Todos
se desesperam, ao perceberem o quanto Peter estava ferido. Desacordado, o jovem
desperta a atenção do Brasil inteiro com seu drama (certo, parecemos a Sivanith
falando...).
Arnaldo consegue
soltar-se dos seguranças e com isso, tenta socorrer o próprio filho. Juliane
fica sem reação, achando que o namorado não tinha sobrevivido à queda. Leilah
fica parada, sem acreditar no que tinha feito. E toda a plateia em pé,
aguardando para ver que providências vão tomar. Ester corre para ver se o filho
havia sobrevivido ao ataque da ex. E até mesmo Raí, que não era lá o melhor
amigo de infância do cara, ficou encucado com aquela situação bastante incomum.
A magnata verifica se há batimentos cardíacos, e grita:
-Ele tá vivo.
-Calma, eu vou
ligar pro Samu agora pra socorrer ele- avisa Juliane enquanto discava o número.
Leilah tenta se aproximar do rapaz, mas é repelida com um tabefe na mão dado
por Ester.
-Você quer acabar de
matar meu filho, sua desmiolada? Ele pode ter quebrado alguma coisa!
-Pode ter quebrado,
não. Ele tá todo quebrado!- avalia Juliane- Mas quando os médicos da ambulância
me atenderem, eu vou pedir pra virem dois carros do Samu. Porque eu vou quebrar
essa vaca... – e recomeça a briga dessas mulheres, que se estapeiam e se puxam
enquanto há um semi-moribundo no palco do “Desenlace de conflitos”. A
ex-fisioterapeuta deixa o celular cair, e enquanto a mãe do nosso colega
vitimado está tentando separar as quase noras, Inácio se abaixa- com direito ao
bebê no colo- e dá as informações necessárias para o socorro do cunhado.
-Alô? Alô? Olha, é
que teve um acidente aqui na emissora, na Rede PE. Foi, no programa “Desenlace
de Conflitos”.
-E quem não viu
isso? O programa está ao vivo. Muito hilário- solta esta pérola o médico que
atende Inácio!- O nome do carinha é Peter, né? Dá o sobrenome dele aí que a
gente já tá indo pra aí, encaminhando ele para a policlínica.
-É Peter de quê,
Juliane?
-Werneck Simões!-
fala Arnaldo, ainda sendo segurado por dois brutamontes.
-Werneck Simões-
repete Inácio.
-Certo, a gente já
está registrando aqui. Agora, o negócio é o seguinte. Ninguém pode tocar nele, é bem capaz dele
ter tido alguma fratura exposta. Só deixa a namorada dele fisioterapeuta por
perto. Ela pode ajudar a gente a colocá-lo na maca.
-Tá bom, eu vou
avisar. Obrigado- desliga o celular.
-Sim, vai resolver
o quê?- pergunta Sivanith, parecendo estar apreensiva com a situação. Mas vá
por nós, ela só parece estar apreensiva. Preocupada mesmo ela está com outra
coisa.
-Eles já viram tudo
pela televisão, daqui a pouco eles devem chegar aí- explica Inácio.
-Tavares? Olha, tem
como chamar aquele rapaz que é operador de câmeras em High Definition?- a
apresentadora fala através de um ponto eletrônico.
-O quê que ela tá
fazendo?- Leilah não entende o procedimento televisivo de última hora.
-Sim, o irmão da
enfermeira...
-Fisioterapeuta-
corrige Juliane.
-Grandes coisas,
não pago teu salário!- grita a louca, e não perde o papo com o tal Tavares- O
irmão dela conseguiu falar com o médico do Samu e ele já está chegando aqui no
estúdio. Traz esse rapaz aqui antes da ambulância chegar. Pela primeira vez,
vamos ter uma transmissão em HD no nosso canal. Chame o cara pra ele registrar
a maca sendo levada pra policlínica...
-Meu filho pode até
não ir pra maca, cachorra. Mas você vai!- antes mesmo de falar, Ester estava
totalmente atracada com a apresentadora. Nada mal, pra quem estava apartando
Juliane e Leilah- Avisa pro infeliz do Tavares que ninguém vai fazer esse
carnaval, porque se meu filho morrer, eu processo essa joça que vocês chamam de
emissora! Ordinária!
-Ao vivo para todo
o Brasil, esta mulher está tentando me matar! Socorro!
-Sabe onde é que
esse ponto eletrônico vai parar, vagabunda? Sabe onde? Vadia!- e desfere um
soco na cara da velha, que é amparada pelas pretendentes de Peter.
-Dona Sivanith, eu
trouxe aqui a... - chega o operador de câmera, com o equipamento em HD.
Ester fica furiosa
com o cara e ameaça-o.
-Tira essa câmera
daqui. Tira agora, seu verme!
-Que é isso, dona?
Vou perder meu emprego por causa de uma velha na menopausa? Tá maluca!
-Hoje, eu quebro
todos os meus cartões de crédito que estão dentro da bolsa. Mas eu quebro tudo.
Eu quebro! Mandei você tirar essa filmadora!- e começa a bater na câmera com a
bolsa, até ela cair. Nesse momento, Sivanith recupera suas forças e perde a
compostura para ser a vítima do sensacionalismo barato.
-Tavares! Tira essa
mulher da minha vista, que eu já estou perdendo a paciência!
-Eu quero ver quem
é que vai fingir ser o homem que vai me tirar daqui.
-Aonde é que o
menino caiu?- pergunta a equipe de paramédicos.
-Pois na falta de
homem, vai ter que se virar comigo. Ninguém encosta a mão em mim, muito menos
você... Cachorra!- depois do grito, deu um golpe daqueles de fazer propaganda
de tratamento dentário na Odonto System.
Todos
que estavam no local ficaram perplexos com a improvável cena. Na maior finesse
possível, Ester se recompõe, para em seguida, descompor-se novamente.
- Se eu não mandar
você pra cadeia, você vai trabalhar na Rede TV! Como a operada do Dr.
Hollywood. Porque eu vou barbarizar com a tua cara!
E as duas começam a
rolar pelo palco. Como as duas sentiram empatia pela situação, Leilah e Juliane
se xingaram e começaram aquela baixaria de novo. Santiago correu para levar os
paramédicos até o Peter e Inácio tentou acompanha-los. O rapaz foi colocado na
maca e foi levado às pressas na ambulância, tendo seu meio-irmão como
acompanhante. Inácio e Bernardo chegaram à calçada e viram nosso protagonista
ser transportado à policlínica.
-Vamos voltar lá
pra dentro, hein? Acho que tua mãe botou a cabeça no lugar e vai cuidar do
Peter. Vamos, Bernardo?
Quando, no entanto,
Inácio resolve abrir a porta do estúdio (sem seguranças, já que todos eles
tentavam conter a zona que lá estava), ocorre que Raí sai correndo de Juliane e
Leilah!
-Desgraçado, eu vou
te matar! Traidor!
-Eu mato primeiro
esse canalha, sai da minha frente!
-Viu que não mudou
nada?- diz o tio ao sobrinho- Devia ter te avisado. Vamos pro hospital!
*****
Ao anoitecer, ocorre que Arnaldo, Juliane, Ester e Carolina procuram
saber notícias. Os quatro encontram Inácio e Bernardo na entrada da
policlínica.
-Como é que tá o
meu filho?- Arnaldo busca informações sobre Peter.
-Fala, Inácio!- a
namorada desesperada agarra a gola do irmão.
-Gente, eu não sei.
Parece que o irmão dele tá conversando com o médico. Ele entrou faz uns dez
minutos na sala e não saiu ainda.
-Irmão? Que irmão?
Ah, o Santiago. Nossa, que coisa louca foi esse programa. Saíram coisas que
nunca na vida a gente ia fazer ideia- avalia Carolina.
-Irmão dele uma
ova. Eu nunca considerei esse menino como meu filho. E não é porque tudo isso
aconteceu que eu vou considerar.
-Deixa de ser
imbecil, Arnaldo. Você acha mesmo que o Peter vai deixar de falar com o
Santiago porque ele foi resultado de um caso seu? Me poupe, meu querido. É
capaz dele ficar ainda mais próximo desse menino. Acho até bom. Vai ser o seu
castigo. E ainda acho muito pouco.
-Quando é que vocês
vão parar com isso, hein? Nem casados vocês são. A hora é de se preocupar com o
Peter. Mas me diz uma coisa, Inácio- tenta se informar Juliane- Conseguisse
entrar no quarto pra ver alguma coisa?
-Eu só sei mesmo o
que Santiago contou. Mas parece que aquele problema do pé piorou. Não sei se
vocês prestaram atenção. Ele teve uma fratura exposta com a queda da tal
Leilah.
-Ai, não... - fica
atônita Ester- Lá vem o Santiago. Ele vai dizer alguma coisa.
-O que foi,
Santiago? Que cara é essa?
-A gente vai
precisar ser muito forte, galera.
-Não, meu filho. Eu
sou fisioterapeuta e não nutricionista. Deixa desse suspense e conta o que o
médico disse.
-Por enquanto, ele
tá bem e pode receber algumas visitas.
-Como assim? Ele
ainda tem algum risco pra correr?- Carolina fica em dúvida.
-O médico disse que
as próximas horas vão ser bem cruciais pra ele.
-Fala tudo logo,
menino!- Inácio fica impaciente.
-Ele precisa de uma
transfusão de sangue pra já. O problema é que o tipo dele é muito raro e é bem
capaz de as pessoas da família serem as únicas que vão poder doar.
-E qual é o tipo
dele?- Juliane quer que o cunhado recém-descoberto solte a informação.
-Eu não sei, não me
lembrei de perguntar ao médico...
-E como é que você
fica dez minutos conversando com o médico sobre o garoto que está em estado
grave e me vem com essa de não perguntar um negócio importante desse? Tá com o
juízo aonde?
-Tu que é pai não
sabe, imagina eu? E outra coisa: não venha pra cima de mim com essa moral,
porque eu não lhe dei liberdade pra isso. Nem com o teu filho você tem, comigo
vai ter menos ainda. Entendeu?
-Olha, vamos falar
com o médico pra fazermos os exames necessários pra salvar o Peter. O que
importa agora é a saúde do meu filho. Vamos entrar, Arnaldo, pra resolver esse
problema de uma vez?
-Tem razão, Ester.
Não é possível que eu, o pai dele, não possa ser o doador.
-Isso a gente só
vai saber depois que chegar lá no médico e pedir pra fazer o exame.
-Bom, isso é o de
menos. Vamos falar com ele. Santiago, diz onde é a sala dele pra que Ester e
Arnaldo descubram alguma coisa. O médico ainda está aí?- sugere Juliane.
-Tá aqui. Hoje ele
vai fazer um plantão. Vamos à sala dele, vem.
Inácio, Bernardo,
Arnaldo, Carolina, Ester e Juliane pegam um elevador pra tentar arrancar
informações sobre como salvar o Peter. Nem é preciso dizer o constrangimento de
Arnaldo em dividir o mesmo espaço com o filho renegado e a nora sensual-ética.
Enquanto isso, na delegacia...
*****
Leilah está prestando depoimento sobre a confusão que causou- ou que
intensificou- no programa da Sivanith Marinho.
-Olha aqui, a
cachorra da Juliane já foi liberada do interrogatório. Por que é que eu ainda
continuo nesse fim de mundo?
-Menina, você não
está em casa, não. Não fala do jeito que quiser, mas nem a pau!- adverte o
delegado.
-Só falta agora o
senhor me dizer que eu posso ser presa por desacato.
-Não falta nada. Eu
andei analisando as confusões que você andou se metendo, Leilah. Você bateu com
um carro que tinha essa tal Juliane dentro. A mulher ficou presa nas ferragens
e quase foi pelos ares. E isso seria um pecado, se nós considerássemos aquele
corpinho perfeito e escultural dela...
-Como é que é?
-Agora você empurra
um cara do alto do cenário de um programa televisivo ao vivo, e está com toda
essa ignorância. Da outra vez, você escapou de ser detida porque a moça nunca
se prestou a dar queixa. Mas a repercussão desse novo caso foi inevitável,
minha querida. Então, por gentileza... Baixa a tua bola!
-Vê se me entende!
Eu não queria fazer nada contra o Peter. Eu queria mesmo era matar o Raí!
-E vem me dizer
isso com essa cara lavada?
-Ué, mas se eu não
posso mentir no depoimento, é pra eu dizer o quê? Que a minha vítima de caso
pensado era Juliane? Claro que não. Até porque nem próxima da escada ela ficou.
-Eu não estou
acreditando nisso... Na noite em que eu dou plantão aqui, tenho que ficar horas
interrogando uma jovem pirada, que provavelmente deve declarar seu amor ao
ex-namorado com frases falsas de Clarice Lispector... Ah, tenha dó!
-O negócio é o
seguinte: quando é que eu vou sair daqui?
-Certo. Já que é
assim, vamos direto ao assunto. Você não vai sair.
-Que bobagem é
essa?
-Menina, você vai
ficar aqui até que chegue algum habeas corpus que
possa te soltar.
-Que ideia é essa?
Eu não posso ser...
-Presa? Já está,
minha filha. E se o seu problema é advogado, nem se preocupe. Vamos habilitar
um promotor público que vai cuidar de seu caso, mas até ele conseguir sua
soltura, ninguém sabe quanto tempo vai demorar.
-Isso não tá
acontecendo. Comigo mesmo, não!
-Leilah,
oficialmente você está detida por tentativa de assassinato contra
eu-lá-sei-quem, com lesão corporal gravíssima contra o jovem Peter Werneck.
-Gravíssima? Ele
piorou?
-Piorar, ele não
piorou, não é? Mas o caso dele ainda é muito delicado. Ele precisa de uma
transfusão de sangue, porque o teu empurrão fez com que o menino tivesse uma
fratura exposta. O único porém é que ele tem um tipo sanguíneo raro, e agora a
gente tem que ver quem é que pode doar pra ele.
-Será que eu sou
compatível com ele?
*****
-Claro que não!- Arnaldo parece ter respondido lá do hospital (a gente
adora uns ganchos)- Só as pessoas da família dele estão aptas para a doação.
-Você é que pensa,
meu querido. Não precisa ser da família, basta ter o mesmo tipo de sangue que
ele e pronto. Por isso mesmo que eu fiz o exame. Se for pra ajudar o Peter, eu
quero seguir todo o procedimento necessário- explica Juliane.
-Por favor,
Juliane. Qual é o tipo de ajuda que você pode oferecer, hein? Eu conheço bem o
Peter, e só pelas coisas que o meu filho descobriu hoje no programa daquela
mulher, eu tenho certeza de que se você fosse a única doadora disponível, ele
escolheria por morrer do que aceitar o sangue de uma mulher baixa como você.
-Realmente... Tão
baixa a ponto de recusar o assédio que você estava fazendo dentro de casa. Nem
o meu filho foi respeitado. Uma criança! Agora, sou eu que estou faltando com a
verdade e o respeito com o Peter?
-Chega! Gente, por
favor! A gente veio pro hospital pra continuar com a briga do programa?-
apazigua Carolina.
-Olha o médico-
avisa Ester.
-E então? Tem
alguma notícia, Doutor Mayer?- pergunta Inácio.
-Tenho duas boas
notícias sobre o estado de saúde do Peter. A primeira é que ele já pode receber
visitas, só que um de cada vez- todos respiram aliviados- Inclusive, eu até já
dei a outra notícia pra ele. Mas eu não sei... Pareceu que ele ficou tão triste
com isso.
-Com o quê?- Ester
se apavora de novo.
-Fizemos os exames
com vocês e descobrimos que o tipo de sangue dele é O negativo. Por causa
disso, não pudemos fazer a doação antes. Infelizmente, nosso banco não
dispunha...
-E? E? E? O foco é
o Peter!- Inácio se impacienta (novidade...).
-Os exames mostraram
que três pessoas podem doar para ele. Agora só nos resta saber quem é que vai
fazer a transfusão. E isso tem que ser decidido o quanto antes.
-Viram? Eu sabia!
Sabia que salvaria a vida do meu filho. Pode reclamar sobre o que quiser, mas o
sangue fala mais alto.
-Justamente. O
sangue... E as panicats, não é, seu Arnaldo? Porque o Peter me contou que o
senhor é tão viciado em mulher que, há sete meses, o senhor fez no braço uma
tatuagem que reproduzia uma dessas assistentes de palco na capa de uma revista.
E o tatuador deu closes impressionantes. Como todos devem saber, quem faz esse
tipo de arte só pode se submeter à transfusão após um ano.
-Eu não acredito
que esse homem fez isso de novo... Em 1997, nosso filho tinha três anos de
idade, renovamos nossos votos de matrimônio. E qual é o presente que ele me dá?
Uma tatuagem na panturrilha de uma das dançarinas da Companhia do Pagode...
-Ai, chega vocês
dois! Ninguém aguenta esse lengalenga!- Carolina se revolta!
-E quem são os
outros dois, Doutor?- Juliane se separa do polêmico ex-casal.
-Você e o Santiago.
Os dois são compatíveis e podem doar. Claro que tem todo um procedimento... Mas
em menos de uma hora, a policlínica recolhe o sangue.
-É, Arnaldo. O
Santiago tem o mesmo tipo de sangue que o seu. Mais uma prova de que quem sai
aos seus não degenera...- provoca Ester.
-Bom, Doutor,
quando é que eu posso entrar pra ver meu filho? Agora?
-Não. O Peter pediu
pra que o Santiago entrasse primeiro.
-Mas... Ele não
quer me ver?- lamenta Juliane.
-Foi um pedido
dele. Ele falou com todas as letras que antes da doação, não era pra deixar
ninguém entrar, a não ser o irmão dele.
-Certo... Então, o
senhor me leva até o quarto?
-Claro, por aqui.
Enquanto Santiago era conduzido, Juliane ficava desolada por não
conseguir ver o ex-namorado. Ex porque... Vocês conferem a seguir. Quando o
bastardo chegou ao quarto, o médico falou:
-Eu vou deixar
vocês à vontade. Mas não demora, Santiago- fechou a porta.
-Como é que você
tá, hein?
-Quebrado. Que
pergunta, cara...
-Já ficou sabendo
da história da doação?
-Sei. Por isso eu
pedi pro doutor te chamar.
-A Juliane ficou
triste porque não foi a primeira a entrar.
-Ela não vai
entrar. Ela vai é sair da minha vida, de uma vez.
-Cara, você ainda
tá zonzo. Nem tem noção do que fala...
-Santiago... O que
a minha mãe disse não muda o que eu já sabia. Você sempre foi meu melhor amigo,
mas eu nunca te via assim. Nunca foi o sangue que fez a gente ser carne e unha,
cara. A verdade é que eu sempre te tive como irmão. E agora...
-Não fala nada, Peter.
Você ainda está fraco por conta da queda.
-Eu não quero mais
a Juliane na minha vida. Nada pode me fazer lembrar dela.
-Cara, ela quer
fazer a transfusão pra...
-Eu quero que você
doe pra mim. Que você salve a minha vida. Ela me escondeu a verdade sobre o
filho dela, eu passei a viver em função dela e do Bernardo e agora eu me sinto
um idiota. Não quero mais depender dela, do meu pai, da minha mãe. Todo mundo
tem que seguir o seu caminho. E eu não quero mais deixar de viver pra ficar me
esforçando a troco de nada. Por isso, eu tô te pedindo como irmão e como amigo.
Não deixa a Juliane doar. Eu sei que você gosta de mim e que só quer ver o meu
bem. Mas, por favor, tira ela da minha vida... Tira ela da...
-Peter! Peter!
Calma! Você tá muito nervoso. Tá tudo bem. Tudo bem, viu? Eu vou falar com o
médico pra fazer a doação. Eu vou doar sangue pra salvar você, mais ninguém.
Peter aperta a mão
do irmão e chora emocionado.
-Que é isso, cara?
Vê se não me estranha, hein?
Os dois riem
daquele momento meio feliz, meio triste...
-Vai lá, cara.
-OK. Eu falo com o
médico. Quando eu voltar, vai ficar tudo normal. Se é que a vida da gente foi
normal um dia.
Peter fica mais
tranquilo. Quando Santiago sai, ele encontra Juliane tentando escutar atrás da
porta.
-O que foi que ele
disse?- um silêncio profundo de Santiago impera- Fala de uma vez, Santiago! É o
que eu estou pensando? Ele não quer me deixar doar?
-Juliane, a gente
precisa levar um papo sobre o Peter.
*****
Na delegacia, um dia depois de toda a confusão existente nos capítulos
anteriores, Leilah está totalmente agarrada à grade na esperança de venha
alguma carcereira com a notícia do habeas corpus. Ela
divide a cela com uma detenta que ainda não havia sido transferida para a
Colônia do Bom Pastor.
-E aí, colega?
-Não sou tua
colega. Não sou colega de presidiária.
-Ah, não é?-
segura-a pelo pescoço- Então, tá fazendo o quê aqui, minha filha? Faxina? Fez o
quê pra parar aqui? Caridade é que não foi!
-Eu tentei matar
meu atual namorado, joguei meu ex de uma varanda e o deixei em estado grave
numa policlínica. E ao que tudo indica, fiquei habilitada pra matar qualquer um
com grampo de cabelo. Sem contar que fiz o carro da minha rival capotar e
deixei a desgraçada presa nas ferragens. Vai soltar meu pescoço ou quer uma
reconstituição?
-Credo, colega...
Eu sou da paz... Só peguei um pacote de sabão em pó... - amedronta-se.
-Você que é a tal
de Leilah?- chega uma carcereira.
-O quê que tem?
-Se ajeita. Teu
advogado conseguiu tua liberdade condicional. Nada de sair do Brasil sem avisar
à polícia. Agora vai responder o processo todo em liberdade. A acusação pode
recorrer, mas o advogado é tão bom que eu acho difícil.
-Olha, tô besta. A
promotoria pública de Pernambuco até que funciona. Nem imaginava.
-Que mané promotoria?
Quem tá defendendo você é o Queiroz Maia. O homem é chamado de tampa, tem um
monte de escritório espalhado pelo estado. Referência.
-E quem é que banca
esse homem? A Ester tem cacife pra isso, mas eu duvido muito que ela assine um
cheque pra me tirar daqui.
-Eu tô sabendo que
quem pagou o cara foi um fotógrafo de celebridades. Ele viu teu potencial...
Quer dizer, ele disse que viu, com aquela briga toda no programa, e disse que
tem várias revistas interessadas em fazer foto contigo.
-Jura? Mas quais? ʺCaprichoʺ? ʺToda
Teenʺ? ʺAtrevidaʺ?
-Atrevimento é a
sua burrice, minha filha. Esse fotógrafo é o querido pelas Marias-chuteiras,
pelas participantes de realities...
Você acha mesmo que é pra publicação adolescente? E se esse cara fizer você
parecer boa menina, é capaz até de te chamarem pra ser política.
-Gente, quando o
Peter souber disso, ele vai querer reatar comigo, eu tenho certeza!
-Larga mão de ser
besta, criatura. O homem ficou com uma mulher que foi demitida de um lugar
melhor do que a birosca da policlínica que ele se internou, tem uma mãe rica
até dizer “chega”! Ele quer dinheiro, por acaso? Agora tem o seguinte: quem te
quer vai ter direito a muito Visa, Credicard, Mastercard, Ourocard, heureca...
Sei lá. Vai brilhar que é a tua chance de sair dessa história mais limpa que
roupa lavada pelo antigo Omo Progress- a carcereira entendia dos produtos dos
anos 1990, ué!
Leilah faz aquela
cara de “não custa nada tentar”. E se duvidar, essa mulher vai ser agenciada
pela colônia de mulheres. Nem vai precisar de assessor de imprensa.
*****
Peter recebeu o sangue e agora dorme. Enquanto isso, Juliane vela o seu
sono, alisando carinhosamente seu cabelo. Santiago observa os dois do lado de
fora, esperando o irmão acordar. Decide entrar e se aproxima da cama. Nosso
herói- que não faz muita coisa admirável na obra- acorda, olha para a sua amada
e simplesmente ignora-a virando o rosto para o irmão.
-Obrigado, irmão.
-Pelo quê, Peter?
-Por ter salvado a
minha vida.
-Se for por causa
disso, a sua dívida comigo só faz crescer.
-Tem razão. Eu
nunca vou poder agradecer por você ter doado seu... - Peter gela ao ver que no
braço de Juliane, há um curativo. Como ela era compatível, ele imagina tudo- O
que é isso? Que brincadeira é essa?
-Meu amor, o que é
que você tem? Tá passando mal?
-Eu tô falando com
o Santiago! Que brincadeira é essa?
-Brincadeira
nenhuma, Peter. Eu menti pra você. Eu era compatível contigo, a gente tem o
mesmo O negativo. O problema é que quando eu saí daqui, eu falei com a tua
mulher e consegui fazer com que ela doasse o sangue dela pra você...
-Você tá mentindo!
É mentira!- Peter explode de fúria.
-Fala baixo, Peter!
A Juliane já fez a transfusão, não tem nada pra reclamar!
-Eu te odeio! Eu te
odeio! Sai da minha frente! Os dois, agora! Eu pedi a você pra não deixar
fazerem isso comigo, e o que é que acontece? Você, sabendo que eu não quero
conversa com Juliane, coloca ela aqui? Pois escuta bem uma coisa: eu queria ter
morrido! Se eu sobrevivesse, eu pedia pra Leilah acabar com o serviço de uma
vez!
-Mas o que é isso,
Peter?- entram Inácio, Carolina, Arnaldo, Ester e Bernardo. Os quatro primeiros
se perguntam como é que o rapaz pôde ficar tão alterado.
-Eu já mandei você
dar o fora daqui com ela. Sai todo mundo daqui! Vai! Eu fui enganado pelo meu
pai; minha mãe se envolveu com o pior cara possível, o que eu mais odeio; você
ainda me vem com essa, Santiago? Pois pra mim, você pode ir pro inferno!
-Meu amor, a gente
quer te explicar por que tudo foi feito desse jeito.
-ʺExplicarʺ é a única palavra que você sabe dizer, não é? Mas não
faz nada. Porcaria nenhuma. Só sabe mentir e esconder. A minha vida virou de
cabeça pra baixo desde o dia que eu resolvi ficar contigo. Mas ainda foi pouco:
você tinha que me fazer quase morrer pra bater com a pá na minha cabeça. A
verdade é que você sempre odiou a Leilah, mas no fundo, ela não é nada
diferente do seu comportamento! Pegou aquele vagabundo, aquele otário na
primeira noite, porque não tem a menor chance de ser verdadeira. De dizer o que
tem aqui dentro- aponta pro próprio coração- E sabe por que até agora não fez
isso? Porque nunca teve nada. Pra mim, você é vazia! Eu fui muito idiota de
achar que sempre existiu uma mulher dentro daquele jaleco. Quando o Bernardo
crescer, ele vai dizer na sua cara que o futuro dele podia ter sido diferente,
só que a mãe dele impediu. E o Raí pode ser um filho da mãe, mas era um suporte
que você tinha. Sempre que as coisas dão errado pra você, acaba achando um
jeito de se encostar em alguém e despertar pena. Era bem capaz dele ter te levado
pra casa e te sustentado. Todo mundo pode te chamar de carente, de coitada, só
que eu... Eu, Peter- bate no peito- dou outro nome pra isso. É prostituição!
Podem ficar com orgulho de mim, agora eu sou o cara mais importante, o mais
lembrado, o mais enganado por vocês. Pra alegria de todo mundo se completar,
sabe o que não falta mais agora? Minhas veias. Nelas, passam o sangue da
Juliane. Melhor ainda: o sangue de uma pu...
-Infeliz! Infeliz!
Infeliz!- no primeiro “infeliz” dela, a mão já tinha deixado as marcas na cara
do ex-namorado. Juliane cai no chão, totalmente desconsolada. Inácio e Santiago
se abaixam, procurando apoiá-la.
-Agora chega,
Peter! Já chega!- Arnaldo intervém na conversa, já que sua rival e ex-docinho
de fisioterapeuta tinha salvado o cara.
-Você nunca quis
que a Juliane saísse da sua vida. Pois é. Eu sou seu melhor amigo e sei que só
assim, ela vai ficar pra sempre em você. Não foi a Juliane, nem eu, que
salvamos você. Foi a tua vontade de ficar com ela. Hoje, pode gritar o quanto quiser.
Só que amanhã, eu espero o teu “valeu”.
Aos poucos, Juliane
é amparada pelo irmão. Levanta-se.
-Eu dei um pai pro
Bernardo. Dei um amor pra minha vida. E vou tirar tudo isso quando perceber que
tá me fazendo mal. Pelo visto, tenho que fazer isso agora. Não foi você que
ficou o tempo todo sendo acusado disso e daquilo. Só quero te dizer uma coisa:
o meu único arrependimento é não ter feito nada do que você disse. Nada! Porque
eu teria sido condenada, criticada pelos meus erros. Só que infinitamente mais
feliz. Fica com o meu sangue. A mim, só em pensamento, se quiser. Nunca mais
você me toca. Nem fala comigo. Pensa que eu não te dou mais pesos. Tô tirando
todos eles da sua vida.
Quando os leitores
masculinos viram aquele monumento sair abatido, todos queriam consolá-lo. Peter
ficou com uma culpa, por ter falado demais. Só que, no fim das contas, nossa
garota preferida sempre nos surpreende.
Do lado de fora,
Inácio conversa com a irmã.
-Juliane, ele
estava nervoso.
-Mas falou tudo que
eu esperava de pior.
-Lembra quando eu
terminei o meu primeiro namoro? Eu era bem novo ainda, você tinha começado a
faculdade de fisioterapia. Pois então, naquele dia, tu tinha dito que a gente
nunca deve deixar de lutar por um amor.
-E eu continuo
certa. Mas de decepção e sofrimento, eu tô fora.
-Juliane, para.
Você ama o Peter.
-Ele também... Se
ama. Mas ainda é pouco pra gente se aguentar. Acabou.
-Ô, minha irmã...
Quando é que você vai dar um final feliz pra essa história?
-Inácio, sabe
aquela frase de “os fins justificam os meios”? Se eu fosse seguir isso à risca,
eu e o Peter daríamos certo?
-OK, nem tanto.
Vamos pegar o táxi. Vish...
*****
Aqui, nesse relato todo, é como se fosse uma novela do SBT: quando existe
uma passagem de tempo, pula um monte de anos. A gente vai aliviar e fazer um
ano passar rápido, certo?
Estamos chegando às
últimas cenas do capítulo de “Werneck Cake” e vocês vão descobrir o que
aconteceu com alguns dos personagens. Não vamos entregar o segredo sobre o
desfecho de Peter e Juliane tão facilmente, até porque devem fazer alguma ideia
de como esse romance continua. Deixamos de ser a mais louca comédia adolescente
e passamos a ser supervisores de texto do horário nobre da Televisa. O que
rolou de briga e lágrimas não é coisa de Walcyr Carrasco, é muito mais sério
até.
OK. Como a justiça
no país é lenta (e precisamos usar esse lugar-comum para obtermos audiência
significativa em nossa web novela), Leilah foi julgada e condenada a um regime semiaberto.
Entendeu-se que a criatura tentou um homicídio culposo, embora a vítima
original caracterize uma ação bem dolosa e dolorosa! Menino de sorte esse Raí,
não é?
Lógico que pra
isso, ela precisou se fazer de vítima. O que nos interessa é a pose de
imaculada antes do julgamento. Lembram daquele fotógrafo que pagou o tal
Queiroz? Pois bem: o cara é o Humberto Padilha Meira, renomado em dar closes
nas subcelebridades que frequentam a praia de Boa Viagem. Pra achar gente assim
em Boa Viagem, só sendo muito competente mesmo. Tanto que tem a fama de ter
caso com todas elas. Umas o chamam carinhosamente de HP, outras de Meme...
Olha, não importa! O caso é que quando ele viu a beleza transcendental de nossa
vilã (como se nós tivéssemos pesquisado o que significa o adjetivo), ele logo a
imaginou nas capas de revistas direcionadas ao público que só assiste ao ʺPânico na Bandʺ por causa das panicats, como o Arnaldo. Com a exposição
de sua figura, logo a PETA- aquela organização que deixa todo mundo pelado em
prol dos animais- a convidou para fazer algumas fotos da campanha no Brasil.
Mesmo com a detenção, Leilah continuou trabalhando intensamente em suas
campanhas. Terminada a pena, participou da décima primeira edição do reality ʺA Fazendaʺ, pôs trezentos e noventa e oito mililitros de silicone e
caiu no ostracismo. HP Meme pegou uma novata das novelas das nove e se casou
com ela.
Sivanith foi
processada por lesão corporal contra Ester, além da demora da prestação de
socorro a Peter. Mas, diferentemente do caso de Leilah, o processo foi
arquivado. Os picos de audiência com os novos barracos fizeram com que o
público esquecesse a confusão. Pra completar, ela lançou um novo livro,
inspirado em Ester: “Ricas barraqueiras? Hello!”.
Arnaldo teve um
final mais feliz. Com a recuperação de Peter, as coisas entre ele e Santiago
ficaram mais calmas. Nunca mais eles tentaram resolver a relação de pai e
filho. Arnaldo nunca teve muito talento pra ser pai de ser de filho bastardo...
Nem de legítimo também. Bom, como ele vivia do dinheiro que Ester dava para
Peter, e este não queria mais depender de ninguém, o velho ficou na m... Maior
pindaíba, se é que nos entendem. Obrigado a ralar, ele conseguiu contato com o
tal HP Meme (cismamos com isso agora) e se tornou assistente dele. Ele, que já
era bastante fissurado nas musas, ganhou o emprego ideal!
Carolina e Santiago
começaram a namorar logo depois da recuperação de Peter. Cansada de ser
recepcionista, foi tentar a sorte na faculdade de Medicina, trabalhando na
clínica à noite. Mesmo se matando pra tirar notas maravilhosas, o chefe dela
não estava nem “tchum” para o seu esforço. Veio a oportunidade de ouro: ela
descobriu que Priscila estava envolvida com um esquema de roubo de medicamentos
que seriam vendidos sem receita médica. Não titubeando, ela denunciou a moça,
que foi afastada do cargo. Como a época da denúncia coincidiu com o período de
residência, ela ficou no cargo da ortopedista de vez. A dedicação para o
trabalho da nova Juliane acabou com o namoro. Mas Santiago curtiu a vida e
muito depois do término. Ele entrou pra faculdade e se tornou o promoter das
calouradas da turma. Nada mal, pra quem tem experiência em festas, servindo
numa lanchonete. Só fez unir o útil ao agradável.
Antes de largar o
emprego de vez, foi colega de trabalho de Peter que, decidido a não depender
mais dos pais- leia-se Ester- passou a ser o caixa da lanchonete.
Conciliou o trampo com a faculdade de Medicina (os personagens têm uma
criatividade assustadora, não?) e passou a morar na Casa do Estudante da
Universidade Federal de Pernambuco, já que a lanchonete ficava perto da casa de
Arnaldo e longe demais da faculdade. Ficou mancando durante um bom tempo ainda,
já que seu modo franciscano de ser impediu o seu plano de saúde de ser pago.
Ester teve um final
curioso. Se Arnaldo tinha a mania de traí-la, ela só queria saber de rapazes.
Não se sabe o porquê. O que importa é que houve uma surpresa: o tal
comportamento foi abolido. Após a recuperação do filho, decidiu viajar para
Estocolmo (velhinha chique, viram?). Ao botar as malas no carro, chega Raí com
aquele papo furado e meloso.
-Ester?
-O que você está
fazendo aqui?
-Eu... Eu vim te
ver... Você vai viajar?
-Vou. E não faço a
menor ideia de quando volto.
-Olha, Ester... -
enche os olhos de lágrimas- Eu sei que menti pra você. Que te enganei com a
Leilah. Mas como você mesma disse naquele dia, a gente tinha que conversar. Eu
sei que pode parecer muita cara de pau a minha vir te falar isso, mas eu quero
recomeçar.
-Meu amor, esse é o
meu maior desejo.
-E eu sei que só
vou poder fazer isso no dia em que tiver certeza de que você vai estar aqui,
comigo, do meu lado.
Ester interrompe o
menino para lhe dar um beijo daqueles que todo homem seguro fica besta.
-Deixa eu te pedir
uma coisa, Raí: fecha os olhos.
-Pronto- ele fecha,
espera uns dez segundos, ouve o barulho da porta do carro batendo e pensa que
Ester está desistindo da tal viagem.
-Agora, pode abrir.
E qual não foi o
susto do cara quando virou a mulher sentada no banco de trás de sua luxuosa
limusine, folheando o passaporte?
-Ester, você não
quer ficar comigo, do meu lado?
-Meu querido, eu já
estou ao seu lado. Você do lado da calçada e eu do lado da rua, rumo ao meu
jatinho particular... Estocolmo, otário! Pode seguir, Juraci.
O motorista segue
com toda a velocidade possível. Ao chegarem ao heliporto, logo vem um garçom e
serve uma taça de espumante Millenium- aquele que os pobres só compram na
padaria em época de festas de fim de ano. Chega a hora de se despedir de seu
fiel escudeiro (que nunca mencionamos na obra porque não nos interessava).
-Foi uma honra
trabalhar para a senhora, dona Ester.
Ela o olha
completamente, sem deixar escapar quaisquer detalhes.
-Juraci, você não
quer vir comigo para Estocolmo?
-Mas, madame... Eu não tenho passaporte. Nem dinheiro pra
pagar uma passagem.
-Entra no meu jato,
bestão.
-Senhora, eu nem
sei me comportar nos “estrangeiro”, eu nem sei ao menos falar inglês.
-Querido, se for
por causa disso, tudo bem. Eu vou precisar de você falando qualquer coisa,
desde que venha comigo. Aliás, se acatar as minhas ordens direitinho, tem até o
direito de ficar calado. Por mim, está tudo ótimo.
Juraci e Ester fizeram uma viagem extremamente romântica. Depois de Estocolmo,
passaram em Paris e foram para qualquer lugar que não seja a Torre Eiffel (as
pessoas precisam pensar que há mais lugares românticos na França, por favor). A
comunicação com Peter ocorreu via lan house durante nove anos,
até que a milionária voltou a se encantar por garotos e decidiu voltar para o
Brasil. Raí já era carta fora do baralho: tomou bomba e decidiu ser modelo. Mas
engordou tanto que nem a medicina ortomolecular conseguiu dar jeito. O menino
ficou numa situação tão deplorável que só faltou aderir ao uso de sutiã- tenso!
E Juraci não poderia ter se comportado como um ogro perto de uma mulher cheia
de grana daquela. Por isso, foi treinado para ser um verdadeiro gentleman,
embora o modo dominador de Ester tenha deixado a entender que ele era meio que
um dobermann. Quando o
homem finalmente ficou por cima da carne seca, deu um pé nela e abriu uma
escola de boas maneiras na capital francesa. Nada mal, pra quem falava “Dá o
troco, motô” quando pegava o ônibus da linha ʺCaixa D’água/ Afogadosʺ antes de ser chofer.
Bernardo foi para
uma creche enquanto Juliane trabalhava para sustentá-lo, longe dos holofotes
clínicos. Passava a maior parte do tempo livre com Inácio, que nunca conseguia
pegar ninguém. Disposto a mudar sua rotina romântica, passou a andar na praça
com o sobrinho e dizer que ele era seu filho. Isso fez com que as jovens mães
se encantassem pelo jovem... “Viúvo”. Ah, Inácio se envolveu com diversas moças
nessa época...
Deixando os figurantes luxuosos de lado, chegou o dia 27 de junho de
2012. O que ele tem de mais? É o encontro de Peter e Juliane, depois de um ano
sem encontros. Eles têm como contexto histórico a paralisação de vinte e quatro
horas de motoristas de ônibus. Nosso colega protagonista segue para mais uma
jornada universitária da Medicina, e contrariando a lenda que rola por aí,
estudante de Medicina não tem carro. Não todos. Enfim, ao pegar o veículo,
entra e logo avista uma moça, em meio às velhas ignorantes que não o deixam
chegar perto da borboleta, embora Juliane seja algo que o Vinny (de “Heloísa,
mexe a cadeira”) chamaria de “libélula bela”. Enxerga, ainda que com
dificuldade, nossa mulher predileta dentro de um uniforme de cobradora de
ônibus, toda de azul, evidenciando seu decote por conta do calor e usando
seu sex appeal para dar o troco do
jovem que tentava passar na frente dos idosos. Isso foi muito idealista e
viajado, mas não temos compromisso nenhum com a realidade. Prova disso é que
você continuou assistindo até o fim ao final de “Fina estampa” e quer que nós
terminemos essa enrolação para começarmos o próximo parágrafo.
Como em novelas que
exploram o realismo fantástico, o veículo passou pelo prédio de Centro de
Ciências da Saúde. Peter perdeu a noção e não solicitou a parada. Resultado:
ele e meio mundo foram realizar o pagamento da passagem no Terminal Integrado
da Macaxeira! Alguém aí, que está lendo a birosca desse texto, imagina final
feliz num lugar com esse nome? Pois bem, intermináveis pessoas que não
conseguiram ultrapassar a catraca cruzam-na em busca de um lugar menos abafado.
Na hora que Peter se aproxima, aquele encontro arrebatador. Na Macaxeira. Hua,
hua, hua, hua!
-Essa é a sua vida
agora?
-Mais agitada. ʺMenos problemáticaʺ eu posso dizer. É isso que importa. Tá indo
pra onde?- os dois mantêm uma pequena pausa- Desculpa, não sei pra quê eu
perguntei isso.
-Eu não sei. Acho
até que me perdi. Vai ver que foi isso. Também, eu ando perdido há muito tempo.
Sinceramente, eu acho que isso rola pra mais de um ano.
-Hum... E o teu pé?
-Na mesma, ué! Da
fratura eu já fiquei bom, mas aquele outro problema, que estava até aliviando
mais antes de rolar aquela confusão, continua.
-Uma pena.
-Juliane, tô
sentindo sua falta.
-Agora? Que demora
foi essa pra se dar conta depois de tanto tempo?
-Eu sinto desde que
a gente se viu pela última vez. Você sumiu da minha vida e eu até...
-Não. Eu nunca sumi
da sua vida. Eu fui convidada por você a sair dela, definitivamente. Eu gosto
tanto de você que eu não via outra maneira de te dar felicidade se eu não
desaparecesse.
-E acha que trouxe?
Eu não sinto nada. Só lamento bastante que a sua vida esteja tão bem que não dê
tempo de ter tentado uma aproximação. Uma ligação pro meu celular, um e-mail,
uma cutucada no Facebook...
-Eu saí da sua
vida. O espaço acabou, a relação foi pros ares, o que você quer? Que eu fique o
tempo todo correndo atrás, me rastejando? Pra quê? Eu não tenho mais crédito
contigo, nada do que fale vai mudar sua vida!
-Sério? Será que
você deixou de ser importante pra mim?
-Eu fui. Depois
virei um peso, me toquei e segui o meu rumo.
-Mas me diz: e se
eu pedisse pra gente começar...
-Peter, para...
-Conseguisse te dar
uma nova chance...
-Chega! Peter,
chega!- Juliane se mantém firme nas palavras- É a minha vida. Eu não vou mudar
ela de novo por sua causa.
-Nem se eu pedir?
-Peter, desce do
ônibus.
-Depois de ouvir
você dizendo que me ama.
-Pode ser uma
mentira, como é que a gente pode ter certeza?
-Eu sei. Eu conheço
você!
-Desde que dia? Eu
tô cansada de ver a culpa das coisas ruins caírem em cima de mim, inclusive das
que eu não fiz. Não sei se você sabe quem eu sou de verdade, mas eu descobri o
quanto você é diferente do que eu pensava naquele dia.
-Se eu te dissesse
que eu falei tudo aquilo porque tava de cabeça quente? E que depois não te
procurei morrendo de vergonha?
-Eu diria então que
você tem desvio de caráter. Porque só isso justifica alguém dizer a verdade e
sentir vergonha. E mais: sua cabeça quente mostrou o que é que eu te
representava e que por causa da sua covardia, eu soube dessa forma. Chega a ser
nojento pensar que eu dividi minha vida contigo. Todo mundo podia falar de mim.
Você não. Você nunca!- ela desce do ônibus e ele vai atrás, depois de pagar a
passagem, é claro.
-O que eu tenho que
fazer? Me pede qualquer coisa!
-Vai pro inferno!
-Um favor mais
fácil, Juliane.
-Certo: me esquece.
-Um favor possível,
Juliane.
-Para de falar meu
nome que tá me dando agonia, já!
-Eu não vou ser
feliz sem você.
-Aprende.
Peter parte para a
estratégia de último capítulo e dá um beijo daqueles em público. As velhas que
desceram aplaudem loucamente. Mas Juliane o repele.
-Tenta ser mais
original do que isso.
-Me diz então por que
a gente ficou junto.
-Porque eu amo
você!
-Mesmo? E agora
você nem liga pra minha tentativa de reconciliação?
-Não vou engolir
tudo calada porque você quer.
Começa a chover. Os
dois nem se dão conta.
-Eu quero ajuda do
pessoal aqui. Quem acha que ela deve ficar comigo bate palmas.
O pessoal do
terminal, comovido, aplaude o garoto, que pensa que vai tocar a amada.
-Quem quer andar no
ʺBarro/Macaxeiraʺ de graça pode começar a vaiar esse moleque.
A reação foi
espontânea e explosiva. Xingamentos aos montes para Peter.
-Eu acho que você
tá certa em me “incentivar” desse jeito. Quer saber de uma coisa, Juliane?
Cansei!
Nossa musa o segura
pelo braço.
-Posso te contar
uma coisa, Peter? – com a cara mais furiosa do planeta- Cansei! Cansei de ver
você desistindo de mim. Acabou.
E Juliane
tasca um beijo no rapaz. Dessa vez, o escândalo não chamou a atenção de
ninguém. Peter e Juliane eram personagens únicos daquele momento. Pra nós, e
pra todos os que estavam ao redor, era um acontecimento que acabava ali. Para
os dois, a saga romântico-adolescente-cômica de “Werneck Cake” ganhava
capítulos intermináveis, beijos que tiravam o ar e vontades de recomeçar.
Falamos até bonito sobre esse final. Vish!
Como sabemos, “Avenida Brasil” durou 179 capítulos,
mas a principal trama ficou 174 no ar. Os últimos 5 episódios serviram de
epílogo da história entre Nina e Carminha. É o mesmo que faremos com este
estupor que chamamos de narrativa. Após vinte capítulos, e histórias tão
intermináveis quando a “Malhação”, vamos começar a descobrir como Peter e
Juliane sobreviveram à pobreza. Vem aí...
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