Ouve-se alguém batendo à porta do apartamento da Família
Lemos Andrade. Marília corre para atender.
-Deve ser o Pai, deixa que eu abro- Marília gira a
maçaneta- Thales?
-Tua irmã tá aí?
-Thales, tá fazendo o quê aqui?- Marina, que até então
está junto da mãe, levanta-se do sofá- Você não devia estar na aula?
-Você também, Marina. Eu passei aqui por causa de ontem,
pra saber se você tava melhor.
-O que é que rolou ontem?
-Deixa de ser curiosa, Marília, isso não te interessa-
Marina responde à curiosidade da irmã.
-Ui...
-Marília, para de provocar sua irmã, não é hora pra isso-
Laura repreende a filha mais velha.
-Parece que eu cheguei numa péssima hora, né?
-A culpa não é sua, Thales. Valeu mesmo por se preocupar
comigo, por procurar saber de mim.
-Eu sempre tô preocupado contigo, você que não...
Esquece.
-Olha, enquanto vocês ficam nesse papo, a gente podia
sair e procurar o nosso pai, né? Melhor do que ficar plantada falando besteira!
-Ótima ideia, Marília- Laura concorda, levantando-se do
sofá- Mas onde a gente deveria procurar?
-Com licença?- um policial vê a porta a aberta e aborda
as pessoas que estão no apartamento- Algum de vocês é parente de Jorge
Magalhães Andrade?
-Eu sou a mulher dele. Aconteceu alguma coisa com o meu
marido?- aproxima-se do policial.
-Seu marido foi vítima de um incêndio numa clínica no
centro da cidade, a Gilda Sandoval.
-Que clínica? O que é que meu marido estava fazendo numa
clínica?
-Mãe, é a clínica da ama... Da Olga, Mãe, que a gente foi
no outro dia- Marina esclarece.
-Cadê meu marido? Eu quero vê-lo agora!
-A senhora precisa ser forte...
-Eu não tenho que ser forte, eu tenho que ver meu marido!
Agora! Como é que ele está?
-Infelizmente, eu não trago boas notícias. Os médicos
fizeram o possível, mas... Jorge teve oitenta por cento do corpo queimado. Não
resistiu.
-Não... Isso é mentira... Isso é mentira sua! Onde é que está o Jorge? Eu exijo saber
agora!
O policial entrega o isqueiro que Jorge usou para
incendiar a clínica de Olga à Laura, que segura o objeto trêmula.
-É dele, Mãe- Marília reconhece o objeto.
-Pai...- Marina lamenta.
-Eu sinto muito.
-Não! Não, eu não aceito... Eu não vou aceitar isso
nunca!
-Mãe, fica calma, por favor!- Marília segura a mãe,
completamente nervosa.
-Me leva até lá, Marília, que eu quero ver seu pai! Eu quero
ver seu pai!- começa a gritar- me leva pra ver o Jorge, que eu quero ver seu
pai, Marília. Me larga! Me deixa! Me deixa, que eu quero ver meu marido,
Marília... – aos poucos, Laura desaba no chão. Thales abraça Marina, bastante
arrasada com a notícia.
Após a aula, Júlia recebe em sua casa o namorado
Fabrício, além dos amigos Max e Marcello. Animada, a turma entra na residência
e conversa sobre o resultado das provas que recebeu, quando a empregada da
adolescente corre.
-Júlia, desde hoje que o Thales está ligando pra você.
-Thales sabe que eu tava no colégio...
-Que coisa estranha. O que é que o Thales quer contigo,
amor?
-Mais estranho do que isso, Fabrício, é o Thales ter
faltado hoje. Aquele dali não falta nem em dia de plantão pedagógico!- Marcello
arranca risadas dos amigos.
-Deixou algum recado, Zélia?
-Disse que assim que você chegasse, era pra você ligar
pra casa da Marina. O assunto é urgente, pelo que parece.
-Casa da Marina? O nerdzinho não perde tempo, já se
aboletou por lá, repararam?- Max comenta sobre a aproximação dos estudantes.
-Certo. Obrigada, Zélia, eu vou telefonar agora.
-Amor, deixa isso pra depois, não deve ser nada demais...
-Mas se o cara ligou mais de uma vez, é porque deve ser
importante, Fabrício. Aquele tal de Thales não fala com quase ninguém, quanto mais
fazer uma ligação- adverte Marcello.
-Que é isso, cara? Precisa sentir ciúme, não- Max brinca
com a situação.
-Ciúme daquele magrelão esquisito? Eu sou mais eu, meu
filho!
-Ai, vocês não cansam de falar besteira! Eu, hein?- Júlia
disca o número da residência de Marina- Alô? É você, Thales? O que foi que
aconteceu? O quê? Tem certeza? Mas quando é que foi isso? Meu Deus do céu...
Por isso que elas não foram pra aula hoje. Claro. Claro, pode deixar. Avisa
pras meninas que eu tô indo pra aí. Isso, pode dizer. Obrigada por avisar, a
gente se vê daqui a pouco. Tchau.
-O que foi, Júlia?
-Não, você nem faz ideia do que aconteceu, Fabrício. O
pai das meninas morreu num incêndio.
-O pai da Marília? Mas tá todo mundo bem?
-Calma, Marcello. Não foi no apartamento das meninas,
elas estão bem. Só pediram pro Thales ligar, porque elas queriam me avisar.
-Eu vou com você pra lá- Fabrício se prontifica.
-Eu também!-Marcello manifesta o desejo de ver a
namorada.
-Então, vamos, Vamos logo!- Júlia joga a mochila no sofá
e sai com os dois rapazes- Você vem também, Max?
-Não, Júlia. Você sabe que minha situação com a Marina
não é das melhores.
-Que é isso, cara? A última coisa que a Marina vai fazer
é se importar com isso- pensa Fabrício.
-Daquela dali, depois que me acusou de estupro pra
polícia, eu espero tudo de ruim. Manda um abraço pra Marília, Marcello, e diz
que eu sinto muito.
-Tá bom, Max. Vamos, gente.
Max sai com os três jovens, mas volta para a sua casa.
Os jovens estão reunidos no apartamento dos Lemos
Andrade.
-Cadê a Tia Laura, gente?- Júlia nota a ausência da
matriarca.
-Tive que dar um calmante pra ela- explica Marília- Ficou
arrasada.
-Como é que foi isso, amor? Eu ainda não entendi o que
teu pai foi fazer numa clínica do centro da cidade. Seu Jorge tava doente?
-É, Marcello... – Marília fica evasiva.
-Melhor a gente dizer, né, Marília?
-Marina, eu não quero falar sobre isso.
-Ele é teu namorado, uma hora ele vai ter que saber sobre
isso.
-Gente, saber do quê?- Fabrício percebe o ar estranho
entre as irmãs.
-A polícia acha que o incêndio foi criminoso. E que foi
meu pai que provocou.
-Por que ele ia fazer isso?- Marcello fica intrigado com
a declaração da namorada.
-O Pai teve uma amante. Durante muito tempo. O caso deles
terminou porque... Ela descobriu que... Que tinha o HIV.
-Isso é sério, Marília?
-Acha que eu vou ficar brincando com isso, Marcello?
-Nossa, eu nem imaginava... Mas ele não... – Thales tenta
perguntar se Jorge foi infectado, até que Marina balança positivamente a cabeça.
-Tua mãe sabe disso, Marília?- Júlia fica assustada,
enquanto Marcello fica em silêncio.
-Descobriu o caso deles há uns dias, mas ele tinha
terminado tudo quando ela contou que... Que tinha AIDS.
-Talvez ela tenha inventado isso tudo, pra se vingar do
pai de vocês- alerta Thales.
-Thales tem razão. Essa mulher tinha exame provando?
-Antes tivesse, Marcello. Quando minha mãe soube do caso
deles, e que ela tinha a doença, obrigou meu pai a fazer um teste junto com
ela. O dele deu positivo, minha mãe leu poucas horas antes do policial chegar
aqui e dizer que... – Marília chora.
-E essa mulher? Onde é que ela tá?
-Morreu no incêndio, Fabrício. Os dois foram as únicas
vítimas- explica Marina- Sabe o que me deixa assustada? É que antes de morrer,
meu pai virou um assassino.
-Um suicida, Marina- Marília tenta corrigi-la- Nunca que
ele ia suportar saber que tem uma doença sem cura.
-Mas ele acabou com a vida da Olga também. Você sabe que
ele não era de sofrer sem dar um castigo, sem punir. Essa é a herança que ele
deixou: o rastro de sofrimento, que só ele sabia como deixar.
DUAS SEMANAS DEPOIS...
Não há aula na escola onde estudam os jovens, por conta
de um plantão pedagógico. Max aproveita para dormir até mais tarde, mas Breno
entra em seu quarto, eufórico.
-Max! Max, meu filho, acorda!
-Esqueceu que não tem aula hoje? Me deixa na cama!
-Levanta, meu filho, eu tenho que falar com você!
-Mais tarde, Pai!
-Um amigo da polícia acabou de me ligar- a afirmação faz
Max se levantar, assustado.
-O que foi? Eu vou ser preso? Vou ter que dar outro
depoimento?
-Você está livre da acusação de abuso sexual.
-Como assim?
-A Marina retirou a queixa contra você!
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