-Fala alguma coisa, Milena, eu tô nervoso. O
que foi? Tá com dúvida? Tá com medo?
-Tô, mas de coisa muito mais grave. Você é
que deve ter ficado com medo, pra falar disso quando seu irmão não tivesse
perto da gente.
-Eu não quero que ele pense mal de você.
-E de você? Ele pode? Porque é o que tá
parecendo. Você se comporta como se tivesse devendo alguma coisa a ele.
-Não é nada disso.
-Pedro, já que é pra contar a verdade, eu vou
falar porque não quero machucar nenhum dos dois. Você só tá insistindo nessa
ideia de namoro porque eu não dei o “chega pra lá” antes. Eu gosto muito do
Fabrício, desde a primeira vez que eu vi naquele carro. Só que eu não tô
namorando ele porque ele não vai ter coragem de me pedir se não tiver certo de
que vai voltar a andar.
-Mas isso é só uma questão de tempo. O
Fabrício tem que ter paciência.
-Paciência? Aquele lá?
-Bem que eu tava desconfiado de que tinha
alguma coisa prendendo vocês dois. Mas uma coisa eu não posso negar, Milena.
Apesar de tudo isso, eu não consigo esquecer que tô apaixonado por você.
-Mas vai dar um jeito. Eu não vou ficar no
fogo cruzado, mesmo que eu tenha achado lindo aquele pedido de namoro, e a sua
declaração também. Eu não tô fazendo de tudo pra vocês pararem de brigar e começarem
tudo de novo por minha culpa, Pedro.
-Milena, escuta só...
-Não! Eu não vou escutar mais nada. Se você
me respeita, esquece o que a gente acabou de conversar. Apaga da tua mente.
-O que vocês tanto conversam aí, hein?- grita
Fabrício.
-Sobre você. Sua recuperação- responde Pedro,
um pouco nervoso.
-Vamos pegar o Fabrício e voltar pra casa.
-Mas já, Milena?
-Eu quero ir embora.
-Só porque eu falei a verdade, você quer ir
embora pra casa?
-Não. Eu quero levar o Fabrício pra mansão e
de lá eu volto. Só pra ele não estranhar nada. O que a gente conversou aqui, morreu.
-Pra você, só se for.
-Pra você também, Pedro.
Principalmente pra você- após alterar o tom de voz, Viviana se levanta e vai
até Fabrício, deixando Pedro chateado com sua nova recusa.
*****
Ludmila vai ao local do acidente e
continua com suas investigações sobre os segredos que envolvem a família Faria.
Ela encontra a mesma moça que não conseguiu dar informações quando o pai de
Viviana foi procurá-la.
-Dá licença. Eu tô procurando
informações sobre uma moça.
-Pode falar. Ela é do ramo?
-Não, acho que não. Mas é que ela
estava aqui quando houve um acidente, não sei se você soube. Foi um acidente de
carro, ela socorreu o motorista. O nome dela é...
-Viviana?
-É Milena.
-Calma aí, é Viviana mesmo. Não foi a
moça que foi na ambulância com o cara? Saiu no jornal que ele era de uma
família cheia da grana. Ele morreu?
-Não, tá bem. Se recuperando.
-Sei. Foi a Vivi.
-Espera, tá havendo um engano. Essa
moça se apresentou como Milena.
-Pois quando ela veio parar no ponto,
o nome era outro.
-Ponto?
-Aqui não é colégio de freiras, não,
filha...
-Mas, espera... A Milena... Quer
dizer, essa Viviana trabalhava no ponto?
-Ela chegou faz uns dias, parece que
veio de outra cidade. Não arrumou cliente nenhum, e no primeiro dia do
trampo... Ela foi parar no hospital pra socorrer o cara e não voltou mais. Quer
dizer, só ontem pra dormir e trocar de roupa. Mas o cara pra quem a gente
trabalha não quer saber de dar mordomia. Ou ela pega no pesado ou não volta
mais.
-Só pode ser um engano. Olha, eu vou
te mostrar uma foto da moça que eu tô procurando, certo?- Ludmila exibe uma
imagem de Viviana ao lado de Pedro e Fabrício, registrada na praia às
escondidas.
-Olha só, ela trocou de ponto e não
avisou nada. Ah, bandida... Pode escrever, é a mesma moça. E esse cara da
cadeira é aquele que tava no carro.
-Milena, Milena, você não devia ter
mentido. Você acaba de afundar o nome da família Faria na lama. Vagabunda.
*****
Ricardo está à mesa de jantar quando
percebe diversas chamadas perdidas de Cora em seu celular. Neste momento,
Cristina decide interromper a refeição do marido.
-Finalmente em casa, querido! Soube da
última? O Fabrício foi à praia com o irmão e aquela moça.
-Bom pra ele.
-E pra todos nós, que estamos nos
reerguendo depois dessas tragédias.
-Fale isso por você, Cora.
-Do que foi que você me chamou?
-Fale isso por você agora. É, agora,
porque só agora que você vai pôr a cabeça no lugar e perceber que a recuperação
do Fabrício é algo insano.
-Insano? Eu vejo o progresso que meu
filho consegue fazer.
-Progresso esse que, para mim, é
insuficiente. Chega a ser nulo o esforço que a Milena e o Pedro fazem.
-Antes nulo deles do que o que é feito
por você.
-Se você vai jogar na minha cara que
eu não cuido do Fabrício como deveria, eu vou embora.
-Isso é uma constatação sua, Ricardo.
Deve ser a culpa batendo, por perceber que não está mais tão próximo do seu
filho caçula como antes.
-O que quer que eu faça? Que eu ponha
um sorriso de orelha a orelha fingindo que está tudo bem dentro da minha casa?
-Pelo menos durante a festa que eu vou
realizar, sim.
-Acredito, sinceramente, que seja dinheiro
jogado no lixo. Afinal, Cristina, você está comemorando um progresso que não
existe.
-Talvez porque ele seja igual ao nosso
casamento: cada dia mais eu me convenço de que ele não existe- Ricardo se
levanta da mesa e esquece o celular nela. Cora vai atrás do marido até a porta
da casa- Vai se esquecer de tudo o que eu falei? Mas como? Indo se encontrar
com alguma amante?
-Talvez eu devesse. Quem sabe assim o
nosso casamento teria mais um pouco de emoção, e eu fosse menos infeliz?
-Você me conhece bem, Ricardo, e sabe
que eu sou capaz de qualquer coisa. Uma única traição descoberta, e eu mato.
Tanto ela quanto você.
-Doente. É isso que você é, Cristina.
Apenas isso- abre a porta e vai embora.
*****
Fabrício e Pedro estão no quarto,
fazendo novos exercícios.
-Você ouviu a briga?
-Começou a ser rotina já.
-Acho que é por minha culpa.
-Não, a culpa é só do nosso pai. Ele
tem que aceitar e acreditar na sua recuperação. Não agir como uma criança.
-Pedro, você sabe o que a Milena teve
hoje na praia? Ela tava tão animada, de repente mudou de figura. E parece que
foi tudo depois de conversar contigo.
-Fabrício, só a Milena pode falar o
que houve.
-Eu tô perguntando pra você.
-Mas é um direito dela de falar ou
não. Fica tranquilo que é bobagem. Ela gosta muito de você.
-Não acredito.
-Tô falando na boa.
-Isso é sério mesmo?
-Não vai demorar muito. Vocês dois vão
ficar juntos.
-Eu queria te agradecer, cara.
-Pelo quê, Fabrício?
-Por tudo. Eu sei que esses
exercícios, essa coisa de ficar me acompanhando é por causa da aposta com a
mamãe, mas... Eu vejo que eu fui estúpido contigo, desde o começo. E o amor da
dona Cristina por mim é tanto que... Ela não se importa por eu ser adotado.
-Nem nunca foi assim.
-Vamos ficar na paz, cara?
-Sempre, irmão.
-Eu também quero te contar um segredo.
-Qual?
-Sabe essa festa que a mãe tá armando?
-U-hum. O que tem?
-Eu vou aproveitar e pedir a Milena em
namoro.
-Namoro?- Pedro fica surpreso.
-Tenho certeza que ela vai aceitar.
Não é boa a ideia?
-É. Massa- o estudante tenta conter o
constrangimento.
*****
-Não, Cristina. Você não pode ligar
pra ele. Isso é se rebaixar perante aquele cafajeste. Não, não posso mais
aguentar. Eu tenho que saber onde ele está- a mãe de Fabrício e Pedro pega o
telefone fixo e disca para o marido. Mas o celular dele toca sobre a mesa. Ao
percebê-lo, recolhe-o e decide vasculhar as notificações- Uma ligação perdida
da casa de Cristina... E quinze ligações não atendidas de Lauveríssimo. Quem é
Lauveríssimo?
*****
Os dias se passam e Pedro decide ligar
pra Cora.
-Professora?
-Oi, Pedro. Como está?
-Eu tô bem. Mas tô achando sua voz
meio triste, o que houve?
-Problemas pessoais, mas não é nada
grave.
-Eu quero convidar a senhora pra uma
festa. A festa é minha mãe que tá organizando, em homenagem ao meu irmão, que
vem se recuperando um pouco.
-Eu não sei, Pedro.
-Faz um esforço, tia Cora.
-Ok. Talvez seja melhor pra dar uma
espairecida. Me dá o endereço- Cora anota num caderninho que traz consigo
dentro da bolsa- Ok, às nove horas? Estarei lá. Até mais, querido.
-Quem era, filho?
-Minha ex-professora do conservatório.
Chamei ela pra festa do Fabrício.
-Você ainda tem contato com aquela
gente, Pedro?
-Ah, mãe. É só uma festa. E vai ser
aqui dentro de casa, não vou bancar o Beethoven não, tá? Agora deixa eu ir que
tenho que chegar cedo na facul hoje. Beijo- Pedro beija a cabeça da mãe e pega
seus manuais de Medicina.
*****
Ricardo se encontra num terreno baldio
com Ludmila e entrega uma maleta cheia de dinheiro. A moça chega de táxi e pede
pro motorista esperar.
-Trouxe o que eu pedi?
-As fotos primeiro.
-Vou te entregar uma pasta com todas
as cópias.
-Como é que eu vou saber se essas são
as últimas mesmo?
-Porque você está pagando o meu
silêncio.
O publicitário abre a maleta, para que
Ludmila confira as notas. A garota fecha o objeto e diz:
-Escuta bem: nada de gracinhas. Nenhum
homem misterioso atrás de mim, ou assassino de aluguel querendo tomar a grana.
Qualquer coisa que aconteça comigo é obra sua a partir de agora. Foi um prazer negociar
com o senhor, Ricardo Faria.
A moça entra no táxi, enquanto Ricardo
vai em outra direção.
-Salva. A minha família está salva
agora.
*****
Finalmente a festa começa. Pedro recebe Cora
em sua casa.
-Bem-vinda, tia Cora.
-Obrigada, Pedro. Sua casa é realmente muito
bonita.
-Mas vive numa reforma interminável, minha
filha. Sabe como é? Mãe que gosta de ostentar e se sente como se fosse do
elenco das “Mulheres Ricas”.
-Imagino. Bom, me apresenta sua família,
então.
-Claro. Olha só, esses são os meus pais: Cristina
e Ricardo.
O ex-casal de amantes empalidece com o
reencontro. Cora aperta a mão de Ricardo.
-Prazer.
Bastou a professora falou para que Cristina
percebe a troca de olhares entre ela e o seu marido.
-Prazer.
-Você é a...- Cristina busca interromper a
conversa entre ambos.
-Cora.
-Seja bem-vinda, querida. Escuta, Pedro, cadê
seu irmão?
-Não sei, deve ter ficado com a Milena em
algum lugar.
-Sempre essa garota. Vamos procurar os dois.
Enquanto Pedro e Cristina buscam Viviana e
Fabrício, Cora e Ricardo discutem.
-O que significa isso? Você veio me perseguir
dentro da minha própria casa e usou meu filho pra isso?
-Ficou louco? Eu não fazia ideia de que o Pedro
era seu filho.
-Por favor, silêncio- pedia Cristina ao
segurar um microfone, sobre o palco com o filho e a amiga dele- Meu filho, Fabrício
Faria, gostaria de dizer algumas palavras nessa ocasião tão especial.
-Hoje é um dia muito especial mesmo. E não só
por eu ter decidido lutar pra ficar bom, mas também porque eu quero recomeçar
do zero e pra isso, dar importância a quem realmente me deu importância: minha
família. Só que é mais do que isso. Mais do que uma comemoração, eu quero usar
esse espaço pra fazer um pedido muito importante. Milena- segura a mão da moça-
quer namorar comigo?
Viviana fica emocionada, mas sua emoção é bloqueada
quando percebe a maior parte das pessoas rindo.
-O que está acontecendo?- pergunta Ricardo.
-Por favor, Ricardo. Cora, e você? Se prestar
a esse papel ridículo, trazer essa prostituta pra cá- dizia uma mulher da
festa.
-Do que ela tá falando, Milena?- estranha
Pedro.
-Saiu na internet há quinze minutos. Qualquer
um pode ver. Essa moça que seu filho está pedindo em namoro é uma garota de
programa- completava a informação outro convidado- Olha bem isso- entrega o
celular pra Fabrício.
Na manchete do Diário da Cidade, diz: “Filhos
de família tradicional estão conhecendo melhor garota de programa”, com direito
à foto de Pedro, Viviana e Fabrício na praia. A moça começa a chorar e Fabrício
levanta a cabeça, olhando para a jovem e percebendo que a matéria escrita por
Ludmila tem seu resquício de verdade.
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