que o mercadinho feche.

Quando gira a maçaneta, sua porta não quer abrir.

-Só pode ser mentira. Deixei a chave fora. Caio, meu filho, você tá aí? Foi você que trancou a minha porta? Abre aqui alguém! Já sei: vou fazer que nem na televisão: avançar de lado e derrubar a porta- Leoni toma distância e bate com o corpo inteiro, mas leva uma pancada na cabeça e acaba desmaiando.



XXXXX



Achou desnecessária a cena? Calma, colega, vai melhorar (e piorar pra Caio). Dona Cris está preparando um cappuccino para o jovem.

-Desculpa, quem é a senhora?

-Amigo da minha filha há quase um mês e não conhece a mãe dela? Lastimoso...

-É a dona Cris?

-A própria. Prazer- aperta a mão do jovem- O que eu queria falar com você é sobre uma coisa grave.

-Bella?

-Por favor, toma um cafezinho. Está maravilhoso.

-Está com um gosto diferente.

-Vi isso na receita do “Hoje em dia”. Bella me disse uma vez que as receitas de cappuccino são diferentes lá no estrangeiro. Bebe. Bebe, porque a conversa vai ser longa. Eu sei de tudo.

-Tudo?

-Tudo o que aconteceu entre a Isabela e o pai do bebê que ela está esperando.

-Então a senhora já sabe que ela está grávida?

-Fui eu que descobri.

-Nem vou perguntar como a senhora está. Ainda mais depois de hoje...

-O que foi teve hoje?

O mocinho passa a ter uma tontura.

-A Bella... Ela precisa dar um pai pra esse bebê.

-Eu concordo com você, menino. Concordo plenamente com você. É Caio o seu nome, não é?

-Penso que seja... Zoró no momento.

-No caso, Caio, você precisa me ajudar a resolver o problema da minha Isabela.

-Depois de tudo o que aconteceu, eu acho que não tem a menor condição. O bebê dela vai nascer com um traço na certidão... - nova tontura- Gente, a senhora estudou catequese?

-Não, por quê?

-Porque tenho certeza que isso foi batizado.

-E foi.

-É o quê, menina?

-Dramin B6: uso pra dormir quando a minha filha me traz problemas.

-Por que a senhora fez isso? Cadê meu pai?

-Não se preocupe: seu pai está fora de perigo. Já você pode estar com os dias contados. Eu sinto muito, querido, mas das sete notas, você só vai se lembrar de dó.

-A senhora parece ser uma mulher sensata. Vai pensar bem antes de fazer alguma coisa comigo.

-Já pensei.

Cinco minutos depois, Caio estava amarrado numa cadeira de plástico Tramontina!

-O que a senhora está fazendo?

-Bom, você é jovem e tem lições a aprender na vida. A principal é não beber café oferecido pelos outros.

-Eu estou ficando com...

-Sono? Não se preocupe. Vou fazer você acordar. Peguei o pen drive da vizinha.

Usando o maior nível de decibéis possíveis, começa a torturar o musicista com onomatopeias atuais que definem a música brasileira. Começa uma cuja coreografia é executada com primor por Cris.

-Para com isso, por favor.

-Nunca!- cantarola- “Mas se um dia você vacilar, e eu chegar bem perto de você, vou prender você na minha rede. Você vai ver o que é que eu vou fazer: Eu vou pegar você e tãe, tãe, tãe, tãe!”

-Desliga!

Muda a música.

-“É uma dança sensual e na Várzea já pegou. No Pina explodiu! Em Candeias já bombou! No Nordeste, ‘as mina faz’, no verão vai pegar! Então, faz o tchu tcha tcha. O Brasil inteiro vai cantar com João Lucas e Marcelo... Eu quero tchu... eu quero tcha... Eu quero tchu, tcha, tcha, tchu, tchu, tcha, tchu, tcha, tcha, tchu, tchu, tcha”!

-Clemência, por favor! Eu faço o que a senhora quiser!

-Já está acordado? Então, é melhor você colaborar com as minhas investigações. Você engravidou a minha filha, não foi, safado?

-Não fiz nada!

-E nem vai fazer, porque ainda não acabei contigo! Próxima, DJ!- fala consigo mesma e põe outra- “Bará, bará, bará! Berê, berê, berê! bará, bará, bará, berê, berê, berê, berê! Bará, bará, bará! Berê, berê, berê! bará, bará, bará, berê, berê, berê, berê”!

-Cala essa pen drive agora! Eu não aguento mais!

-Você é o pai do filho da Isabela?

-Não, não sou!

-Não? Então, não resta mais a fazer, a não ser... “Parapapá, pararapapá, pararapapá... garrar, beijar, fazer parapapá! É nóis fazer parapapá, pararapapá, pararapapá... garrar, beijar, fazer parapapá”!

-Se eu ouvir mais uma onomatopeia hoje, eu mato minha professora de sintaxe do Fundamental! Pela última vez, eu não sou o pai do filho da Isabela!

-Ok, você me convenceu a pegar mais leve. Eu vou te dar mais uma chance pra contar tudo o que você sabe. Vou me conter e pôr um clássico: “Águas de março”.

-Pelo menos não é “Ex mai love”. Desculpe, é que tocou tanto aquela mulher no ano passado que enjoei.

-Não se preocupe. Você não terá nem sombra de “Ex mai love”.

Claro que ela foi irônica e pôs a versão tecnobrega da música. Aí Caio se lembrou do famoso “Se botar meu amor na vitrine, ele nem vai valer R$ 1,99”. Nada contra, mas gente cult não gosta. E não sou cult. Por isso, sabia da existência da versão. O musicista sai correndo, com uma cadeira amarrada nas costas até o apartamento da Bella. Dona Cris, que não é besta nem nada, segue-o.



XXXXX



Thaís está quase indo embora do apartamento, quando uma sinfonia sinistra começar a tocar no aparelho televisor. Plantão. Ela e Taciana veem a notícia dada pela âncora.

-E hoje à tarde ocorreu uma rebelião que culminou na morte de uma pessoa que deixou a carteira no local onde tudo aconteceu. Foi identificado como Nicholas Ferrari. Nas redes sociais, amigos retardados começaram a cutucá-lo. No Twitter, por exemplo, já foi retweetado mais de 400 vezes, apenas por dizer que iria mudar o username para “Cafachorro”.

-Cafachorro? O Nicholas apareceu na TV?- senta Isabela no sofá.

-Amiga, você vai ter que ser forte.

-Normal pra mim. Escrevo livros de autoajuda.

-Teu ex bateu as botas.

-Não me deixa, cafachorro!- arma um escândalo teatral- Você não pode me deixar sozinha, Nicholas! Eu amo você!

-Mas você não falou que escrevia autoajuda?- rebate Taciana.

-E funciona, por acaso?- Caio chega amarrado à cadeira, mas ouve o desespero de Isabela e percebe que a notícia do fim de Nicholas chegou aos ouvidos da amiga- Como é que vou conseguir viver sem ele, minha gente?

-Ah, miserável! Você não me escapa!- entra Cristina com um rolo de macarrão para bater em Caio- Ah, você está aí também. Isabela, agora eu quero ver quem vai me contar quem é o pai do seu filho. É ele, não é?

-Mãe... - Isabela está se debulhando em lágrimas.

-Eu sou o pai! Pode me bater, mas eu sou o pai. E vou criar o bebê junto com a Bella.

Thaís e dona Cris ficam chocadas com a mentira contada, mas levam ao pé da letra. Isabela, coitada, nem se fala. Taciana, que não está muito interessada em dar ganchos para que acompanhemos o capítulo seguinte, solta a seguinte pérola para sair da sala.
-Agora que se resolveu tudo, eu vou lá pra minha quitinete saber pela vizinha o que foi que houve em “Rosalinda”.

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