17/10/2016

ONZE MIL/ CAPÍTULO 1


A sensação que ninguém tinha, mas todos gostariam de experimentar: a capacidade de voar. Carolina, ao lado do namorado, pula de um avião com as mãos entrelaçadas às de Lucas. Ambos sentem as nuvens, gritam, separam-se por poucos segundos para sentirem o voo, e novamente dão as mãos um ao outro. Logo que se aproximam, dão o mais apaixonado beijo que poderiam trocar.
Não demora muito para que Lucas diga à sua amada que chegou a hora de abrir o paraquedas. Ela não escuta, devido ao vento, mas entende. O rapaz conta até três, para que abram juntos. Somente o dele funciona. O sorriso de orelha a orelha cede lugar a um desespero devastador. Já não é possível ver o rosto de Carolina. Apenas os seus braços, estendidos, clamando por ajuda. A queda parece interminável, e Lucas se mantém cada vez mais distante. Um forte abalo é causado pela queda.
Bernardo levanta, assustado. Acabara de sonhar com um trágico fim para a sua caçula. Como se fossem crianças, dois dos jovens filhos do empresário são observados durante o sono pelo pai. Encontra Raffael, o segundo filho, e Yanna, a primogênita. No quarto de Carolina, não há ninguém. Recorda-se, então, de que a jovem viaja com os colegas de turma. Inclusive com Lucas.
-Chegou a hora de colocar a vida dos meus filhos em ordem.

...

Ao celular, Bernardo conversa com um dos acionistas da empresa quando a secretária o chama.
-Com licença, Doutor.
-Pois não?
-Tem uma moça querendo falar com o senhor aqui fora.
-Não tenho hora marcada com ninguém hoje, manda passar outro dia.
-Se trata da moça que veio aqui outro dia e o senhor não estava. A tal de Alice.
-Alice, é? Então, deixa entrar. Mas eu não quero ser interrompido por ninguém- volta a falar ao celular- Eu decido a agência de publicidade depois, tenho que desligar.
-Por favor, entre.
-Obrigada.
-Nos deixe a sós, por favor.
-Claro, com licença- fecha a porta.
-Você demorou pra voltar aqui, não acha?
-Já vim duas vezes e o senhor não me atendeu. Mandou a secretária dizer que não podia me atender.
-E não podia mesmo. Mas era sua obrigação me esperar. Vai dizer que o que eu te pago não é suficiente?
-Olha, Bernardo, eu não sei você se lembra, mas eu tenho clientes...
-Que podem esperar. Eu pago bem. Muito mais do que você vale.
-Paga mais porque eu sou sua preferida, não é?
-Exatamente.
-Pra onde a gente vai? Você vai sair assim, no meio do expediente?
-O problema que você vai resolver não é pra mim, e sim pra esse rapaz aqui- mostra uma foto pelo celular.
-Você tá pagando um programa pra outra pessoa?
-Não qualquer pessoa, minha cara. Raffael.
-O nome não me diz nada.
-Raffael Mutarelli.
-Seu filho? Mas por que isso?
-Alicinha, aqui eu dou as ordens, viu? Inclusive, determino o que você pergunta ou não.
-Tudo bem. Onde é que eu encontro seu filho?
-Esquece nosso parentesco. Seja carinhosa, compreensiva com ele, mostre estar interessada nele... Finja uma paixão- Alice olha com desconfiança- Como hoje eu estou de ótimo humor, vou explicar a situação: Raffael é virgem, e não quer perder a virgindade. Baboseira. Quando eu tinha a idade dele, não tinha essa frescura. "Achar alguém ideal pra ter a primeira transa"? Por favor...
-Tem muitos casos assim.
-Mas o caso do Raffael não é como os outros. O arquiteto dessa situação vai pagar muito bem por esse seu servicinho extra.
-E depois que eu conseguir? O que eu digo?
-Não diz. Some no mundo, diz que arrumou um emprego, mudou de cidade, se despeça com uma ligação... Dá seu jeito.
-O que é que eu preciso saber sobre ele?
-Adora ser chamado de "Fael". Faz um cursinho, quer fazer vestibular pra Engenharia, mas é centrado até demais. Sabe aquele tipo que só de olhar, você vê que não levou ninguém pra cama nunca? E olha que ele já passou de dezoito.
-Depende muito da cabeça de cada homem, Bernardo.
-Seja compreensiva com ele, não comigo. Estimule-o, jogue como bem sabe fazer- pega um cartão- Aqui está o endereço e o cheque do cursinho. Matricule-se hoje. A turma de Raffael é a da tarde. Turma Um.
-E nós dois? Faz tempo que a gente não sai, né?
-A prioridade da vez são meus filhos. Eu vou colocar a vida de cada um nos trilhos. Nos meus trilhos.

...

Yanna volta bastante cansada da universidade, na qual é graduanda em Música. Entretanto, joga a mochila no chão quando encontra a irmã, recém-chegada da viagem. Ela grita e dá um abraço.
-Que saudade que eu tava de você!
-Eu também...
-Ah, isso é mentira! Quase nunca você ligava! Mas também, né? Bastante ocupada com o Lucas- assim que menciona o nome do cunhado, Yanna nota a apreensão da irmã- O que foi? Vocês brigaram?
-Não é nada disso. É que eu fiquei sabendo de uma coisa antes de viajar. Mesmo ficando o tempo todo ao lado de Lucas, não tive coragem de contar- sem que percebam, Bernardo fica à espreita na porta do quarto das filhas.
-Sobre Lucas?
-Sobre nós dois.
-Se quiser contar... Prometo que não falo nada pra ninguém.
-Yanna, faz uns dias que... Que minha menstruação não veio.
-Isso tá te deixando grilada? Poxa, Carol, pode acontecer, é normal. Não acredito que você ficou a viagem toda pensando nisso.
-Fiz um teste de farmácia depois.
-E então?
-Deu positivo... – Bernardo se afasta da porta, mas prossegue escutando o diálogo.
-Carol, você tem que falar com Lucas. Ele tem que te levar pro médico, pra ter certeza...
-Por enquanto, não. Vou esperar mais uns dias.
-Esperar o quê, Carolina? Daqui a pouco, todo mundo vai sacar! Se você quiser, eu vou contigo até o médico pra fazer o exame. O que é?
-Tô com medo da reação dele. E se ele não quiser mais me ver?
-Essa é sua grande preocupação? O que Lucas vai pensar? Tem que pensar em você agora, em tirar a dúvida. Vamos marcar um dia que a gente saiba que nosso pai vai largar tarde e a gente vai pra clínica falar com a ginecologista.

...

Raffael chega ao curso pré-vestibular atrasado, mas acaba interrompido pela garota de programa que Bernardo contratou.
-Dá licença?
-Foi mal, é que eu tô atrasado...
-Espera, eu quero saber onde é a Turma Um.
-Sou dessa turma.
-Ah, sei. Desculpa, eu nem me apresentei. Meu nome é Amanda- estende a mão para o estudante.
-Prazer, Raffael.
-Eu tô perdida assim, mas é que eu me matriculei de última hora, hoje de manhã.
-Se quiser, eu te levo até a sala.
-Pode ser- sorri para Raffael.                                                                           
-Então, vamos- diz, após retribuir o sorriso por alguns segundos.

...

Voltando de uma lan house, Lucas tira a chave de casa pra entrar quando Bernardo desce do seu carro.
-Lucas!
-O senhor me conhece?
-Mais do que eu gostaria.
-Quem é o senhor?
-Bernardo Mutarelli- Lucas expressa não saber de quem se trata- O pai da Carolina- rapidamente, o jovem fica apreensivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário