-Eu não
vou demorar. Só tô preocupada com ele.
-Fabrício
vai aceitar minha ajuda?
-Não.
-Bom,
nesse caso...
-Nesse
caso, você vai ser o irmão dele. O que provavelmente ele ouviu algum dia. Não é
possível que vocês dois vivam assim.
-O que
você e a minha mãe tão tentando fazer é forçar ele a fazer o que não quer. Isso
nunca vai dar certo.
-Tem que
ser assim. Pro bem dele.
-Milena,
não tá só nas minhas mãos. O Fabrício tem que querer ser curado. Se ele não se
mexe pra isso, eu não posso obrigar.
-Pedro...
-Desculpa,
Milena. Mas se você não conseguiu convencer meu irmão, não é esse argumento
sobre família que vai resolver.
-Eu não
vou desistir.
-Não é
desistir. É questão de perceber a solução na sua frente. Ele, se quiser, pode
pedir ajuda a qualquer médico.
-Sim,
mas...
-O que
acontece é que eu não sou médico. Posso ajudar, mas não vou pode fazer muita
coisa nesse estado que ele ficou. Parece que tudo ficou pior que antes.
-Você pode mudar isso.
-Não, não acredito muito nessa possibilidade.
Enquanto o Fabrício ficar assim, não tem como eu chegar perto. Nem pra
conversar.
-Eu vou dar um jeito de falar com ele.
-Não adianta, Milena. O problema é comigo.
Claro que ele quer se recuperar, voltar a andar, a sorrir. Se eu tiver por
perto, ele não vai aceitar minha ajuda. Tá no direito dele.
-É por causa daquela história de adoção?
-Como eu sou o irmão mais velho, ele acha que
eu sei de alguma coisa, que escondi dele a verdade. Mas eu descobri tudo quando
a minha mãe contou. Nada foi de caso pensado. E também se eu soubesse, eu tinha
que deixar que ela falasse, não podia me meter. Só que a inveja dele é pior que
tudo, Milena. Nada mudou pra mim, sabe? É meu irmão, de sangue ou não. Mas ele
não pensa assim.
-Só o que queria era dar um jeito de fazer
vocês se entenderem, sério mesmo.
-Gosta tanto do meu irmão assim?
-Eu me apeguei a ele. Olha, se você me pedir
pra explicar por que, eu não vou saber dizer.
-Pra mim, você tá apaixonada por ele.
-Eu? O que é isso?
-Não precisa ficar encabulada, não. Isso é
normal.
-Eu mal conheço o seu irmão. Como eu posso
ter me apaixonado?
-Não precisa conhecer. Só tem que sentir.
-Bonito isso que você falou.
-Mas acredite, eu não tenho muita experiência
com paixão. A minha única paixão é a música, e eu não tô com ela agora.
-Quem sabe um dia?
-Tem razão.
-Acho bonito, sabe? Essa amizade que você tem
por ele...
-Eu não tenho ninguém na vida. Quero ver ele
bem.
-Vê lá, hein? Agora você me tem.
-Tá falando sério?
-Quer que eu te mostre? Que você pode ter
amizade com os dois?
-Como?
-Vem comigo.
-Pra onde você vai me levar?
-Amigos são aqueles em quem a gente confia,
quando a família não tá por perto. Me segue.
*****
Cristina continua abraçada a Ricardo,
deixando-o constrangido.
-Não sei por que, meu amor, mas eu sinto que
a gente se perdeu um do outro.
-Por que essa impressão agora?
-Cada vez mais, a gente tem ficado distante.
Nunca foi assim. No que depender de mim, vou fazer de tudo pra ter a minha família
unida de novo.
-Cristina, para- afasta-se da esposa.
-Você tem agido diferente desde o acidente do
Fabrício.
-E como você queria que eu estivesse?
-Qualquer coisa, menos assim. Qual é o seu
problema comigo?
-Nenhum, só acho que essa situação toda me
tirou do eixo.
-Acredite, você não foi o único.
-Como vai ser quando ele entrar em casa e me
ver sendo diferente?
-Simples: não precisa ser diferente. É só
tratá-lo como sempre.
-Nunca mais as coisas vão ser como antes.
Tudo mudou.
-Só se for pra você.
-Eu não quero meu filho dessa forma. Se fosse
assim, era melhor que...
-Não fala mais isso, Ricardo. Nunca mais. Eu
também não queria que essa tragédia tivesse acontecido, mas é meu filho. Queira
você ou não. E é melhor se acostumar, porque eu vou dar um jeito de convencê-lo
a voltar pra casa- sai do local.
*****
-Você coloca num papel de presente, por
favor?- diz Pedro a uma vendedora, numa loja de aparelhos celulares.
-Claro, é só um minuto.
-Você me trouxe no shopping pra comprar um
telefone, é isso?- estranha Viviana.
-Não, trouxe pra você levar o celular pra
casa.
-Como assim? Esse celular é meu?
-Claro, né, Milena?
-Mas por que você me deu isso?
-Bom, eu comprei no cartão de crédito
universitário, que é a única coisa que minha mãe não confisca. Com ele, eu faço
o que quiser. Vai ser bom. Aí, você liga pra mim se precisar de alguma coisa.
-Pedro, eu nem sei o que te falar. Obrigada...
Obrigada mesmo.
-Deixa disso, você não tem nenhum. Vai ser
bom pra você se comunicar com a família.
-Eu não tenho família, não.
-Somos eu e o meu irmão.
-Cara, eu queria arranjar uma forma de te
agradecer pelo que você tá fazendo por mim.
-Mais importante é o que você tá fazendo pelo
Fabrício, sem pedir nada em troca.
*****
Cora está no conservatório e Pedro a
encontra.
-Professora? Tá tudo bem?
-Desculpa, Pedro. Eu estava perdida. Viajando
nos meus pensamentos. O que você tá fazendo aqui?
-Bateu saudade do povo. Vim pra cá.
Aproveitei que tinha saído. E a senhora, tá assim por quê?
-Se eu te falar, você não conta pra ninguém?
-Não, pode dizer.
-Acho que estou apaixonada.
-Isso é normal. Aliás, é ótimo.
-Ele não é o homem certo.
-Como é que a senhora sabe disso?
Cora procura desconversar.
-Você não veio falar com os meninos?
Aproveita, daqui a pouco eles largam.
-Professora?
-Hum?
-Não desiste, não. Se é verdadeiro, vai
vingar.
*****
Ludmila entra no quarto de Fabrício.
-Com licença.
-Quem é você? Médica não é.
-Eu sou Ludmila. Trabalho num jornal.
-Ah... Sei.
-Vim saber informações. Queria que você me
dissesse como é que tá.
-Não tá vendo?- olha para as pernas- Não é
óbvio?
-Desculpa se eu tô te constrangendo. Olha, eu
prometo que não vou gravar nada, não vou usar celular nem nada.
-Nem eu vou falar nada.
-Eu tô aqui com a melhor das intenções.
-Não tô nem aí pras suas intenções. O que
você quer é vender. Se for pra isso, fala com o médico. Porque eu não digo
nada. Se vira.
-Tudo bem. Eu só queria que você soubesse que
eu vim aqui sem querer comprar briga com ninguém.
-Que bom. Aproveita que deixou a porta
aberta.
-Eu sinto muito, com licença.
*****
Pedro volta pra casa e encontra a mãe na
sala.
-E então, meu filho?
-Foi pior do que eu pensava. Falei com ele e
ele nem quer me ver. E aconteceu outra briga. Assim não dá.
-Acho que vou conversar com ele. É melhor, eu
já enfrento tudo isso logo...
-Não adianta, mãe, não vai dar certo. O que a
gente tem que ter nessa hora é paciência. Porque cada dia a mais vai ser pior,
se ele resistir a tudo que a gente falar pro bem dele.
-Você veio de lá, do hospital?
-Não, falei com ele mais cedo.
-E pra onde você foi à tarde?
-Ao shopping. Com a Milena.
-Shopping? Meu
filho, você perdeu o juízo? A gente não sabe nada da vida dessa moça, de onde
ela veio, com quem ela anda.
-Eu não preciso saber. Tirando o fato de que
ela cuida muito bem do Fabrício.
-Tá, mas pelo menos, eu posso saber o que
vocês foram fazer no shopping? Bater perna?
-Melhor: essa moça de quem você tanto desconfia
me pediu pra não desistir do meu irmão, mesmo sabendo que a gente brigou. Ela
me procurou, e eu decidi segui o conselho.
-Procurou onde? Aqui?
-Aqui mesmo.
-Eu não acredito.
-Qual o problema, mãe?
-Pode ser uma trombadinha, já pensou nisso?
Eu não gosto que você me receba alguém sem avisar.
-Você tava em casa, conversando com o meu
pai. Eu não sabia que ela vinha.
-Só quero que você me responda mais uma
coisa, Pedro: se essa moça veio mesmo falar sobre a recuperação do Fabrício, o
que foi que vocês fizeram no shopping?
-Fui comprar um celular. Ela tava precisando.
-Ela?
-Ela, mãe, ela mesma. Olha, eu não quero
brigar. Já bastam as coisas que eu tive que escutar naquele hospital. Quanto
mais a Milena ficar perto dele, mais confiante ele vai ficar daqui pra frente.
E agora eu vou tomar um banho pra resolver uns assuntos da residência pela
internet- Pedro sobe as escadas.
-Milena rondando meus filhos... Era só o que
faltava.
******
A enfermeira traz uma bandeja com o jantar
para Fabrício. Nesse momento, Viviana chega e vê o rapaz comendo.
-Posso entrar?
-Claro.
-Com licença- diz a enfermeira.
-E então? Você já tá se alimentando... Pra
quem não queria nada com a vida, isso é ótimo. Bom demais.
-Não posso ficar dependendo de todo mundo. Ou
melhor, de ninguém da família.
-Eu vou ficar aqui fora, esperando você
terminar de comer. Eu passo depois.
-Não precisa. Fala agora.
-Melhor não.
-Fala, Milena.
-Tenho que falar sobre a cadeira.
-Cadeira? Qual?
-Pra quê fingir? Você sabe do que eu tô
falando.
-Desculpa, mas eu boiei completamente.
-Vai negar? Tudo bem, vai ser pior se demorar
a usar.
-Pra ser sincero, eu tenho pra mim que isso é
passageiro. Daqui a uns dias, eu vou ter ficado novo.
-Fabrício, não é assim.
-Duvida?- Milena abre a porta do quarto- Onde
é que vai?
Ela puxa a cadeira.
-Essa não tem motor, é daquelas normais.
Depois, se você for transferido mesmo, vão pegar outra.
-Pra quê foi que isso entrou no quarto?
-Eu vou falar com o médico e você vai sentar
nisso e começar a usar.
-Tira isso daqui, Milena.
-Não adianta se comportar como uma criança. É
pro seu bem.
-Meu bem é tirar essa cadeira da minha vista.
-Até quando a gente vai tentar conversar
contigo e você não vai dar atenção? Hein? Não quer ouvir sua mãe? Eu tô aqui!
Não quer ouvir seu irmão? Eu tô aqui! Não tem problema nenhum com ninguém, mas
você fica fazendo birra como um menino pequeno. Tá na hora de agir como homem.
Você não foi o machão na hora de correr, de beber e sair disparado dentro do
carro?
-Nunca. Você me ouviu? Eu não vou usar essa
cadeira nunca!
Violentamente, ele arremessa a sua bandeja e
joga na cadeira, deixando Viviana perplexa com sua atitude.
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