CENA
11
-Olha, galera, eu queria muito, de
coração, agradecer a vocês pela campanha do programa do “Buraco”.
-Não, o nome tá errado. O nome do
programa é “Furo Decisão”- corrige Matheus.
-Se bem que contar com o programa da
gente é estar no buraco!- conclui Thiago.
-Pois é. Tem uma proposta que eu queria
fazer a vocês. Bom, eu recebi um conselho de... Bom, esquece. Em vez de voltar
pro magistério, eu quero investir na música. Não precisam me olhar com essa
cara de “Ah, ele está no vermelho”. Até porque estou mesmo. Só que eu queria
alguém que tivesse experiência.
-Desculpa, Coentro, mas...- confunde-se
Matheus.
-Manjericão.
-O que o senhor entende de experiência?
Melhor: a gente é experiente em quê?
-De longe, dá pra se ver. Esse cabra tem
cara de quem entende tudo de edição pelo Movie Maker. E você tem tudo pra ser
conhecido como “Marcelo Adnet de Jardim São Paulo”, tamanha a capacidade de
improviso.
-Deu o caramba! Ele descreve a gente tão
bem e foi demitido? Como assim?- Thiago fica besta. Aliás, besta ele é.
-E a gente
olha pra cara de vocês e vê que com esse talento todo, vocês devem ter milhares
de acessos no YouTube!
-É...
-Bem...
-Por favor,
turma.
-Não vai
rolar, Manjericão. Música não é a nossa praia. A gente acha que “Ah, lelek,
lek, lek” é afasia. Não dá. E a gente nunca dirigiu um videoclipe. Sem contar
que eu não posso gravar nada, ando ocupado com a faculdade. Sinto mesmo. No
mais, estou indo embora- pega a mochila e fica de pé.
-Mas eu pago.
Thiago se
senta, animado!
-Quanto?
CENA 12
Matheus e Manjericão
estão dentro de um Circular Barro/ Tancredo Neves repleto de pessoas. A
intenção do co-protagonista é levar os apresentadores para o seu apartamento,
conversando sobre a gravação do videoclipe que precisa ser viral.
-Você tem
certeza que quer o “Furo Decisão” cobrindo tudo e te ajudando na produção? Não
era mais fácil a gente continuar com a campanha pra te trazer de volta?
-Não, Matheus.
Se eu voltar, vou ter que ser o certinho porque o diretor quer. E eu não mudo
mais por causa de ninguém. Esse sacrifício eu não faço mais.
-Quando foi
que fez um sacrifício na vida?
-Assim que eu
fui trabalhar na escola. Via meu salário só como um jeito de sustentar a minha
ex. Mas eu não quero falar dela.
-Já entendi
tudo. Se bombar na internet, vai esfregar o sucesso na cara da tua ex, é isso?
-Não, eu só
quero esquecer. Deletar tudo o que eu vivi. Se pra mim foi bom, pra ela era uma
mentira. Vem cá, cadê o Thiago?
Thiago aparece
na janela. Sim, do lado de fora do ônibus, todo molhado, coitado. Não à toa,
toca “Águas de março”. E como o filme é bem popular, como “Balacobaco”, é a
versão da Gaby Amarantos.
-Mas... O que
é isso?
-Fui pendurado
na placa, Matheus. Você acha que eu tenho condições de entrar aí? De jeito
nenhum. Esse ônibus parece ser pior do que o Barro/ Macaxeira. Pra isso, meu
querido, tem que ralar muito.
-Pudera, todo
mundo resolveu sair de casa com essa Copa das Confederações- argumenta
Manjericão.
-Justamente.
CENA 13
Zaira está
andando pelas ruas do centro da cidade, quando esbarra em Mabi, completamente
desesperada.
-Não olha por onde
anda, não?
A nova
personagem, se acabando de chorar, nem se toca de que a vilã será a pedra no
seu sapato.
-Tenho
talento, e vou lutar pra provar isso. Mas o teste do sofá eu não faço. Nunca! A
imprensa que me aguarde, porque eu vou brilhar, nem que seja numa produção de
baixo orçamento.
CENA 14
Falando em “produção
de baixo orçamento” (e sem noção, por que não dizer?), Matheus, Manjericão e
Thiago pegam o elevador. Durante trinta segundos, toca um instrumental um tanto
quanto clássico.
-Animado esse
elevador, né?- Thiago estranha.
-Muito. Chega
a ser sinistro- concorda Manjericão.
-Já mandaram
benzer? Porque eu nem vou comentar... – sugere Matheus- Parece aquelas musiquinhas
de loja de roupa, não é?
-Sei lá. Eu só
uso Rota do Mar pra dar aula.
-A minha é
seminova. Nem olho pra marca.
CENA 15
Os meninos
entram no apartamento de Manjericão e logo reparam que o lar do futuro artista
viral é decorado pelo egocentrismo de Zaira.
-Essa é a tua
ex?- pergunta Thiago.
-É.
-Desculpa
perguntar.
-Sem problemas,
meu chapa.
-E você
decorou pra ela o apartamento?- Matheus desconfia.
-Não, ela que
escolhia tudo.
-Olha, se o
teu clipe é sobre fossa, o melhor cenário pra gravar é aqui. E eu falo porque
entendo tudo de fossa.
-Fossa de
esgoto. Trabalha na Compesa.
-Ô, galera. Manda a real pra mim: qual é a ideia de vocês?
-A minha é que você diga onde fica o banheiro pra que eu esprema a
camisa do banho de chuva que eu levei.
-Segunda porta à direita.
-Valeu- Thiago procura o banheiro.
-Tive uma ideia. Vou ligar a cobrar pra Gabriella.
-Quem é essa?
-Ela dirige alguns episódios do “Furo Decisão”. E é viciada em série
americana, deve dar uma luz pra gente. Só um minutinho que eu vou procurar na
agenda do celular.
Enquanto Matheus se afasta, Manjericão olha para o telefone e
pressionado pelo coração ingênuo, decide ligar para Zaira.
-Alô, Gabriella?
-Tem vergonha de ligar 9090, não, cabra safado?
-Rolou a chance do “Furo” sair do buraco!
-Muito esclarecedor...
-Escuta: o professor Manjericão tá pior que figurante em novela do SBT.
O cara quer que a gente produza um videoclipe. Resolveu ser cantor.
-Sim, mas onde eu entro nessa?
-Você é a superintendente dessa birosca! Tem que ajudar a gente!
-Matheus, me desculpa, mas eu tô em ano de vestibular. Não posso dar
consultoria na hora da prova, quanto mais pra artista que tá começando.
-Como não? Você fez a audiência da terceira temporada subir!
-Já pode sair da nave, viu? Só porque o “Furo Decisão” alcançou onze
visualizações no YouTube, não quer dizer que o Manjericão vai ser um sucesso.
Aliás, você contou pra ele que o programa é flopado?
-Olha aqui, se você não ajudar a gente, eu acabo com a tua coleção de
downloads de episódios de “Friends”!
-Ui, como ele tá dramático! Como ele tá perigoso! Como ele põe medo na
gente, parece vilão de “Cuidado com o anjo”. Ah, eu tenho que ver “House” e não
vou ficar perdendo o meu tempo contigo, tá? Vai fazer o quê, pivete de JSP?
Acabar comigo pelo telefone?
-Nunca ouviu falar em “Saramandaia”? Realismo fantástico? Mangás?-
começa a estrangular o celular. Sem explicação aparente, Gabriella fica
sufocada do outro lado da tela. Voltemos ao Manjericão, que é atendido por
Zaira, ainda na rua.
-O que foi, Leonardo?
-Você ainda pode pensar melhor, meu amor.
-Não preciso disso. Entenda de uma vez por todas: não existe gente
interessante se o dinheiro for inexistente. Dessa situação você não sai mais.
-Zaira, eu já arrumei um jeito de reverter a minha crise financeira. Eu
arranjei alguns amigos que vão me...
-Amigos? Tá vendo como você pensa pequeno? Só pobre tem amigos, meu
amor! E de pobreza, já basta a minha. Não quero ter que compartilhar com todo
mundo que vivo numa lisura desgraçada. E já tenho meu plano de virada: vou
plantar uma nota dizendo que estou saindo com um jogador do Íbis. Antes um
astro de verdade do que o professor decadente do decadente ensino público pernambucano!
-Pois guarde bem as minhas palavras!- quando Thiago sai do banheiro,
flagra Matheus apertando violentamente o telefone, jogando-o no chão e depois
se atirando em cima do aparelho. O universitário tenta acalmar o amigo,
enquanto Manjericão jura vingança subliminarmente- Vou recomeçar, vou tentar
viver, vou tirar você da minha vida, e pra não chorar antes de partir, vou
tentar sorrir na despedida!
-Nesse caso, saiba que você foi a maior das minhas amarguras e que como
uma deusa, eu vou me manter! Falido!- desliga o telefone.
-Manjericão, ajuda aqui!- Thiago grita para que o rapaz tire Matheus do
telefone, mas ele fica desolado com a atitude de Zaira. Ah, e Gabriella está
toda arrebentada.
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