CENA 85
Danila volta do quarto de Gabriella. Mabi espera por notícias na sala.
-Como é que ela tá?
Desmaiada, dopada, tomada por calmante. Uma coisa triste.
-Ela tá abalada, é normal. Foi um choque muito duro.
-Mas isso nem a Celpe resolve. A gente teve um final de semana
daqueles, a câmera sumiu... Tinha que dar um siricutico nela.
-Coitada da Gabriella.
-Coitada é de mim que tive que levar Gabriella pra cama. Ela te pediu
um favor antes de apagar: que você fosse até a casa do Manjericão saber se ele
pode emprestar uma câmera...
-Mas por que eu?
-Ela quem sabe. As coisas estão sérias aqui, Mabi. Ninguém tem condições
de resolver esse problema. Tem que ser você. Os meninos sumiram.
-Tudo bem, eu vou. Mas é só por causa da Gabriella.
-Isso mesmo. Ajuda a gente, porque a situação é muito tensa!
CENA 86
Manjericão está tocando violão na entrada do seu prédio. Sua voz
encanta Mabi, que está chegando ao local.
-Você aqui?- fica totalmente surpreso com a aparição da atriz.
-Eu vim porque... A Gabriella me pediu pra vir aqui.
-Só por isso?
-Mandou um recado, perguntando se você não tem uma câmera pra emprestar
e gravar o clipe novamente.
-Quem dera se eu tivesse... Tenho!- muda de opinião repentinamente.
-Tem? Ótimo.
-Eu tenho uma câmera... Lá em cima.
-Então... Vai buscar.
-Você não quer subir pra gente tomar um café?
-Odeio café.
-Também odeio, mas vai que alguém visita esse mausoléu abandonado que é
o meu apartamento. Tenho que ser cortês.
-Pode ser com leite, pelo menos?
-Como você quiser- dá espaço para a moça passar. Ela entra no prédio e
os dois pegam o elevador juntos. Assim que a porta fecha, a música sinistra de
trinta segundos começa a tocar. Movidos pela atração um tanto sobrenatural que
a canção aguça, eles estão tensos. E neste momento em que a bela Mabi recorda
de uma conversa tida com a sua “chefa”...
XXXXX
- Tá muito na cara que se você ficar cinco minutos sozinha com ele, é
capaz desse apartamento parar na chon!
XXXXX
Já Manjericão está com uma frase dita por Matheus. Na verdade, ele não
disse nada; é fruto de sua imaginação.
XXXXX
-Pega logo essa menina! As crianças tão esperando por isso há mais de
uma hora- diz o adolescente, num cenário cheio de gelo seco.
-Belo conselho- Danila o agarra até no inconsciente alheio, mordendo
seu pescoço.
-Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! Help me!- grita ao cair.
XXXXX
Mabi e Manjericão se olham, percebem que a porta se abriu, que o
elevador parou, que é hora de entrar no apartamento... Mas se atracam aos
beijos! E a música rola solta: trata-se de “Na rua, na chuva, na fazenda”, numa
versão remodelada por Susana Vieira.
E quanto mais ela fala “de sapê”, mais o cantor vai apertando os botões
do elevador sem sentir.
Dizem que são loucos por terem um gosto assim: gostarem de se reconciliar
neste tipo de local.
CENA 87
Thiago está tirando mais uma das suas fotocópias, desta vez pagando e
ressarcindo a dívida anterior. A banca fica em frente ao Belotto, uma pequena lanchonete
que disponibiliza mesas de plástico Tramontina (mais um dos nossos
patrocinadores) na calçada. Nela, almoça Breno. Thiago vê o advogado.
-Dr. Breno?
-Oi, Thiago. Tudo bem?
-Tudo.
-Senta aqui, eu pago uma Coca-cola pra você.
-Não, obrigado. Eu tenho que pegar um livro na biblioteca ainda e
escanear em casa quando chegar. E o senhor?
-Eu estava revendo o processo de Manjericão. Até agora, não apareceu
nenhuma evidência de que ele realmente fosse o culpado pelo transporte do
iogurte proibido. Até o discurso áspero do delegado ficou mais brando. Parece
que fizeram uma mágica e acalmaram o homem!
-Ou ameaçaram...
-Desculpe, o que você disse?
-Nada, deixa pra lá. Quer dizer que o processo ainda corre?
-Corre, sim. Mas é bom o Manjericão não se meter em nenhuma encrenca,
porque ele não será mais réu primário. Com isso, será finalmente arquivado.
Avise isso pra ele.
-Vai ser difícil de encontrar o Manjericão agora.
-Por quê?
-Saí das gravações, do “Furo Decisão”, de tudo. Não quero mais saber.
Tenho muita consideração pelo Manjericão, mas daí às pessoas acharem que eu
sumi com a câmera porque eu vivo liso é demais.
-Será que não foi Zaira a responsável?
-O senhor acha que ela seria capaz?
-Claro que eu acho, ela jogou o Manjericão na cadeia pelo que você me
falou.
-É verdade. O pior é que ele se abre com ela, e agora estão mais
próximos, já que tem uma moça que tá interessada nele e não confia na inocência
do episódio do iogurte.
-Provavelmente ela minou a relação deles pra ter direito à fortuna.
-Lamento pela Gabriella.
-Gabriella? Quem é Gabriella?
-A dona da câmera, a diretora do clipe de Manjericão. Tava no quarto dela
e sumiu. É bem capaz de ter sido a Zaira mesmo. Tem algum jeito de recuperar?
-Se ela não vendeu, só pode estar na casa dela.
-Não, é um lugar óbvio demais. É mais fácil ela esconder debaixo de um
dos bancos da Arena Pernambuco.
-Eu vou conferir toda a estória e tirar isso a limpo. Viu por que eu
fico com receio de revelar a verdade? Se o Manjericão decide tomar posse
enquanto essa moça estiver por perto, ela vai dar um golpe nele.
-O pessoal do “Furo Decisão”... Ou melhor, eu não vou deixar que ela
vença.
-Mas como começar?
-Como eu me afastei do grupo, vai ser difícil da Zaira suspeitar de mim
quando as coisas derem errado pra ela. O senhor deve ter seus contatos, deve saber
alguém que tenha recebido a câmera, se é que ela vendeu ou não deu fim.
-Manolo Monte Carlo! O paraguaio dos pen drives!
-Quem é esse?
-Atua no camelô e faz troca de produtos eletrônicos. Eu lembro que
comprei a da minha filha de segunda mão dele. Se a Zaira vendeu, foi pra ele.
Só pode ter sido pra ele.
CENA 88
Manjericão e Mabi estão aos beijos, só que mais calmos do que na cena
da “erupção voluptuosa”!
-Você me enganou.
-Eu? Por quê?
-Sua intenção não era de me levar pro apartamento.
-Bom, alguma coisa normal tem que acontecer nesse elevador.
Toca o refrão da música da Paula Fernandes: “Amar alguém é viajar pra
terra onde ninguém vai”.
-Será que não dá pra avisar ao sonoplasta que a música do elevador é
outra?
-Pior é que daqui a pouco ele vai tocar “Amor, amor”, porque a gente tá
parecendo Michel e Patrícia aqui dentro.
O casal ri, mas depois tem uma conversa séria.
-Queria saber o que é que você tem que me atrai tanto.
-Olha, modéstia não é, porque eu sei que sou lindo.
-Não é modéstia mesmo.
-Sinceridade. Você sentiu, pelos beijos que a gente deu aqui, que eu
não poderia mentir pra você. Nunca. Mabi, você é o retrato vivo do que acontece
dentro de mim. A sua beleza, os seus olhos, a sua boca... Tudo o que eu nunca
idealizei e me faz sentir realizado. Eu preciso escutar que você confia em mim.
-Pelos beijos que a gente deu, eu não tenho como duvidar. Mas você tem
uma câmera mesmo?
-Tenho. Polaroid, de 1996.
Os dois se beijam lentamente quando a porta se abre. É Matheus!
-Ah! Mas que audácia! Se pegando, sabendo que tem um público infantil
vendo o filme no cinema? Já pro apartamento!
-Pensou naquela proposta de criar meus vinte e nove filhos?- aparece a
Velhinha do transporte público. Apenas de passagem!
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