A sensação que ninguém tinha, mas
todos gostariam de experimentar: a capacidade de voar. Carolina, ao lado do
namorado, pula de um avião com as mãos entrelaçadas às de Lucas. Ambos sentem
as nuvens, gritam, separam-se por poucos segundos para sentirem o voo, e
novamente dão as mãos um ao outro. Logo que se aproximam, dão o mais apaixonado
beijo que poderiam trocar.
Não demora muito para que Lucas diga à
sua amada que chegou a hora de abrir o paraquedas. Ela não escuta, devido ao
vento, mas entende. O rapaz conta até três, para que abram juntos. Somente o
dele funciona. O sorriso de orelha a orelha cede lugar a um desespero
devastador. Já não é possível ver o rosto de Carolina. Apenas os seus braços,
estendidos, clamando por ajuda. A queda parece interminável, e Lucas se mantém
cada vez mais distante. Um forte abalo é causado pela queda.
Bernardo levanta, assustado. Acabara
de sonhar com um trágico fim para a sua caçula. Como se fossem crianças, dois
dos jovens filhos do empresário são observados durante o sono pelo pai.
Encontra Raffael, o segundo filho, e Yanna, a primogênita. No quarto de
Carolina, não há ninguém. Recorda-se, então, de que a jovem viaja com os
colegas de turma. Inclusive com Lucas.
-Chegou a hora de colocar a vida dos
meus filhos em ordem.
...
Ao celular, Bernardo conversa com um
dos acionistas da empresa quando a secretária o chama.
-Com licença, Doutor.
-Pois não?
-Tem uma moça querendo falar com o
senhor aqui fora.
-Não tenho hora marcada com ninguém
hoje, manda passar outro dia.
-Se trata da moça que veio aqui outro
dia e o senhor não estava. A tal de Alice.
-Alice, é? Então, deixa entrar. Mas eu
não quero ser interrompido por ninguém- volta a falar ao celular- Eu decido a
agência de publicidade depois, tenho que desligar.
-Por favor, entre.
-Obrigada.
-Nos deixe a sós, por favor.
-Claro, com licença- fecha a porta.
-Você demorou pra voltar aqui, não
acha?
-Já vim duas vezes e o senhor não me
atendeu. Mandou a secretária dizer que não podia me atender.
-E não podia mesmo. Mas era sua
obrigação me esperar. Vai dizer que o que eu te pago não é suficiente?
-Olha, Bernardo, eu não sei você se
lembra, mas eu tenho clientes...
-Que podem esperar. Eu pago bem. Muito
mais do que você vale.
-Paga mais porque eu sou sua
preferida, não é?
-Exatamente.
-Pra onde a gente vai? Você vai sair
assim, no meio do expediente?
-O problema que você vai resolver não
é pra mim, e sim pra esse rapaz aqui- mostra uma foto pelo celular.
-Você tá pagando um programa pra outra
pessoa?
-Não qualquer pessoa, minha cara.
Raffael.
-O nome não me diz nada.
-Raffael Mutarelli.
-Seu filho? Mas por que isso?
-Alicinha, aqui eu dou as ordens, viu?
Inclusive, determino o que você pergunta ou não.
-Tudo bem. Onde é que eu encontro seu
filho?
-Esquece nosso parentesco. Seja
carinhosa, compreensiva com ele, mostre estar interessada nele... Finja uma
paixão- Alice olha com desconfiança- Como hoje eu estou de ótimo humor, vou
explicar a situação: Raffael é virgem, e não quer perder a virgindade.
Baboseira. Quando eu tinha a idade dele, não tinha essa frescura. "Achar
alguém ideal pra ter a primeira transa"? Por favor...
-Tem muitos casos assim.
-Mas o caso do Raffael não é como os
outros. O arquiteto dessa situação vai pagar muito bem por esse seu servicinho
extra.
-E depois que eu conseguir? O que eu
digo?
-Não diz. Some no mundo, diz que
arrumou um emprego, mudou de cidade, se despeça com uma ligação... Dá seu
jeito.
-O que é que eu preciso saber sobre
ele?
-Adora ser chamado de
"Fael". Faz um cursinho, quer fazer vestibular pra Engenharia, mas é
centrado até demais. Sabe aquele tipo que só de olhar, você vê que não levou
ninguém pra cama nunca? E olha que ele já passou de dezoito.
-Depende muito da cabeça de cada
homem, Bernardo.
-Seja compreensiva com ele, não
comigo. Estimule-o, jogue como bem sabe fazer- pega um cartão- Aqui está o
endereço e o cheque do cursinho. Matricule-se hoje. A turma de Raffael é a da
tarde. Turma Um.
-E nós dois? Faz tempo que a gente não
sai, né?
-A prioridade da vez são meus filhos.
Eu vou colocar a vida de cada um nos trilhos. Nos meus trilhos.
...
Yanna volta bastante cansada da
universidade, na qual é graduanda em Música. Entretanto, joga a mochila no chão
quando encontra a irmã, recém-chegada da viagem. Ela grita e dá um abraço.
-Que saudade que eu tava de você!
-Eu também...
-Ah, isso é mentira! Quase nunca você
ligava! Mas também, né? Bastante ocupada com o Lucas- assim que menciona o nome
do cunhado, Yanna nota a apreensão da irmã- O que foi? Vocês brigaram?
-Não é nada disso. É que eu fiquei
sabendo de uma coisa antes de viajar. Mesmo ficando o tempo todo ao lado de
Lucas, não tive coragem de contar- sem que percebam, Bernardo fica à espreita
na porta do quarto das filhas.
-Sobre Lucas?
-Sobre nós dois.
-Se quiser contar... Prometo que não
falo nada pra ninguém.
-Yanna, faz uns dias que... Que minha
menstruação não veio.
-Isso tá te deixando grilada? Poxa,
Carol, pode acontecer, é normal. Não acredito que você ficou a viagem toda
pensando nisso.
-Fiz um teste de farmácia depois.
-E então?
-Deu positivo... – Bernardo se afasta
da porta, mas prossegue escutando o diálogo.
-Carol, você tem que falar com Lucas.
Ele tem que te levar pro médico, pra ter certeza...
-Por enquanto, não. Vou esperar mais
uns dias.
-Esperar o quê, Carolina? Daqui a
pouco, todo mundo vai sacar! Se você quiser, eu vou contigo até o médico pra
fazer o exame. O que é?
-Tô com medo da reação dele. E se ele
não quiser mais me ver?
-Essa é sua grande preocupação? O que
Lucas vai pensar? Tem que pensar em você agora, em tirar a dúvida. Vamos marcar
um dia que a gente saiba que nosso pai vai largar tarde e a gente vai pra
clínica falar com a ginecologista.
...
Raffael chega ao curso pré-vestibular
atrasado, mas acaba interrompido pela garota de programa que Bernardo
contratou.
-Dá licença?
-Foi mal, é que eu tô atrasado...
-Espera, eu quero saber onde é a Turma
Um.
-Sou dessa turma.
-Ah, sei. Desculpa, eu nem me
apresentei. Meu nome é Amanda- estende a mão para o estudante.
-Prazer, Raffael.
-Eu tô perdida assim, mas é que eu me
matriculei de última hora, hoje de manhã.
-Se quiser, eu te levo até a sala.
-Pode ser- sorri para Raffael.
-Então, vamos- diz, após retribuir o
sorriso por alguns segundos.
...
Voltando de uma lan house, Lucas tira a
chave de casa pra entrar quando Bernardo desce do seu carro.
-Lucas!
-O senhor me conhece?
-Mais do que eu gostaria.
-Quem é o senhor?
-Bernardo Mutarelli- Lucas expressa
não saber de quem se trata- O pai da Carolina- rapidamente, o jovem fica
apreensivo.
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