25/01/2013

AINDA É CEDO/ CAPÍTULO 4: MAS EGOÍSTA QUE EU SOU


Horas depois, Fabrício se acalma através de um sedativo dado por uma enfermeira, orientada pelo médico. Quando o efeito passa, ela está com uma prancheta em mãos e averigua a situação do jovem.
-Como é, então? Eu ainda tô vivo?
-E vai viver por muito tempo, pode ter certeza. O seu quadro está evoluindo muito bem.
-Minha mãe, onde foi?
-Ela está lá fora, fazendo uns telefonemas. Quer ajeitar tudo pra que você possa ser transferido.
-E a moça?
-Que moça?
-A que tava aqui quando acordei. Que me socorreu.
-Desceu e ficou lá embaixo. Estava muito abatida. Parece até que saiu chorando daqui.
-Será que a senhora pode chamar ela pra mim? Eu tenho um assunto muito sério pra resolver com ela.
-Tudo bem. Eu vou tentar localizar ligando pra recepção.
-Valeu.

*****

Alguns minutos mais tarde, Viviana entra no quarto.
-Você mandou me chamar, foi isso?
-Foi, Viviana.
-Do que foi que você me...
-Viviana. Não é esse o seu nome? Ou é Milena?
-Quem te contou isso?
-Você, quando eu tava dormindo. Eu lembro de tudo que você disse. Sei que você só usou o nome de Milena pra me acompanhar. Como você não é nada minha, ia ficar estranho me acompanhar na ambulância. Só não entendo porque foi que você não falou o teu nome mesmo.
-É que você é famoso, sai no jornal daqui, tinha uma repórter até agora rondando todo mundo... Eu não quis dar entrevista, nem me identificar.
-Ou é pra não ser identificada?
-Também.
-Quer dizer que você sabe quem eu sou?
-De ouvi falar por conta do acidente. Sei que seu pai é dono de uma agência de publicidade. Eu só te peço que continue me chamando de Milena.
-Por mim, tudo bem. Não foi pra isso que eu te chamei aqui mesmo.
-Não?
-Eu chamei pra pedir desculpas por ter falado contigo daquele jeito.
-Acho que é bom você pedir pra sua família também.
-Eles não merecem.
-Não fala assim. Tá todo mundo preocupado contigo, querendo saber notícia...
-Agora todo mundo sabe que eu sou um inválido. Ninguém pode fazer nada. Eles, menos ainda.
-Eu só vou te perdoar com uma condição.
-Tá bom, qual é?
-Não desiste, não, tá? Ontem você tava bem, hoje não tá. Mas e amanhã? Você vai ficar assim ou quer ficar assim? Não pensa no que a sua família vai achar. O importante é o que você pensa.
E Viviana beija o rosto de Fabrício, que no meio daquela tempestade, volta a sorrir, mesmo que timidamente.

*****

Do lado de fora, Cristina conversa com o médico sobre o estado de saúde de Fabrício.
-Como é que ele tá, doutor?
-Depois daquela crise nervosa, nós tivemos que dar um tranquilizante para o seu filho. Ele já acordou e está conversando com a Milena.
-Milena? Quem é essa Milena?
-A moça que o acompanhou.
-Essa garota tem alguma coisa estranha. Eu sinto, mas não sei explicar direito o que seja. E quanto à transferência?
-Bom, dona Cristina, a senhora há de convir que não há a menor condição de fazer isso. O Fabrício acordou há horas.
-Como não? Ele tá vivo! Pra mim, é o que importa. Eu prezo muito pela saúde dele, mas não acredito que ele vai se manter sadio dentro desse hospital. O que eu vou esperar de um hospital público, doutor? Serviço de qualidade? Nem querendo.
-Eu proíbo a senhora de fazer isso.
-E quem você pensa que é pra me proibir de alguma coisa?
-Nesse momento, o homem que, junto com seu outro filho, está cuidando do Fabrício. Sinto muito, mas enquanto ele não estiver em condições, não vou deixá-lo sair daqui. Nunca fui capaz de fazer isso com nenhum paciente, e não vai ser agora que vou mudar de ideia. E tem mais uma coisa: a senhora, como mãe dele, deve tentar convencê-lo aos poucos sobre a cadeira de rodas. Quanto mais cedo ele aderir à ideia, melhor. Com licença.

*****

O carro de Ricardo transita por entre as ruas do bairro da Várzea. Nervoso e distraído, o publicitário lembra-se da discussão protagonizada por Fabrício...

*****
-O que é você também? Tá com medo ou pena? Pode me desprezar, é só isso que eu espero de todo mundo aqui.

*****
-Por que tinha que acontecer logo com o meu filho? Por quê?
E o veículo passa por um quebra-molas, até que diminui a sua velocidade. Ricardo para o carro e verifica o que está havendo. Constata que o carro quebrou. Pela via, o carro de Cora também passa.
-Algum problema, senhor?
-Acho que meu carro morreu. Essas lombadas daqui, não sei pra quê. E o pior é que eu esqueci meus documentos e o meu celular em casa.
-Se quiser, eu posso emprestar o meu. O senhor pede para o veículo ser rebocado.
-Mas eu não vou atrasar a senhora?
-Não, sem problemas. Tem uma coisa: é senhorita.
-Desculpe.
-Quem tem que pedir perdão sou eu. Não me apresentei e nem sai do carro- abre a porta e aperta a mão dele- Prazer, Cora Lauveríssimo.
-Ricardo Faria.
-Olha, eu estou indo para o trabalho. Talvez seja perto da onde o senhor quer ir.
-Na verdade, eu queria ir pra casa. Mas é aqui perto, dá pra ir andando.
-Nesse sol quente? Eu posso levar, se quiser.
-Ah, não. Eu não posso aceitar. A senhora... Digo, você já emprestou o celular...
-Tudo bem. Se é perto, eu posso me atrasar um pouco. É só o tempo de esperar o reboque.

*****

Cristina procura Pedro na faculdade de Medicina e fala com ele sobre Fabrício.
-Meu filho, você tem um minutinho pra mim?
-Claro, eu já não tenho mais aula hoje. O que houve?
-É o Fabrício.
-Que tem? Piorou?
-Não, ele tá se recuperando. Mas o médico falou sobre a cadeira de rodas.
-É, mãe. A nova realidade dele, não tem como fugir.
-Dele até pode ser, mas não a minha. Sinceramente, Pedro, eu não tenho coragem de encarar o Fabrício e conversar sobre isso.
-A senhora vai ter que fazer isso.
-Como? Parece que ele se enfiou num casulo e não quer mais sair! Quando acordou, mandou chamar a tal de Milena pra conversar. Só ela.
-Milena é gente boa. Pelo menos, é o que pareceu ser.
-Mas não é da família.
-Pra ele, a gente não é também.
-Pedro, você é médico e...
-Não, eu sou estudante. É muito diferente.
-Não quando você está acompanhando passo a passo a recuperação de Fabrício. Eu queria que você conversasse com ele a respeito dessa... Nova realidade.
-Poderia até me dar ao trabalho, se não tivesse certeza de que ele me odeia.
-É seu irmão.
-Ele esqueceu disso.
-Olha, Pedro, eu não vou embora sem que você me prometa que vai falar com ele.
-Tudo bem, eu vou pensar.
-Não pense. Faça.

*****

Ricardo e Cora chegam à casa dele.
-Obrigado, Cora. Obrigado mesmo, eu nem sei como agradecer.
-Imagina, não precisa.
-Precisa, sim. E eu já sei até como. Quer entrar pra tomar um café?
Cora olha a aliança que ele usa.
-Sua esposa não vai reclamar?
-Minha esposa não está.
-Ah, já entendi.
-Não é nada do que você tá pensando. É só um café. E não vou aceitar recusa como resposta.
-Eu não sei...
-Por favor, Cora. Só vou deixar passar se você tiver muito atrasada pra onde você queria ir. E então?
A professora de Pedro fica em dúvida. Olha para a entrada da casa e olha para o pai de seu ex-aluno, sem nem desconfiar os laços que eles mantêm entre si.

                                                                    *****

Pedro bate na porta do quarto do irmão.
-Pode entrar.
Ao entrar, Fabrício rapidamente muda de ânimo.
-O que você quer agora?
-Falar com você.
-Não tenho assunto nenhum pra...
-Fabrício, chega. Já deu. Se você não quer falar como irmão, vamos falar como médico e paciente.
-Hum. Amadureceu. Agora tá falando como se fosse “o médico”.
-Um dos dois tinha que amadurecer primeiro. Eu tomei a liberdade.
-Tá. O que é, então, que o doutor Pedro Faria tem pra me dizer?
-Nossa mãe pediu pra conversar com você sobre uma coisa muito séria.
-Se for aquilo que ela me contou, eu não quero mais ouvir.
-Não, não é nada que rolou antes do acidente. É sobre a sua situação.
-Muito na cara que eu já sei, não é? Eu não vou mais andar. O que ela tinha que te chamar?
-Não é bem assim, cara. A gente ainda não sabe.
-Se não sabe, o que ela queria contar?
-Olha, Fabrício, não é porque a gente não sabe a gravidade do problema que você tem que ficar deitado pra sempre, com medo do que pode acontecer.
-Pra quê sentir medo, Pedro? Eu sei que não vai acontecer mais nada. Pra mim já acabou.
-Não exatamente. Pode ser que seja reversível. Talvez com a fisioterapia, ou uma cirurgia... Quem sabe os dois?
-Como você tá entendido do assunto, acho que vai poder me vigiar de perto.
-Sempre.

                                                                   *****

Ludmila encontra o médico no corredor.
-Com licença, doutor. Eu queria informações sobre o estado de saúde de Fabrício Faria.
-Você é da imprensa, certo?
-Isso. Meu nome é Ludmila. Eu já havia me apresentado antes.
-Claro. Olha, eu posso afirmar que ele está lúcido e o estado dele ainda inspira cuidados. Mas ele vem se recuperando, progredindo rapidamente.
-Eu posso vê-lo?
-Infelizmente, não. A família ainda não permitiu a entrada de outros visitantes.
-Eu sou muito amiga da Cristina Faria, a mãe de Fabrício e de Pedro. Nem que seja só por cinco minutinhos...
-Olha, se é assim, tudo bem. Mas nada de fotos, gravadores, celulares nem aparelhos eletrônicos. Só cinco minutos, hein?
-Prometo. Obrigada, doutor- e vai para o quarto.

*****

-Já que é assim, então me responde uma coisa.
-Pode falar.
-O que você ganha com isso? Ponto com a Cristina e o Ricardo? Ou diversão só porque eu tô na pior?
-Eu não falei que só um amadureceu? Cara, você não tem noção do que tá falando...
-Por que não? Acho justo. Eu nunca fui legal contigo.
-Não foi mesmo.
-É por isso mesmo que eu não me sinto arrependido.
-Acha o que você quiser, Fabrício. Enquanto você tiver em recuperação, é aqui que eu vou ficar.
-Isso se a dona Cristina...
-Chama ela de “mãe”.
-Isso se a sua mãe abrir a carteira pra mim. Duvido muito que ela faça.
-Nem com esse acidente você conseguiu dar uma guinada e crescer. Sempre foi o mimado, o mauricinho, o preferido, o perfeito. Eu não. Eu tive que fazer tudo o que eles mandavam, mas reclamando. Não queria que eles mandassem na minha vida, e olha o que eu tô fazendo agora. Te oferecendo a minha ajuda como estudante de Medicina, quando música é a minha praia.
Ludmila pretende bater na porta, mas escuta a conversa.
-Quem disse que eu quero a sua ajuda?
-Não tem que querer. É aceitar e pronto.
-Aposto que a dona Cristina foi atrás de você pra te convencer a fazer isso. Deve ser um custo. Ainda mais sabendo que eu não vou com a sua cara.
-Porque não quer.
-Por isso mesmo.
-Só queria saber por que você me odeia.
-Quer mesmo saber?
-Quero. Porque quanto mais eu penso, menos entendo.
-Então, tá. Me diz: qual foi a sensação que você teve ao descobrir que era adotado? Ih, desculpa, esqueci que você é filho legítimo. O adotado da família sou eu.
-O quê?- Ludmila se mostra surpresa com a revelação.

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