06/02/2013

AINDA É CEDO/ CAPÍTULO 10: PORQUE EU NÃO TINHA MAIS NINGUÉM


-Eu não acredito nisso! Como é que você teve coragem de vir pra cá, depois de tudo o que aconteceu com o seu irmão?
-Mãe, calma.

-Eu não posso, eu não consigo. Você vai pra casa comigo agora.

-Desculpa, mas não vou mesmo.

-Quer que eu pegue o cinturão?

-Mãe, isso tá ridículo, para!

-Parar? E você tem limites também? A essa hora, você devia estar na sua faculdade de Medicina, ou do lado do Fabrício convencendo ele a se sentar na cadeira de rodas... Mas não! A sua preocupação é vir encontrar esse bando de desocupados, que não quer nada com a vida.

-Olha aqui, não é só eles que a senhora tá ofendendo, não.

-A você também? E o que você quer que eu pense, Pedro? Que você é um menino de bem? Responsável? Que vai fazer alguma coisa que preste na vida? Que não vai me dar desgosto e seguir a profissão que eu escolhi pra você? Passa pra cá agora, anda. Quer que eu faça um escândalo?

-Mais um?

-Vai passar ou não vai?

Para evitar mais transtornos, Pedro acata as ordens da mãe.



*****



Ricardo está dormindo um pouco. Ao acordar, percebe que suas roupas continuam jogadas no chão, e as de Cora não estão mais no quarto. Enrola-se num lençol e pergunta:

-Cadê você?

-No banheiro.

Quando abre a porta, vê Cora chorando, enquanto põe seu par de brincos.

-O que houve?

-Eu não consigo. Eu não devia ter vindo pra cá, ter feito isso.

-Foi bom, Cora.

-Foi sujo. Da minha parte e da sua. Eu não quero repetir isso. Nunca mais.

-Não tem porque se arrepender. Eu gostei disso.

-O problema é esse: a gente gostar e insistir no erro.

-Talvez seja imaturo da minha parte, insensível, mas nesse quarto, a última coisa que posso sentir é remorso.

-Você é casado!

-E daí?

-Não, pra mim, chega!

-Onde é que você vai?

-Pra lugar nenhum. Você é que vai sair daqui. E não voltar mais.

-Isso não pode ser sério.

-Mesmo gostando de você, eu não posso permitir que isso se repita. Até nunca mais.

-Nunca é tempo demais.

-O suficiente pra te esquecer, Ricardo.

Vendo que não conseguiria convencê-la naquele momento, Ricardo aceita a decisão de Cora.

-Me dá um tempo pra eu me vestir?

-Tudo bem.

Cora chora pela despedida e pela culpa que sente, mas Ricardo ainda não desistiu da professora.



*****



Fabrício dá uma volta pelo hospital e Viviana o leva até a varanda. De longe, são observados por Werner.

-Sei lá, parece que eu tô respirando, mas me falta alguma coisa.

-Só de sentar e passear pelo hospital já me deixa feliz.

-É só pra te ver feliz.

-Você é o mais importante. Tem que parar de agir como se dependesse de outra pessoa pra ser feliz.

-Não dá, você é a minha felicidade.

-Eu não consigo encontrar a minha, vou ser a de alguém?

-Se a gente se conhece, não falta mais nada pra gente ficar junto.

-Tudo o que tem a ver comigo, você não sabe.

-Hora de contar.

-Eu fui... Olha, é muito comprido esse papo, não tô a fim de levar.

-Conta pelo menos o que você tava fazendo quando foi me socorrer. Porque a única coisa que eu sei da tua vida é que Milena é um nome fake.

-Não exatamente. Viviana é o nome que a minha mãe me deu, quando casou com meu pai.

-E Milena?

-Meu pai me fez usar depois. Eu era muito pequena, não tinha ideia de que tinha outra identidade.

-De quem você se esconde?

-Dele. Do meu pai.

-Batia em você?

-Não. Fazia pior.

-Ele te...

-Não, também não.

-Fala, Milena.

-Bom, ele descobriu que a minha mãe tinha um caso com um cara perto de casa, que tinha filho recém-nascido até. Minha mãe tinha se casado porque naquele tempo, ele tinha uma condição melhor. Mas depois ele não conseguia mais pagar as dívidas, ela foi se cansando dele e ele descobriu o caso sem ela se dar conta.

-Aí rolou barraco, baixaria, essas coisas?

-Pior. Pra dar um castigo nela, ele fugiu comigo. A gente foi pra outro estado, ele me registrou com o nome de Milena.

-E por que você fugiu dele?

-Eu fiquei moça já, adolescente, começava a perguntar da minha mãe, e ele mentia dizendo que ela tinha morrido. Quando ele resolveu abrir o jogo, eu fugi de casa e vim pro Recife.

-Sua mãe nunca te procurou, não? Porque se não, você fez uma burrada.

-Ele mentiu a vida toda dele, como é que eu vou desculpar?

-O pior é que eu nem posso falar nada, tenho problema com todo mundo. Nem sei da minha mãe verdadeira. Mas vem cá: se você não é daqui, como é que você fez pra viver aqui?

O papo é interrompido por Werner.

-Desculpa, gente, mas você vai ter que voltar pro quarto.

-Tava tão bom aqui, doutor.

-Temos uns exames pra fazer.

-Tá certo. Vem, Milena.



*****



Cristina leva o filho pra casa e discute sobre o conservatório.

-Bonito, não é? Há quanto tempo você vai escondido àquele lugar?

-Desde sempre!

-E diz isso na minha cara?

-A senhora não quer que eu fale a verdade toda?

-É muito cinismo da sua parte!

-Cínico? Eu não preciso me esconder e me escondo porque a senhora acha que eu sou um criminoso! Se eu dissesse que frequento uma boca de fumo, que vejo o Sexy Hot, que vou ao show do Sheldon, talvez a senhora passasse a mão na minha cabeça.

-Se tem uma coisa que você precisa entender, Pedro, é que eu paguei os melhores colégios pra você ser médico.

-Colégios tão bons que os professores diziam que Medicina não era a minha praia, e sim Música!

-Meu pai se formou como médico.

-Bom pro meu avô! Pra mim, não.

-Olha aqui, eu já estou perdendo a paciência. Já não basta seu pai que sai sem dar notícia e seu irmão entrevado naquela cama, você ainda quer me dar dor de cabeça?

-Mas o que é que eu vivo te pedindo? Hein? Minha faculdade é particular, por acaso? Fiz o cartão de crédito pra comprar o que eu quiser? Não. Você me mina o tempo todo!

-A sua obrigação é cuidar do seu irmão.

-A minha obrigação é cuidar de quem precisa de mim, como todo ser humano normal. Eu não sou melhor que o Fabrício e ele não é melhor do que eu.

-O seu irmão fica à mercê dos cuidados daquela fulana que você faz questão de manter no hospital.

-Ela trata ele melhor que a senhora.

-Pedro!

-É isso mesmo. A Milena tem paciência. Se dependesse da senhora, ele saía imitando o Diego Hypólito daquela cama e dava um monte de pulo. Acorda pra vida. Ele está paraplégico.

-E vai ficar assim se você não operá-lo!

-Operar? Por favor, mãe! Eu sou estudante. Só de pegar em bisturi numa aula prática eu sinto que é uma baqueta e fico tocando na maca!

-Por que você me castiga?

-Porque eu não posso mais mentir.

-Pois pode desistir desse sonho idiota! Enquanto o Fabrício não andar, eu não deixo você largar a faculdade.

-Ah, quer dizer que se eu conseguir fazer meu irmão andar, eu posso ir pra Música?

Silêncio.

-Bem... É... Não foi isso que eu...

-Pois muito bem, vamos fazer um pacto. Se eu conseguir tirar o Fabrício da cadeira de rodas, você vai dar uma festa de arromba aqui na mansão. E só vai convidar a galera que viu o meu vexame hoje.

-Você só pode estar de brincadeira.

-Chama o Vert et Rouge e aluga uma roupa. Daqui a um ano, o JC vai publicar uma nota sobre a festa de Pedro Faria, o mauricinho que faz Música- sobe para o quarto.

-Pedro Faria, se você não voltar pra essa sala agora...

-Se eu não voltar pra sala, é porque eu tô estudando e fazendo tudo o que a senhora quer. Não é essa a minha vida?



*****



Fabrício está dormindo, mas se mantém inquieto na cama. Isso porque ele sonha com o acidente. Acorda gritando, e ao se virar para a direita, vê sua cadeira de rodas.

-O que foi, Fabrício?

-Tira isso daqui! Eu não quero mais usar essa coisa.

-Mas você passou o dia melhor! O que foi?

-Eu tenho medo. Medo de me operar e não dar certo. Medo de ter esperança e não andar mais.

Pedro entra no quarto e avisa.

-Acho melhor chamar o Werner. Ele pode dar um sedativo pra ele.

-Não quero remédio pra dormir.

-Você tá nervoso, cara. Deve ter sido só pesadelo.

-Foi aquilo tudo de novo, o acidente, a batida, o carro rolando...

-Werner, traz um remédio pro Fabrício. Ele tá agitado- Pedro fala ao celular.

-Não é melhor eu sair?

-Tem razão, Milena. Deixa que eu resolvo tudo aqui.

-Não! Não deixa ela sair. Sai você!

-Não dá, Fabrício.

Werner chega com uma injeção e aplica no braço do rapaz.

-Eu não consigo. Eu não vou mais andar. Vocês tão perdendo tempo.

-Fabrício, confia em mim. Eu vou te ajudar e você vai conseguir.

O garoto passa a ver as pessoas flutuando, tudo começa a ficar mais escuro com o passar do tempo. Poucos minutos depois, ele adormece, mas não sem antes chamar repetidas vezes o nome de Milena.



*****



Numa barraca que fica perto do Hospital Melina Dubeux, Pedro e Viviana tomam uma água de coco.

-Sabe? Eu fico besta com um negócio desses.

-O quê?

-Uma barraca dessas, perto de um hospital particular. É de dar vergonha.

-Confesso: não é o lugar onde minha mãe tomaria uma água de coco.

-Mas não é mesmo!

-Como ele passou o dia hoje?

-Andou na cadeira de rodas. Quer dizer, eu empurrei, né?

-É. Essa reação dele é normal. Foi um choque muito grande. Vai demorar pra se acostumar.

-Vai, sim.

-Cada dia mais vocês tão próximos.

-Eu gosto dele.

-E eu de você.

-Também gosto de você.

-Às vezes, eu acho que ele teve sorte nesse acidente. Te conheceu. Você é muito especial.

-Nós somos. Pra ele. Pro Fabrício.

-Você dá licença? É que o meu celular tá tocando.

-Claro. Vai lá.

Trinta segundos depois da saída de Pedro, o celular de Viviana toca. É uma mensagem.

-Gosto da ideia de te ver chegar...

Chega outra.

-Sentir seu corpo contra o meu...

Nova mensagem.

-Ficar junto, falar tua língua...

E novamente.

-Gritar pro mundo que o amor valeu...

Pedro volta para a mesa.

-O que foi, Milena?

-Dá uma olhada nisso que chegou pra mim. Lê as quatro.

-Gosto da ideia de te ver chegar, sentir seu corpo contra o meu, ficar junto, falar tua língua, gritar pro mundo que o amor valeu.

-O que é isso?

-Acho que alguém tá te pedindo em namoro.

-Mas quem?

Pedro olha para a mesa, vê um vaso com uma flor artificial. Tira a planta e entrega à Viviana.

-Quer namorar comigo?

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