16/10/2016

WERNECK CAKE/ CAPÍTULO 24: LÍVIO E SUAS ROUBADAS

Nuelle, ou melhor, Juliane (a felina da saúde pública) continua sem se bulir, mas não imagina o incentivo que receberá de Nieta, que cochicha.
-Sobre nesse cano senão pode começar a se acostumar com seu filho pedindo esmola no metrô. Anda, Nuelle. Vai!
Não deu outra: a música recomeçou e Juliane começou a interpretar magistralmente a sua personagem; requebrou ainda de roupão e pediu para que Nieta desse espaço à sua performance. Quando aquela vestimenta branca foi abaixo, colega... Foi uma sensação de euforia coletiva inigualável. Estamos para ver algo parecido até hoje.
A apresentação da Jujuba foi um sucesso (sim, agora imitamos a “Malhação”), mas nada que prendesse a atenção de Peter, pelo menos não de forma fora do comum.
-Olha só, não tira o olho dela, hein? Não vai dizer que ela te lembra a Juliane?- comenta Lívio.
-Sem chance, Lívio. Até porque se ela aparecesse desse jeito, eu nem sei o que ia fazer. Sinceramente.
-Tinha mais é que ficar feliz. A mulher se matava de trabalhar, teve um filho, hoje rala entre uma Upa e uma escola técnica e... Desculpa te falar a verdade assim na cara... Com um visual daqueles que eu vi na televisão. Tinha mais é que exibir por aí, como se fosse uma medalha, um troféu mesmo. Uma coisa só sua.
-Por isso mesmo. Já que eu não tenho beleza, gosto da exclusividade que a beleza da minha mulher tem.
-Rochedo.
-Finalmente tua conversa mole acabou.
-E depois desse show de sensualidade, vamos seguir com os clássicos da música romântica que leva o público às lembranças do amor- diz Nieta, depois de beber um Dry Martini por causa do nervosismo sofrido com a desinibida Nuelle- DJ, por favor...
E começa a alegrar a plateia, mas não pela música do Chico Buarque (que é belíssima, por sinal), e sim por já estar acima do tom em tão pouco tempo. Como esta é uma novela musical, vamos transcrever gentilmente o que ela cantou.
-Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa
Uma noitada boa
Um cinema, um botequim
E se tiveres renda,
Aceito uma prenda,
Qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa,
Um sonho de valsa
Ou um corte de cetim
E eu te farei as vontades,
Direi meias verdades
Sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis
Mas na manhã seguinte
Não conta até vinte,
Te afasta de mim
Pois já não vales nada
És página virada,
Descartada do meu folhetim.
Agora sim, estamos convencidos de que escrevemos uma novela! Fim!

*****
Não dissemos para você sair. Fique. Acontece que Juliane não pode se borrar no palco para não estragar o teatrinho, e por conta disso, resolveu aliviar-se. Mas quando chega ao banheiro, vê uma situação deplorável, parecendo aqueles públicos que brotam no centro da cidade.
-De uma clínica particular a uma pocilga dessas. Cara, eu devo estar pagando todos os meus pecados com juros do Hiper Card e correção monetária.
Decide ir a outro. Como o movimento da casa está fraco, entra no banheiro masculino, mas não sem antes certificar-se de que tinha muita gente nele. Visto o contrário, decidiu entrar. Estava ela em sua “cabine exclusiva”, ainda pronta com o figurino da Nuelle, quando ouve um barulho de uma porta abrindo. É Lívio, que disca um número no celular e fala bem baixinho.
-Sou eu, Lívio. Escuta... Escuta que eu não posso dizer alto agora. Tô numa casa de shows. Eu falei com um amigo meu. É, o Peter, que fazia banda comigo quando eu era mais novo, tá ligado? Pronto, eu convenci o Peter a fazer dupla comigo. É só questão de tempo pra eu compor as músicas e mandar pra você, OK? Pronto. A gente se fala. Até mais.
Neste momento, Juliane se levanta. Lívio vai abrir a porta, quando percebe que sua carteira ficou perto da privada. Ao voltar para buscá-la, vê por baixo do box ao lado: os saltos altos que a ex-fisioterapeuta estava usando. Mas ele pensou:
-Bom, eu não tenho nada a ver com as esquisitices dos outros, né? Fazer o quê...

*****

Ao chegar à sua casa, Peter dá um beijo em Juliane, no sofá.
-Você bebeu, Peter?
-Um pouco. Eu não te contei. Reencontrei o Lívio, que formou uma banda comigo há um tempo. A gente foi conversar numa casa de shows.
-Ah, a banda cover. Lembro que você deve ter falado alguma coisa.
-Ele me viu no ônibus e contou que tá seguindo com a carreira dele de cantor, mas quer colocar a banda pra tocar de novo.
-Sim, mas eu pensei que fosse um trio.
-Pois é, tinha o Itallo, mas ele tomou jeito na vida.
-Como você.
-É por isso que eu decidi voltar pra banda.
-Homens de dúvida?
-Homens-incógnita.
-Peter... Você sabe cantar?
-Lógico, Juliane, Não ia parar numa banda se não soubesse.
-Tá, eu sei que você quer dar uma vida melhor pra mim e pro meu filho, só que se você ficar como cobrador, vai ter como se sustentar por um tempo.
-E depois? Vou aguentar um inferno de PE-15 até que o bebê cresça e leve a gente pro asilo? Prefiro ir pro Retiro dos Artistas.
-Tudo tá muito rápido. Você viu esse cara sei lá quando. Nem música ele fez.
-E nem vai fazer. Eu que escrevia tudo. O Lívio disse que não tem cabeça pra isso. E é verdade mesmo, desde aqueles tempos. Eu vou começar a escrever e a gente grava.
-Meu amor, não confia nesse cara! Ele tá querendo te enganar, ele tá querendo manipular você! Ele vai mandar você escrever pra ficar com a fama e a autoria das músicas sozinho. Tenho certeza que ele vai dar um jeito de fazendo sucesso nas suas costas. E quando você se tocar, ninguém vai escutar sua reclamação. Se afasta desse cara, que ele é perigoso demais!
-Você sabe de muita coisa sobre o Lívio que em tantos anos eu não percebi. Como é que você descobriu? Me seguiu? Foi até a casa dele? Escutou alguma conversa estranha dele?
Ouviu atrás da porta, por acaso?
Juliane não tem mais o que dizer neste capítulo, mas nós sim...

Quase todas as alternativas acima, Peter!

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