10/10/2016

WERNECK CAKE/ CAPÍTULO 10: O DIPLOMA CARBONIZADO

Tanto Juliane quanto Leilah permanecem conscientes dento do carro.  Algumas escoriações- é claro- mas nada de grave. O problema é quando a desavisada da Leilah, que gosta de colocar pessoas no volante em perigo, percebe que a porta que está do seu lado não quer abrir. Já nossa musa consegue abrir a sua, mas não sai porque o cinto de segurança a prende.
-Sai! Sai por aqui, a porta tá aberta! O carro tá pegando fogo, anda!- alerta Juliane.
-E você? Não vai sair?
-Ué, você não queria me matar? Pelo visto não vai conseguir fazer isso, mas eu vou sair do caminho. Pode ficar tranquila.
A frieza de Juliane choca Leilah.
-O Peter! Você não pensa nele, não?
-Ele te ama, sua idiota. Ele não sofreu à toa quando foi traído. Sai daqui. Isso, se ele quiser ainda ficar com você. Se não, paciência. Ele parte pra outra. Vai, dá o fora!
Leilah olha pelo vidro de trás e vê o desespero de Peter pra tentar salvar as duas. Logo, a megera jovem passa por cima de Juliane e consegue sair do carro.
-Como assim vocês vão demorar? Eu sei que o trânsito tá caótico, mas o carro daqui a pouco explode, e tem duas pessoas dentro- Arnaldo argumenta com os bombeiros pelo celular.
-A Leilah saiu!- avista Peter. E a ex-namorada corre desesperadamente antes que o carro exploda. Peter a segura e pede que a moça se acalme, que vai ficar tudo bem. Não vamos esquecer da Juliane. O calor das chamas faz com que ela tussa bastante, mas repete pra si mesma:
-Eu vou sair! Eu vou sair! Solta!- briga com o cinto, que não a larga! De repente, ela tem uma ideia ao ver a peixeira que Leilah largou pra trás. Rapidamente, tenta tirar a sandália plataforma com a qual dirigia o carro. Como uma contorcionista, usa seu belíssimo e monumental corpo pra alcançar o instrumento. Consegue alcançá-lo, finalmente, utilizando o pé (precisamos descrever isso?). Ao chegar até o utensílio, começa a serrar o cinto de segurança, que não a deixa escapar.
Chega o carro dos bombeiros. Três rapazes descem para tentar tirar Juliane antes que fosse tarde demais. Mas um estrondo os impede de aproximarem-se da moça: o carro explodiu! Um fumaçê embaçou a vista de todo mundo. Os transeuntes, que estavam no meio da avenida, seguravam, junto com Arnaldo, Peter. Este gritava por Juliane de maneira desesperada. Pedia para que o pai o deixasse chegar perto do veículo, mas ele o impedia. O adolescente chorava, totalmente descontrolado. Já Leilah, largada no chão, chora a morte da rival, provocada indiretamente por ela.

*****

No hospital, Peter ainda está mal com o acidente de Leilah e Juliane. Na TV de quatorze polegadas Semp Toshiba Tela Embaçada, o noticiário destaca, através da figura do jornalista Reinaldo Ciocler (o mais popular do estado onde se passa a história, pois nem falamos em Pernambuco aqui), o terrível desastre automobilístico.
-Numa das principais vias de acesso ao subúrbio, um grave acidente vitimou duas jovens hoje à tarde. Uma delas era a fisioterapeuta Juliane Moretti, que trabalhava numa clínica particular, a Health-Plus Brazil- tendo sido afastada, segundo o diretor do estabelecimento, por motivos pessoais. Testemunhas que conduziam veículos no local contaram ao departamento policial da região que esta era a motorista do Palio modelo 2009, que se chocou com outro veículo por ultrapassar o sinal vermelho. Felizmente, o condutor do segundo automóvel nada sofreu. A outra pessoa a estar no veículo da profissional de saúde é Leilah Paduan Pires, de dezessete anos. O carro que se envolveu no desastre acertou em cheio a porta na qual Leilah se encostava, levando o automóvel a capotar algumas vezes. A adolescente teve alguns ferimentos leves e conseguiu escapar antes que o Palio explodisse. Segundo o boletim médico, ela teve uma crise nervosa, mas já passa bem. A previsão de alta é de que amanhã ela possa retornar à sua casa.
-Filho, toma um pouco- chega Arnaldo com um copo de café.
-Valeu- toma um pouco, mas desiste.
-A Leilah tá dormindo ainda?
-Custou, né, pai? Só com uns chá-de-quebra-pedra que os médicos obrigaram ela a tomar. Ficou muito nervosa quando viu o carro explodir.
-Acha que ela se arrependeu?
-Eu acho. Sinceramente, eu acho. A gente conhece a Leilah há tanto tempo. Se ela fosse doida mesmo, a gente já tinha notado, né, não? E depois... Depois que, mesmo longe dela, eu nunca ia querer ver alguém fazendo ela sofrer.
-Como ela te fez?
-É, é isso aí...
-Agora lascou!- levanta-se.
-Que foi?
-Você não deixou de gostar de Leilah, não. Ainda tá apaixonado por ela.
-Pai, eu só tô com pena. Foi um acidente horrível, eu tava lá. Você também...
-Vamos pular isso, essa ladainha? Meu filho... Eu acho que nem atração física por essa Juliane você tinha. Eu nem preciso perguntar. Basta olhar que tá na cara. Mesmo com toda vontade de devolver na mesma moeda o que essa menina fez, você nunca ia se aproximar de Juliane, a não ser que ela deixasse!
-Quem disse pro senhor que ela não deixou?
-Ah, palhaçada, Peter! Palhaçada! Vamos dizer que na noite que tudo aconteceu, ela tenha aberto a guarda. Me explica porque nesses dias todos, quando ela foi descoberta pelo chefe, ela não veio te procurar. O problema é que ela tava com raiva. Isso tudo é pra contar vantagem. Juliane nunca gostou de você sem ser como médica, e se gostou, ela não falou antes porque cansou de te ver chorando e lamentando por uma menina que não te merece.
-Quê que você quer? Que eu dê o fora em Leilah, é isso?
-Se a essa altura ainda tem que fazer essa pergunta... É melhor decidir sobre sua vida o quanto antes.
Seu Arnaldo vai embora com o café. Peter fica sozinho nos bancos do hospital, pensando no que vai fazer com a psicótica da ex...

*****

Um mês depois, as coisas já esfriaram mais. Na lanchonete onde Santiago trabalha, Leilah espera naquela mesma mesa que tramou suas picuinhas com Priscila. Nosso coleguinha coadjuvante está lá, limpando o balcão. Quase não tem clientes mesmo, precisa se ocupar com algo. Só que os personagens surpreendem-se ao ver quem está chegando ao local. Você, que não está vendo nada, deve estar imaginando que nós traremos de volta Juliane. Pééééééé! Errou, bestão! Peter é o cara que chegou. Rá! Besteiras à parte, ele senta-se à mesa e logo olha pra moça, fixamente.
-Não acreditei que você vinha.
-Nem eu acredito que você ligou pra casa pra falar comigo, marcar esse encontro. Sorte que foi meu pai que atendeu.
-Na sua porta eu não podia ir. Nunca abriria pra mim.
-Não. O que é que tu quer, Leilah?
-Eu já sei de tudo, Peter.
-Tudo o quê?
-Que Juliane e tu nunca tiveram nada. Nem ficaram. Que todas aquelas coisas que você falou na porta da escola eram pra me ferir, pra eu ficar com raiva de você. No fim, a gente não teve quem sofresse mais. Os dois sofreram igual.
-Dois, não. Três. Aliás, nem isso. Você sozinha. Porque o seu sofrimento foi tão... “Grande”, digamos assim, que resolveu dividir especialmente com a Juliane. Ela sofreu mais do que todo mundo aqui.
-Eu sei que a culpa de tudo é minha, Peter, mas...
-Deixa eu terminar!- a mulher se calou num instante- Minha. Minha também. Eu alimentei seu ciúme com as coisas que eu disse, e também com o que eu nunca contei. Eu não vou negar. Se eu quisesse trair você, já tinha feito isso, mas com alguém que me quisesse. Juliane não quis. E ela deixou bem claro antes mesmo que eu tentasse alguma coisa.
-Eu não vou ter seu perdão nunca, Peter?
-Vai. Mas não agora. Eu quero um tempo. Mas não é tempo de namoro, não. É pra ver se eu posso seguir minha vida sem ter essas surpresas desagradáveis que me aparecem.
-Mas e nós?
-Hoje de manhã eu tava pensando como a gente era feliz. No fim, eu aprendi mais do que sofri contigo.
-Como assim?
-Sabe aquela velha história de sofrer por amor, Leilah? Isso acontece por ser muito difícil manter uma relação. Ou então porque a gente sofre longe um do outro.
-Viu? Esse é o meu caso. O nosso!
-Que você escolheu.
-Peter, eu te amo. Eu quero ficar com você sem ciúmes, sem intrigas, sem qualquer coisa pra atrapalhar.
-Não! Eu não quero mais. Entende. Eu já não aguento mais esse inferno. Foi esse mal-entendido que me fez ver que tudo que eu sabia sobre tu não existe mais. Essa confusão me... - nosso colega é interrompido por um beijo. Santiago nem sabe o que vai dizer, mas de tão pasmo prefere ficar calado. Com o tempo, vemos que o rapaz está gostando de ser beijado. Quando para a pegação, ele pergunta- Como você soube que eu nunca tive nada com Juliane?
-Quando eu tive alta do hospital, passei num quarto próximo do meu. Ela tava lá, queimando de febre; sem que eu dissesse nada, ela delirava que eu não fizesse nada com ela no carro, porque nunca quis nada contigo.
-Até em sonho ela me detesta, cara...
-E você? Me detesta?
-Não consigo. Tentei, mas não consegui.
-Não?- abre um sorriso- Isso quer dizer que eu... Que eu posso esperar até você se decidir se fica ou não comigo?
Peter olha pra Santiago e o amigo faz um sinal de “passa fora”.
-Vou te dar uma resposta daqui a pouco. Mas eu preciso de um favor.
-O quê?
-Só me espera, que eu já volto.
E Leilah acredita que o cara vai retornar. Do nada, entra um rapaz e fala com nosso personagem coadjuvante.
-Dá licença, amigo. É aqui que tão procurando uns garçons pra atender?
Santiago joga o pano do balcão de lado e disfarça, reconhecendo o indivíduo.
-Rapaz, não sei, não trabalho aqui. Pergunta àquela moça, ela deve saber. Ouvi que ela vai ficar aqui a tarde todinha. Vai lá.
-Valeu.
O rapaz pede licença pra tomar um lugar à mesa de Leilah.
-Dá licença...
E qual não é a surpresa dos dois ao perceberem que se reencontraram depois de terem ficado numa festa? Sim, minha gente; voltamos aos personagens do quarto capítulo. Como somos oniscientes, reproduziremos o que Leilah pensou ao ver o rapaz novamente:
-Espero que Peter demore um pouco mais...
Santiago pensa em ir pra cozinha depois dessa.
-Quem nasceu pra ser gaieira, sinceramente... Sabe de uma coisa? Vou ligar pra Carolina antes que esse peste volte e roube meu emprego. Vai-te...

*****

Peter chega a um quarto de pensão. Aparentemente, não tem ninguém. Quando pensa em bater na porta, aparece Juliane destrancando-a, com uma mala na outra mão.
-O que você veio fazer aqui? Quem deu meu antigo endereço?
-Carolina. Não sabia que era pra proibir.
-Tanto faz, já estou de saída. O táxi tá lá embaixo.
-Aonde você vai?
-Bom, agora que tô sem emprego, e não vou ficar meses devendo à pensão, porque não acredito em caridade de novela, vou morar com meus pais, em Fortaleza.
-E qual o problema de ficar aqui?
-Ele atende pelo seu nome.
-Olha, Juliane... Eu não vim antes porque... Sabia que tu não queria falar comigo.
-E não quero.
-Eu soube que a Leilah ouviu você delirando, dizendo que a gente nunca teve nada. Só assim ela se convenceu.
-Claro. Saí do carro nas carreiras! De repente, ele explode e eu engulo a fumaça todinha. Tá na cara que eu ia passar mal.
-Já entendi. Tá indo embora com medo de Leilah.
-Ela não contou que eu quase acabei com a chapinha dela dentro do carro, antes de bater?- ri- E depois, quando eu corri, acabou que eu me soltei com aquela peixeira dela. Decidi salvar a vida dela pra que ela ficasse contigo. Joguei a faca no bueiro, quando começou o fumacê.
-Pra quê?
-Quando a gente bateu, ela ficou desesperada. Foi aí que eu percebi que ela, apesar do mal-entendido, gostava de tu. Mesmo que ela te dispensasse, não ia sair do seu pensamento.
-O que você sabe, de verdade, sobre o que eu fico pensando?
-Nada, nem tu sabe. Imagina eu!
-Ainda arrependida de ter passado aquela noite me ouvindo, me aconselhando a deixar a traição dela pra lá, além de trocar meus curativos?
-Muito. Agora me dei conta que você deixou de ser meu paciente. Essa sua mania de achar que vai conseguir tudo que quer me irrita, mas é o que me faz ficar mais perto. Não é a Leilah que vai me fazer viajar. É você.
-Peraí, tá me dizendo que...
-Que o tempo todo tava errado. Não gostava de você como mulher, mas como médica.
-E hoje?
-Não tenho certeza, mas não tô a fim de descobrir.
-Não?- agarra-a violentamente.
-Me larga, Peter!
-Tu também parece ser muito confiante. Eu represento o quê? O medo de ser exatamente uma dependência? Um vício? É?
-É!- grita- Mas como todo ser humano normal, sei que isso passa.
-Aí é que tá. Eu não quero que passe.
-Mas eu sim.
-Agora. Se deixa levar pelo que vai acontecer com a gente. Depois, quando você se cansar, me descarta.
-Que é isso? Acha que eu vou te tratar desse jeito?
-Viu? É por isso que eu me sinto atraído. Você é linda, mas... É seu jeito de ser que não me faz sair desse quarto desse jeito nenhum.
-O que é? Vai me provar que pode conseguir me pegar, que pode ter a mulher que quiser e na hora que quiser?
-Não, mais do que isso. Eu quero que tu me prove que eu tô errado. Sua chance é agora. E se não for agora, você vai me buscar até no cafundó do Judas, até eu te dar o que tu quer.
Depois desse diálogo interessante e cheio de detalhes, os dois estão prontos pra trocar um beijo digno de início de “American Pie”, mas...
-Espera!
-Não vou passar dez capítulos dessa história sem trocar um beijo, Juliane. Desista!
-É sério. Eu preciso fazer uma coisa.
Juliane abre a mala. Tira um isqueiro e a moldura de seu diploma.
-Carolina me trouxe hoje de manhã. Esqueci no consultório.
Ela tira o diploma da moldura, acende o isqueiro e queima o documento. Depois, joga-o num cinzeiro.
-E agora? Quem é que vai cuidar da minha perna? Eu ainda tô mancando, sabia?
-Peter, me faz um favor? Só abre a boca se for pra me beijar. Já falasse o capítulo todo, chega!
E finalmente, Juliane parte para o ataque. As janelas abertas permitiam que os dois ouvissem o motorista do táxi, buzinando o tempo todo, pois estava perdendo corridas. Quem se importava com isso, sabendo que os dois estavam rolando no chão? Justamente... Nem nós.

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