27/10/2016

ONZE MIL/ CAPÍTULO 11

-Meu Deus do céu... É ela mesma!
Alice consegue entrar rapidamente na Oncomed e Raffael desliga o carro, descendo do veículo e provocando comentários ofensivos dos outros motoristas. A ex-garota de programa não percebe que ele a segue e continua andando rapidamente até o consultório. Nervoso, o recém-formado até pensa em chamá-la, mas a perde de vista quando, bruscamente, acaba empurrando Lucas, que sai da enfermaria onde Kim está internado.
-Fael?
-Lucas? Tá fazendo o quê aqui?
-Eu é que te pergunto. Tá tudo bem?
-Tá, é que... Eu vi uma pessoa entrando, vim falar com ela, mas... Deixa pra lá, esquece. Mas você tá fazendo o quê aqui?
-Já prestou atenção onde a gente tá?
-Não, é que eu vim tão avoado, até deixei meu carro na rua. Mas fala: o que é que tá rolando?
-Faz o seguinte: você tira o seu carro do meio da rua e a gente conversa. Se você tiver tempo, é lógico.
-Não, tudo bem.
-Eu vou com você e te explico tudo no caminho.
Raffael ainda olha pra trás enquanto Lucas começa a contar sobre o atual estado de saúde de Kim, mas não volta a ver Alice no corredor.

...

Desesperado, Cadu recebe Yanna em seu estúdio.
-Você me ligou tantas vezes e eu tinha deixado o celular no silencioso. O que foi que aconteceu?
-Roubaram os dois caminhões que traziam os CDs.
-Como assim, Cadu? Quando foi isso?
-Hoje de madrugada, eles traziam os discos da fábrica e iriam distribuir. Quatro ladrões renderam o pessoal que dirigia e levaram os caminhões, com os onze mil CDs dentro.
-Me fala que isso é mentira... E agora?
-Eu não sei, Yanna, não sei! A produção dos discos já foi paga, mas não tem como tirar o dinheiro pra produzir uma nova tiragem.
-Calma, Cadu... E se a gente lançar as músicas na internet? De repente, eu não sei... Pode dar certo. Cadu, o importante é que as mensagens do CD sejam transmitidas pro público.
-A empresa não vai topar, Yanna. E depois, seria pouco rentável. Se as músicas vazarem na internet, ninguém vai se interessar em comprar o produto caso uma nova leva de discos chegue às lojas. Sinceramente, eu entendo que você queira levar a sua fé e a sua crença pra diversas pessoas, mas... Infelizmente esse assalto nos deixou de mãos atadas.
-Seja lá como for, não existe nó que Deus não consiga desfazer. Uma hora, esses CDs vão aparecer. A gente só precisa confiar.
-Sabe o que eu não entendo? É essa sua calma. Outra, no seu lugar, já teria entrado em desespero, desistido de tudo.
-A gente não desiste do sonho quando ouve o primeiro "não", Cadu. E eu não posso desistir do meu. Agora, se a polícia vai encontrar esses dois caminhões, só Deus sabe.

...

Alice acompanha, junto com Osmar e Lucas, o tratamento da quimioterapia de Kim e das demais crianças.
-Por enquanto, você tá sentindo o quê?
-Tô com vontade de vomitar.
-Isso é normal durante o tratamento. É uma reação, pra gente matar esse bichinho que tá te deixando doente.
-Eu vou tomar injeção de novo todo dia?
-Depende. A gente só dá injeção se você não melhorar. Mas isso é pro seu bem. Eu vou pedir à enfermeira pra que, quando esse soro passar, ela traga um remedinho pro teu enjoo.
-Outro remédio, Tia Amanda?
-Mas só quando terminar isso daqui. Mas pra você ficar bom e forte de novo, tem que ficar quietinho. Olha, eu te prometo que se você se comportar, a gente junta os outros meninos e faz uma maratona de "Hora da Aventura"!
-O dia todinho?
-Ih, o dia todo não vai dar. Mas se a gente ficar duas horas assistindo, sem parar, não tá bom, não?
-Oba!
-Então, bate aqui!- Alice estende a mão- Mas bate de leve pra não doer, tá?- Kim cumprimenta a médica- Daqui a pouquinho eu volto- dá um beijo no paciente- Com licença- diz ao pai e ao avô do menino, saindo da enfermaria.
-Pai...
-Fala, filho.
-Eu vou ficar que nem ele?- aponta para o paciente do lado, adormecido, sem cabelo.
-Por que você acha que vai ficar assim?
-Porque meu cabelo tá no colchão.
-Lucas!- Osmar repreende o filho ao perceber que ele está prestes a fraquejar na frente da criança.
-Se você ficar assim, o cabelo cresce de novo- Lucas dissimula sua tristeza.
-Vai demorar?
-Fica tranquilo, que não vai demorar, não- Osmar promete ao neto- Mas você tem que fazer aquilo que teu avô te ensinou: pedir ao Papai do Céu pra ficar bom. Seu pai também pede, não é, Lucas?
-É... Eu sempre peço.
-Se é assim, eu vou pedir também.

...

Numa lanchonete, Miguel toma um café acompanhado da sobrinha, que relata os detalhes sobre o roubo dos caminhões.
-Mentira que isso aconteceu, Yanna. E a polícia? O que foi que ela disse?
-Quando eu tava vindo pra cá, um policial ligou pro Cadu. Acharam os dois caminhões, abandonados na mata... Em chamas.
-Quer dizer que... Incendiaram os teus CDs?
-Tudo indica que sim. A perícia ainda vai comprovar, mas já se sabe que não sobrou nada. O Corpo de Bombeiros demorou pra chegar e apagar as chamas.
-Meu Deus, que coisa horrível. Mas escuta uma coisa, Yanna: você não pode esmorecer. Isso é uma prova. Você viu seu sonho bem perto da realização, e agora se levantou essa tribulação pra que desistisse de sonhar.
-Tio, eu paguei do meu dinheiro pra financiar a produção dos CDs. Agora o projeto empacou. Como é que eu vou fazer pro disco ser fabricado de novo? A gravadora é pequena, mas tava apostando em mim. A quantidade de cópias que ela produziu foi muito alta pros padrões que ela tem.
-Por mais cabeça dura que ele seja, eu vou ter que apelar pro Bernardo.
-Do que o senhor tá falando?
-Querida, por que você não conversa com seu pai e pede que ele financie novas cópias do seu disco?
-O meu pai não acredita que essa empreitada vai dar certo. Seria o primeiro a me negar dinheiro. Quer, a todo custo, que eu desista da carreira musical, ou que eu só me dedique à produção. Que fique na surdina, e financiando projetos de artistas bem rentáveis.
-Faça uma coisa: peça um empréstimo. Diga que assim que o disco for comercializado, você quita a dívida. Se ele não vender o esperado, eu completo o valor pra que você pague, dou o meu jeito. Eu só não te ajudo com o dinheiro completo agora porque houve uma queda nas ações da empresa. Mesmo assim, o Bernardo é dono de setenta por cento da transportadora. Apesar da crise, ele tem condições de arcar com esse valor.
-E eu também não posso pedir ao Fael porque ele pretende investir o dinheiro numa pós-graduação no exterior. Além disso, ele é praticamente uma cópia do meu pai, não acredita muito que isso funcione. Pelo jeito, eu vou ter que dar minha a cara a tapa, né?
-Se você quiser, eu vou com você.
-Não. Eu já tive peito pra desafiá-lo e gravar um disco sozinha, mesmo sem o aval dele. Eu falo. Se tiver que me humilhar, tudo bem, mas esse disco sai. Te juro que sai.

...

Bernardo está na sede da transportadora, verificando o trabalho dos demais funcionários, quando vê Raffael chegando.
-Filho?
-Pai, eu tenho que falar com o senhor.
-O que foi? Você não tinha ido à faculdade dar entrada no processo de emissão do diploma?
-Fui lá já, mas é que precisava falar contigo.
-Aconteceu alguma coisa com sua irmã?
-Não, mas tá rolando com o Kim.
-Kim? Quem é Kim?
-Ah, Pai, nem vem fingir que não sabe. Joaquim, filho da Carol!
-Pra mim, esse menino não existe. E muito me admira que você venha me contar algo relacionado a ele. Porque desde que a sua irmã morreu, eu deixei bastante claro que não quero...
-Ele tem linfoma, Pai.
-Como é?
-O Kim tá internado fazendo um tratamento contra um linfoma.

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