05/05/2019

SETE LENDAS UNIVERSITÁRIAS/ CENA 1: A MULHER DE AZUL


Joga Fora No Lixo Produções apresenta

um filme de Felipe Lipstein

baseado em fatos sobrenaturais

Benedetto aparece escrevendo algumas histórias relacionadas à sua graduação no diário, utilizando uma caneta vermelha.
BENEDETTO (NARRADOR): Descobrir que foi aprovado numa lan house, ficar careca, ser besuntado por Sidra Cereser e farinha de trigo... Fevereiro foi um mês de inúmeras emoções, e banhos também. Mas para fechá-lo com chave de ouro, eu precisava ir ao teatro da universidade pra efetuar a minha matrícula, depois de conseguir a ficha 19 e pagar bilhões de mensalidades atrasadas do cursinho. Terminada a entrega de documentos, sou abordado por uma figura mítica: a mulher de azul.
MULHER DE AZUL: Com licença. Você é um dos novos universitários?
BENEDETTO: Sim, como é que você sabe? Ah, claro, pela cabeça raspada.
MULHER DE AZUL: Não, pela expressão de felicidade. A gente vê quem realmente é calouro de longe... Não gostaria de fazer um cartão de crédito com a nossa empresa?
BENEDETTO: Pra falar a verdade, não. Não tenho como pagar.
MULHER DE AZUL: Ah, eu sabia que você aceitaria. Pode me fornecer seus dados?
BENEDETTO: Mas eu disse que...
MULHER DE AZUL: Não se preocupe. Use até você não ter mais condições de pagar. Um cartão de crédito é bom para comprar os livros dos quais você vai precisar. E depois, se não quiser mais o cartão, você pode pagar uma anuidade de dez reais ou procurar alguém com a mesma farda que eu pra cancelar o cartão.
BENEDETTO: E onde é que eu encontro vocês?
MULHER DE AZUL: Não se preocupe... Eu sei onde posso te achar...
(fundo musical: “Metálica”)
Benedetto demonstra sentir medo da criatura mítica.
BENEDETTO (NARRADOR): O cartão de crédito é como a chegada dos dezoito anos: te dá a impressão de que você pode fazer qualquer coisa... Investir na degustação de sorvetes de nata goiaba, por exemplo. Mas logo eu vi que não queria ser mais pobre do que já era desde que deixei a maternidade e fui procurar na universidade a tal mulher para cancelar o meu cartão.
BENEDETTO: (caminhando pelo campus) Foi bom ter vindo aqui. Pelo menos eu conheço o prédio no qual vou estudar.
(fundo musical: “Estertantine”)
O ex-vestibulando se assusta com uma pilha de cadeiras formada em frente ao seu futuro centro de estudos.
BENEDETTO: Melhor deixar pra outro dia.
BENEDETTO (NARRADOR): Esperei agosto chegar para voltar à universidade. E logo fui recebido por ela, que sequer lembrava que já tínhamos conversado.
MULHER DE AZUL: Você é aluno novo daqui?
BENEDETTO: Começo hoje.
MULHER DE AZUL: Ah, que ótimo. Que tal fazer um cartão?
BENEDETTO: Mas eu já tenho um. Foi até você que me sugeriu fazer... Quer dizer, era parecida com você.
MULHER DE AZUL: Qual é a bandeira do seu?
BENEDETTO: “Enxerga”.
MULHER DE AZUL: Faça outro, então, mas com a bandeira “Grande Card”.
(fundo musical: “Tema de Claudius”)
BENEDETTO: Você não vai me deixar em paz mesmo?
MULHER DE AZUL: Não. Deixe que eu me corrija: não vamos.
Várias mulheres usando a mesma farda aparecem diante de Benedetto.
BENEDETTO (NARRADOR): Chegou uma carta pra mim que me permitia renegociar as dívidas que contraí. Dei um jeito e paguei. Mesmo assim, o telefone não parava de tocar.
(fundo musical: “Dama dormida”)
O celular de Benedetto toca, e o visor mostra o seguinte texto: “collegamento de San Paolo”.
LOCUTOR: “Ligação de São Paulo”.
BENEDETTO: Alô?
ATENDENTE: Eu gostaria de falar com Benedetto Argilla.
BENEDETTO: Sou eu, quem é?
ATENDENTE: Aqui é da empresa que fez o seu cartão. Pelo relatório que fizemos, o senhor nos deve uma coisa astronômica.
BENEDETTO: É mesmo? Fala com a Nasa, eu já paguei tudo!
BENEDETTO (NARRADOR): Cartas e mais cartas não paravam de chegar, dizendo que eu ainda tinha uma dívida com o cartão. Numa delas, até fui avisado de que, se paguei, deveria escanear o comprovante e enviar por e-mail. Foi o que fiz, mas a empresa disse que minha pobreza era referente a outro processo... Pois bem, abriu porque quis! Mas é melhor eu mudar de assunto. Um dos maiores passatempos que eu tinha era manter meu vício de comer cachorro-quente em frente ao lago da universidade sempre que eu tinha aulas pela manhã. Mas eu nunca tive muita afinidade com mato, sabendo que certamente as formigas iriam me atacar pela calça. Pra completar, vez ou outra eu vi um curioso exército caminhando por lá e abordando jovens desavisados, como eu.
(fundo musical: “For the last time, we'll pray”)
Diversas mulheres vestidas de azul andando perto do lago citado encontram Benedetto, assustando o rapaz.
(fundo musical: “Iniciação”)
A cena termina com Benedetto, segurando um cachorro-quente com a expressão mais apavorada do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário