10/05/2019

SETE LENDAS UNIVERSITÁRIAS/ CENA 6: A GRADUAÇÃO SIMBÓLICA


BENEDETTO (NARRADOR): Estava pronto para encerrar as minhas atividades universitárias. Ela é que não se sentia preparada para livrar-se de minha pessoa. Entre terminar o curso com a mais absoluta tranquilidade e seguir como graduando dispondo de profunda calma, eu preferia ter de entregar o campus aos calouros e pedir desculpas por não ter mais a mesma animação que eles. Pudera. O semestre de aulas final veio para matar-me com cruel intensidade. A começar porque uma determinada disciplina não tinha lançado as minhas notas no sistema, o que inviabilizava que eu me matriculasse em outra obrigatória. Se bem que eu devo admitir não ter sido de meu agrado aquela matéria... Mas o que dominava as conversas era o trabalho de conclusão de curso. A professora que coordenava a disciplina foi questionada sobre a confecção daquela desgraça.
MARISA: Professora, eu confesso que só de falar no TCC já fico nervosa.
SUSANA: Marisa, não é tão difícil de fazer um TCC assim como dizem. É só escrever de maneira brilhante sobre um tema que você domina.
BENEDETTO (NARRADOR): Não domino nem minha vida, quanto mais isso! Mas o mesmo mês de início das aulas do último semestre serviu para que procurássemos pessoas que aceitassem nos orientar e até mesmo duplas para redigirem o trabalho, uma vez que, quanto menos textos, maior era a possibilidade de descobrirmos professores orientadores. Achamos uma pessoa, e esperamos que ela analisasse meu projeto para sabermos se seríamos conduzidos por ela ou jogados às traças da academia. Enquanto isso, coisas completamente fora da ordem aconteciam nos corredores do prédio em que estudávamos. Certa vez, eu estava perto da varanda quando um jovem poeta, que era meu colega de turma, aproximou-se de mim para saber informações a respeito de uma determinada ementa. Sabia de todas as informações daquele curso, apenas desconhecia o método que me faria passar nas provas. Eis que eu possuía a mania de alertar meus colegas de turma com e-mails e notificações de um grupo intitulado “Detenção”, porque era impossível não se sentir preso. Só que houve uma ocasião que eu me esqueci de avisar aquilo que um dos professores cobraria, o que lhe fez ficar irritado comigo a ponto de me rogar uma praga.
(fundo musical: “Nightie night (Eletro Trio 2014)”)
JOFRE: Cuidado, hein, Benedetto? Qualquer dia desses eu faço você sofrer um acidente e você rola escada abaixo.
BENEDETTO: Nada me atingirá, homem soturno. Meu medo era descobrir que no primeiro dia de aula seria vítima de um trote. Uma amiga alertou-me anos depois: o curso era o trote.
BENEDETTO (NARRADOR): Entreguei o projeto à pessoa indicada pela coordenadora de TCC para orientar o trabalho. Esperei mais de trinta dias. Não sabia responder em qual estalagmite ela estava escondida porque o paradeiro da mulher era algo completamente desconhecido. Eis que, numa terça-feira chuvosa, eu tinha uma disciplina cuja aula duraria quatro horas. Apareci na faculdade com um guarda-chuva que parecia uma Kombi quando armado e uma espada quando desativado. Procurei a orientadora e ela não estava em sala. Depois, encontrei uma amiga e fiquei por alguns minutos no laboratório de informática utilizando o Orkut sem a necessidade de pagar lan house. Inventei, por um desses mistérios que me cercam, de usar uma escada que ficava próxima a um dos banheiros. Sabe o que me aconteceu, diário querido?
(fundo musical: “Tema de Diná em Nosso Lar”)
Benedetto relembra o dia em que cai da escada, mas a cena o exibe precisamente no alto desta.
BENEDETTO (NARRADOR): OK, admitirei que foram dois degraus somente, mas foram bastantes para torcer meu pé direito. E a dor era intensa. Tanto que entrei no banheiro, massageei na esperança de que ela cessaria e saí mancando de lá, deixando aquela Kombi/guarda-chuva/espada que me acompanhava. Pensei seriamente em procurar uma unidade de pronto-atendimento. Mas, como torcer o pé não é uma doença infectocontagiosa e não justifica falta, eu fiquei lá com a expressão de dor como quem estava preocupado com o futuro da pedagogia nacional. O médico recomendou uma radiografia e, comprovada a torção, fez com que eu ficasse uma semana em repouso, sendo que eu deveria reservar os três primeiros dias para não colocar o pé no chão. Tudo de acordo com a cabeça de quem tem compromissos acadêmicos, não é? Voltei ao campus mancando, debaixo de chuva, tudo para ver se obtinha uma resposta da orientadora. Ela aceitou ajudar-nos, desde que não fizéssemos um trabalho baseado naquele projeto, e sim acatássemos alguma das propostas que ela nos fez. Discuti sobre o assunto com minha dupla, mas quem falou que conseguíamos dar uma resposta? A mulher sumiu antes da Copa do Mundo e durante a transmissão da mesma!
BENEDETTO: (conversando na faculdade) Vamos esperar até meio-dia, que é a hora em que termina a aula dela. Depois, vamos falar com ela. A mulher terá que retornar para a própria sala em algum momento (um barulho de moto é escutado). Você ouviu isso, bambina?
(fundo musical: “Saga”)
Uma motocicleta, conduzida pela orientadora, passa sobre as folhas secas que estão jogadas no estacionamento do prédio.
BENEDETTO (NARRADOR): Depois de ser supostamente repreendida pela coordenadora da matéria, a mulher fez-se presente como nunca. Mas nem ela, nem o arguidor e muito menos minha dupla conseguiram impedir que eu falasse mais do que a boca, excedendo meus quinze minutos de apresentação. A qualquer momento eu poderia ter minha defesa interrompida com um diálogo perturbador, já que eu não parava de justificar a importância do texto e a doçura do homem iria para as cucuias.
ARGUIDOR: Vamos fazer o seguinte: vamos terminar com essa apresentação, sabe por quê? Isso já tá virando palhaçada, vai ser a minha pressa de sair contra a sua defesa a conta-gotas. Respeito ao tempo de quinze minutos é uma coisa muito diferente de seu desespero, porque tem gente que não sabe o que é respeito. Só pra você saber: não atrasarei as minhas considerações sobre o trabalho da dupla porque, quando vocês chegaram, eu já estava no degrau pra subir à sala, e isso tem os funcionários da coordenação pra provar. Eu só preciso da minha pressa contra a sua lentidão. Não tomei tempo do TCC de ninguém porque cada um tem o seu tempo de apresentação, o arguidor não precisa do tempo de ninguém além do que ele tem. Também tenho que falar. Vamos fazer o seguinte: vamos acabar com essa defesa porque eu não preciso estar me estressando nem perdendo o meu tempo com essa análise de dados. Vamos fazer o seguinte...
(fundo musical: “Comoção”)
ARGUIDOR: Diploma? Tem diploma, querido? Então, eu não preciso estar discutindo. No dia em que você puder conversar comigo sobre o que é cadeira obrigatória, cadeira eletiva, cadeira quebrada, apresentar um trabalho em vários idiomas- incluindo o português e o “enrolation”- aí você vem falar comigo. Mas por enquanto, que não tem diploma, não precisa nem olhar para mim! Tá OK?
BENEDETTO: Mas ainda falta eu explicar por que colocamos esse gráfico em formato de pizza...
ARGUIDOR: Não devo tempo a ninguém, o seu trabalho é você quem faz. Não importa se é pizza, se é pastel... Não me interessa! Eu poderia ter paciência, mas como professor é desprovido desse sentimento, eu não vou nutri-lo.
BENEDETTO: É coisa rápida, só umas oito páginas...
ARGUIDOR: Esse negócio de TCC acaba hoje, eu não quero ouvir mais um pio! É um pio que eu não quero mais ouvir, e eu tô falando sério porque professor é aquilo que eu falei: não tenho paciência! OK? Você pode ser o presidente da chapa, o rapaz que apresenta lendo os slides, o aluno que almoça biscoito Treloso pra não enfrentar a fila do Restaurante Universitário, o estudante que mora no Raio Que O Parta! Aqui, hoje, acabou esse TCC! OK?
(fundo musical: “Pare”)
BENEDETTO (NARRADOR): Seria maravilhoso se isso acontecesse e nós não tivéssemos de viver sob aquela tensão. Felizmente, tudo acabou bem; ou melhor, acabou! Era a hora de ocupar a cabeça com outra preocupação: os trâmites que envolviam a formatura. Depois de dois anos depositando religiosamente o dinheiro, era o tempo de usufruir um pouco de luxo durante quatro noites. Apesar de toda a pompa que os eventos pediam, estava mesmo ansioso para o primeiro evento, a aula da saudade, porque meses antes fomos envolvidos numa eleição para o aluno da turma que seria homenageado. Presidência da república no segundo semestre de 2014? Que nada! Este era o resultado ao qual me propunha a descobrir. Acontece que, no dia programado, eu acordei tranquilamente e abri uma rede social para saber se havia novidades relacionadas à primeira confraternização. Estava pronto pra que chegasse o dia do baile, que me obrigava a usar um smoking que eu não havia alugado, e passar pelo tapete vermelho como quem jamais utilizou o transporte público em horário de pico.
(fundo musical: “Querido profesor”- “tan guapo como Luis Miguel/ querido profesor”)
Benedetto se imagina acenando para as pessoas enquanto passa sobre o tapete vermelho do baile de formatura.
BENEDETTO (NARRADOR): Houve, em meu cérebro problemático, a infeliz ideia de ligar o computador para acompanhar as notícias. E uma de nós escreveu no grupo a seguinte pergunta:
MARIA: Gente, há boatos de que a nossa querida 6M abriu falência, procede?
(fundo musical: “Iniciação”)
BENEDETTO (NARRADOR): A quem interessar possa: 6M era a agência responsável pela formatura da turma. E foi para fazer fotos na sua sede que espremi uma espinha que estava em minha testa há dois anos. Como havia detalhes pendentes referentes ao aluguel e as bebidas, todos entraram em desespero. Algumas pessoas, inclusive, souberam da notícia quando estavam no salão de beleza, em produção para a aula da saudade. Foi o fim. Mas é inegável que a comissão procurou soluções viáveis, e uma delas foi uma vaquinha virtual para angariar fundos. Isso sem mencionar alternativas como vender doces, pedir dinheiro nos semáforos e criar um evento alcoólico chamado “Festa do calote”, já que a vaca foi para o brejo! Eu, que já estava beirando à febre emocional e a uma rouquidão surpreendente, decidi fazer um vídeo divulgando a vaca utilizando a camisa das fotos oficiais.
(fundo musical: “La maison”)
BENEDETTO: Ajude a nossa turma a se formar através da vaca que eu disponibilizei na descrição do vídeo. E utilize as hashtags #VaiTerFormaturaSim e #ESeReclamarVãoTerDuas.
BENEDETTO (NARRADOR): A formatura aconteceu e tudo deu certo por inúmeros fatores, sendo que nenhum deles era eu. Explico: além de ter divulgado a vaca errada... Quero dizer, o link da vaca errado, gravei o vídeo no térreo do prédio mais alto da universidade. Só que fui acusado de fazer política por conta de uma parede pichada.
(fundo musical: “Última inspiração”)
Um zoom mostra que, ao lado de Benedetto, havia o desenho de uma foice e de um martelo, símbolos do comunismo.

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