24/10/2016

ONZE MIL/ CAPÍTULO 8



Kim sai de uma unidade de saúde nos braços de Lucas, chorando. Acabou de receber uma vacina.
Passaram-se cinco anos desde que aconteceram os primeiros fatos envolvendo as famílias de Lucas e Carolina.
-Chore, não. Eu vou comprar um picolé se você parar de chorar.
-O senhor disse que não ia doer.
-Você também disse que não ia chorar, não foi?
-Mas por que eu levei injeção?
-É um exame, Kim. O médico quis saber se tá tudo bem.
-Mas ele tira muito sangue.
-Ué, se não tirar, como é que a gente vai saber?
-Sei lá, mas não quero tirar mais, não.
-Fica tranquilo. E aquela dor aqui no peito, passou?
-Passou.
-Viu como foi bom ter vindo por médico? Falou tanto que não queria vir. Tá aí: tomou o remédio e passou.
-Te amo.
-Por que você tá dizendo isso assim, agora, do nada?
-Porque eu te amo, ué!
-Eu também te amo- Lucas beija o filho- Vamos pra casa?
-Não. Tem meu picolé antes.
-Mas você não esquece nada mesmo, hein? Vamos, sim.

...

Miguel e Bernardo estão numa loja provando alguns paletós. O primeiro abre a cortina do provador para o irmão.
-E aí? Como é que eu fiquei?
-Nada mal. Só deixa eu ajeitar isso aqui- posiciona a gravata de Miguel no lugar correto.
-Impressionante!
-O quê?
-Você. Nunca fica satisfeito com nada.
-Hoje é a formatura do meu filho. Seus comentários inconvenientes não vão estragar meu dia.
-Não está mais aqui quem falou. Vem cá, e a Yanna?
-Essa, depois de anos sem me dar problema, agora resolveu que quer produzir um disco voltado ao público gospel.
-Tentando verificar qual é o problema.
-Disco pra crente fanático? Miguel, você já foi melhor em seus argumentos.
-Engraçado você falar mal com um bem na sua frente.
-Isso poderia me intimidar?
-Vamos lá, Bernardo: explica qual é o problema disso, porque eu não consigo entender. Yanna se formou há pelo menos dois anos, ainda não se inseriu no mercado de trabalho e tem afinidade com o gênero gospel.
-Yanna sabe que basta falar comigo e essa situação é resolvida, porque eu tenho influência nesse meio.
-Sua filha quer andar com as próprias pernas. Está na hora de você respeitar isso.
-O que eu sei é que meus filhos não sabem escolher o melhor pra si mesmos.
-Acontece que você julga os seus filhos por causa da escolha que você julga como errada. Por favor, Bernardo, eles têm direito de quebrarem a cara, pelo menos pra te darem razão.
-Sério? E se eles não voltarem pra me pedir desculpas? E se com eles acontece o mesmo que com a Carolina?
-Bernardo, olha o que você tá dizendo.
-Quem passou pelo que eu passei não deixa os filhos soltos no mundo, livres pra fazer o que bem entendem. A gente coloca de volta no ninho, e não deixa ninguém chegar perto.
-Uma vez, a tua superproteção se voltou contra você. Pense nisso antes de qualquer coisa.
-Já escolheu se esse vai ser o paletó da noite? Então, vamos pro caixa de uma vez- Bernardo deixa Miguel sozinho no provador.

...

Lucas e Kim voltam pra casa, sendo recebidos por Osmar.
-O médico atendeu vocês?
-Atendeu.
-Vou lá pro quarto ligar o DVD de "Hora da Aventura".
-Ei, ei, ei! Vai pro quarto e não vai dar nem um abraço no avô?- ao ouvir isso de Osmar, Kim abraça o mecânico.
-Tchau- corre pro quarto.
-Se o DVD não tiver ligado na tomada, não mexe.
-Pronto. Agora que ele saiu, pode falar.
-Dizer o quê?
-Hum, vocês passam a manhã toda na Upa, você falta à aula do último período da faculdade e o que eu escuto é só um "atendeu"? O que é que ele tem?
-O médico não descobriu. Pediu um exame de sangue, mas o resultado tá no laboratório. Só sai lá pra de noite.
-E essa dor no peito? Tem explicação?
-Nada. Perguntou que anti-inflamatório eu costumo dar pra Kim, e eu falei que não tinha dinheiro pra comprar agora.
-Também ando liso, Lucas, senão eu te arranjava.
-Daí, ele foi na farmácia de lá e mandou ele tomar o remédio que eu disse o nome. Kim até deu uma melhora, mas...
-Mas o quê?
-O médico fez muita questão de que a gente fizesse o exame de sangue. Pra mim, ele tá desconfiando de alguma coisa. Lá pra de noite, eu vou lá buscar.

...

A cerimônia da formatura de Raffael acontece naquela noite. O reitor chama o rapaz pelo nome.
-Raffael Figueiredo Mutarelli.
Yanna, Bernardo e Miguel batem palmas enquanto o rapaz sobe ao palco para receber o certificado de conclusão de curso. Em seguida, vai em direção à sua família, abraçando o pai primeiramente.
-Eu sempre soube que você ia conseguir.
-Obrigado, Pai. Obrigado por tudo.
-Parabéns, Fael! Você tá lindo!
-Valeu, mana!- o jovem abraça emocionado a irmã.
-Ainda tem espaço pro tio farofeiro?
-Claro que tem, vem cá!- Raffael abraça o tio aos risos.
-Que Deus te abençoe, meu querido. Meus parabéns.
-Miguel sempre atraindo as atenções para si.
-Não, não, não, meu querido Bernardo. Hoje, as honras são do nosso Raffael, o mais novo engenheiro desse país.
-Será que eu também posso cumprimentar você?- Sílvia aparece na cerimônia, bem receosa.
-Mãe?
-O que é que você está fazendo na formatura do meu filho, infeliz?

...

Lucas aparece na enfermaria da unidade de pronto-atendimento procurando o médico que atendeu Kim na manhã do mesmo dia.
-Doutor?
-Oi, Lucas. Lucas, não é? Desculpa, é que estou um pouco apressado.
-Não, tudo bem. Vim saber do resultado do exame.
-Acabou de chegar.
-O senhor leu? Disse o quê?
-Lucas, eu pedi que Joaquim fizesse um exame de sangue porque desconfiei da situação dele.
-Mas o exame explicou alguma coisa?
-Pra não ter dúvidas, eu pedi pra repetir o resultado. Lembra que eu te perguntei se o seu filho tem perdido peso nas últimas semanas e você me confirmou?
-Tá, mas o que foi que deu no exame?
-O Joaquim precisa ser encaminhado pra um oncologista. As duas feituras do exame detectaram um problema relacionado aos linfonodos.
-Fala claro. Meu filho tem que procurar oncologista pra quê? O Kim tá doente de quê?
-Tudo leva a crer que... Joaquim tem um linfoma.

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