22/10/2016

ONZE MIL/ CAPÍTULO 6



-Pai... Chega perto de mim.
Lucas vê o empresário chegando perto do leito e fica de pé, ainda segurando a mão esquerda de Carolina. O pai da moça se interpõe coloca a sua mão no mesmo lugar que o estudante.
-Fala, filha.
-Meu bebê já nasceu?
-Já.
-E o que ele é?
-Um menino- Lucas responde.
-Como é que ele tá?
-Ele vai ficar bem. Foi pra incubadora.
-Carolina, procura não se preocupar com isso. Seu filho tá sendo bem cuidado. Não se esforce tanto.
-Não. Eu tenho que falar.
-Por que você veio assim, sem avisar? E sem procurar sua família?
-O meu filho ia nascer, longe do pai. Não é justo. Nem com ele, nem com meu filho.
-Mas fugir, minha filha?
-O senhor não ia deixar eu vir. Só de desconfiar que eu tava grávida, me mandou pra longe. Se fosse só comigo, mas tinha o bebê nisso tudo...
-Querida, o médico disse que você precisava repousar, que o seu quadro ainda inspira cuidados...
-Pra quê? Eu já sei o que vai acontecer comigo.
-Não fala assim, Carol. Você vai ficar boa logo, pra cuidar do nosso filho.
-É por causa dele que eu quero falar com vocês dois. Eu quero pedir uma coisa.
-Por favor, peça o que quiser, meu amor- Bernardo parece compreensivo.
-Aconteça o que for comigo, eu quero os dois cuidando do meu filho. Juntos. Prometem que vão cuidar dele como se eu estivesse aqui? Prometem?
-Carolina... – Bernardo enxuga uma lágrima- É óbvio que você vai se recuperar e cuidar dessa criança.
-Eu quero que prometa. Agora, Pai.
-Tudo bem. Eu vou cuidar dele.
-Junto com o pai dele, Lucas. Promete pra mim, Pai.
-OK. Com o Lucas.
-Promete também, Lucas.
-Tá certo. Eu vou cuidar. A gente vai cuidar.
Lucas fala com Carolina sem olhar para Bernardo, não contemplando o olhar de desprezo que ele lança por entender que agora ambos estão ligados para toda a vida.

...

Atordoado, Raffael chega ao hospital e encontra Yanna na recepção.
-O segurança lá de casa me deu o teu recado.
-Deixei que ele te avisasse. Desde hoje que eu ligo e você não atende. Onde é que você tava?
-No apartamento da Amanda.
-Eu sabia que era pra lá que você tinha ido.
-Mas aconteceu o quê com ela?
-Foi atropelada. O médico fez o parto, mas nem ela nem o bebê estão bem. Ninguém deu esperança pra nenhum dos dois.
-E o nosso pai? Onde é que ele tá?
-Tentando transferir Carol pra outro hospital, mas o médico disse que no estado que ela tá, é muito arriscado. Por sorte, Tio Miguel tá aqui. Senão, ele não ia aguentar...
-Calma... – Raffael abraça a irmã- Vai ficar tudo bem. A Carol vai se salvar.

...

Num dos corredores, Bernardo encontra Miguel ajoelhado, com os braços sobre um dos bancos.
-Que foi? Tá passando mal?
-Estava orando.
-Sei. Isso resolve alguma coisa? Porque, em se tratando de pedidos atendidos, acho que quem trabalha nesse ramo fielmente é o Gênio da Lâmpada.
-Não peço aquilo que quero, e sim o que eu preciso.
-Então, peça pela sua sobrinha, porque está cada vez mais difícil de acreditar que ela consiga sobreviver ao acidente que a vitimou.
-Você acha que eu não peço, Bernardo?
-Pelo contrário, acho que pede demais. Mas talvez Ele nem sempre queira te atender, como agora. Vamos lá. Me mostre que ela vai sair dessa enfermaria andando como se nada tivesse acontecido.
-Talvez o que falta nessa situação é a sua reação. Por que você não coloca os joelhos no chão e pede a Deus que salve sua filha? Ah, é claro, porque pensa que Ele é uma ilusão, uma farsa.
-Pois muito bem. Se Ele realmente existe, então que ela volte pro negro safado, que cuide do mulatinho que ela pariu, e eu prometo não mais interferir na vida da Carolina.
-Bernardo, nem você acredita na sua própria promessa.
-E o que você quer que eu faça, Miguel? Não é de mim que o quadro de saúde dela depende! A culpa de tudo é daquele maldito Lucas. Se ela não tivesse procurado por ele naquele lugar...
-Alto lá! A culpa é sua! Carolina nunca teria de confessar uma gravidez se você não a induzisse a sair do país.
-Como é que você tem coragem de me falar um negócio desses?
-Sua filha pode até ter se descoberto como mulher na cama desse sujeito, mas não passa de uma menina que não faz ideia do que quer da vida.
-Porque ele a desestabilizou!
-Ele? Uma mãe que foi pra longe porque queria viver longe dos filhos, um pai que coloca seguranças pra todos os lugares que ela pisa. Em quem você acha que Carolina pode confiar? Com toda a certeza do mundo, em alguém alheio a tudo que a cerca. Se não fosse esse Lucas, seria alguém completamente diferente de você, que pensa que pode manter seus filhos vivos enquanto o valor da mesada for depositado!
-Dr. Bernardo- Joaquim interrompe a discussão, com pesar em suas palavras.
-O que foi agora?
-A sua filha- nesse momento, Raffael e Yanna passam pelo corredor para obter notícias sobre a irmã.
-Fala. O que foi que houve? Ela piorou, não foi? Fala, infeliz!
Uma maca traz o corpo de Carolina completamente coberto. Violentamente, Bernardo puxa o lençol e atesta que é o cadáver da filha.
-Fizemos tudo o que foi possível. Eu sinto muito.
-Não... Não!- Yanna grita enquanto é amparada por Raffael, aos prantos. Bernardo nada mais consegue fazer do que cair de joelhos ao lado da maca e, em choque, abraça o corpo de Carolina.
-Calma, Yanna, por favor! Tenta se acalmar!
-A minha irmã, Tio...
Lucas escuta na recepção da policlínica o desespero de Yanna.
-Tá escutando, Pai?
-O que é?
-É a voz da irmã da Carol!- Lucas corre tentando entrar na enfermaria, mas é contido por um guarda.
-Lucas, espera!
-Você não tá ouvindo ela desesperada? Me deixa passar!
-Daqui ninguém passa!
-Minha irmã, não! Diz que é mentira, por favor... - Yanna se solta de Raffael e agarra Joaquim- Me diz que ela não tá morta!
-A Carolina... – Lucas vê do vidro da porta o corpo da moça ao lado do pai- A Carolina, Pai...
-Ai, meu Deus... Conforte essa família agora- pede o pai do estudante.
-Carolina! Carolina!- Lucas grita e Bernardo o olha impassivelmente.
-Vem, Lucas. Agora é tarde demais!- aconselha Osmar.
-Não! Eu não aceito isso, eu não queria isso!
-É a vontade de Deus, Lucas! Por favor, sai dessa porta! Não cause mais sofrimento a essa família! Vamos embora!
-Não, me deixa! Me deixa passar você também!
-Por favor, tira o seu filho daqui! A gente tá num hospital!- o segurança reclama da postura de Lucas para Osmar.
-Me escuta! Me escuta agora, eu tô mandando! Eu sei que essa moça te amava, mas agora você precisa continuar por esse filho de vocês. Pensa nessa criança, ela precisa de você!
Lá dentro, o médico procura acalmar Yanna com um abraço. Raffael é amparado pela presença de Miguel, que tenta levantar o irmão do chão. Osmar retira o filho da porta da enfermaria e procura aquietá-lo.

HORAS DEPOIS...

Ocorre a cerimônia do velório de Maria Carolina. Todos se mostram abatidos com a morte da moça. Bernardo não consegue demonstrar nenhuma emoção que não seja a postura gélida. Isso chama a atenção de Miguel, enquanto o padre convoca todos a rezarem pela alma da jovem.
-Você tá passando mal?
-Bem é que eu não estou.
-Não derramou uma lágrima.
-Não consegui. Não consigo até agora. A ficha não caiu.
-Eu queria tanto poder te dizer alguma coisa que te ajudasse, mas...
-Não é culpa sua, Miguel. Ninguém pode.
-Bernardo, o que você vai fazer agora? Depois daqui, você vai pro hospital?
-Já resolvi todos os trâmites da liberação do corpo, o que mais eu tenho pra resolver lá?
-Saber notícias do bebê.
-Sim, ainda existe uma coisa a resolver. Mas não hoje, não agora. Por enquanto, a questão do bebê está sob controle.
-Você nem chegou a conhecê-lo, não foi?
-Miguel, depois a gente conversa sobre isso.
-Tá bom. Eu vou ficar do lado do Raffael e da Yanna.
-Faça isso. Tire forças que eu não tenho pra dar aos meus filhos.
-Também não tenho forças nessa hora. Vêm de Deus.
-Que seja. Fique com eles. Nesse momento, eu não tenho condições de nada, de dar uma palavra amiga que seja. Eles perderam uma irmã e eu perdi uma filha. Ninguém vai substituí-la.
-Carolina era a mais próxima de você.
-Mais do que isso. Era a única que escutava o que eu dizia, que me obedecia. Mas eu, de alguma maneira, sabia que isso ia acontecer.
-Como assim? Você pressentiu que a Carolina morreria num acidente?
-O que eu pressenti era que minha filha seria tirada de mim por aquele rapaz. E foi exatamente isso que aconteceu, não foi?
-Para com isso, Bernardo. Foi um acidente. Nem mesmo o motorista do carro que atropelou Carolina pode ser punido. Acabou morrendo também.
-Que arda no inferno! Se inferno existir!
-Pelo amor de Deus... Não fala assim, meu irmão.
-Se fosse pra morrer, deveria ter levado o imbecil do namorado negro dela pro túmulo também.
-Só que a realidade é outra, Bernardo. Mesmo que você cultive ódio pelo Lucas, ele continua sendo o pai do seu neto. Isso você não vai romper nunca.
-Vamos ver se eu não quebro realmente esse laço. Agora vai. Fica perto dos meus filhos, e me deixa aqui, com a minha dor.
-É a dor que eles estão sentindo também.
-Não chega nem perto do amor que eu sinto por ela. Eu não aceito ver a minha menina se transformar numa lembrança, num adubo pra terra, tudo por culpa de um negro desgraçado. Mas pode ficar tranquilo, Miguel. O laço que me une àquele arrivista não vai durar muito tempo.
-Você não chegou a desejar a morte do filho da Carolina, chegou?
-Não. Mas não é hora de explicar o que vai acontecer. Em breve, esse romance que a Carolina teve, bem como suas consequências, também serão enterrados com ela.

UMA SEMANA DEPOIS...

O médico que cuidou do parto de Carolina se dirige a Lucas e a Osmar.
-E então, Doutor? Como é que tá o meu filho?
-Pode ficar tranquilo, Lucas. O bebê finalmente vai sair da incubadora. Dentro de três dias, você já pode levá-lo pra casa.
-Ai, graças a Deus- Osmar abraça o filho- Obrigado, Doutor. Muito obrigado!- aperta a mão do médico.
-Imagina, não tem o que agradecer. Se eu pudesse, tinha feito mais, mas não estava ao meu alcance. Vocês vão me dar licença, mas hoje eu tenho plantão em outro hospital.
-Tá bom. Valeu mesmo, Doutor.
-Lucas, eu vou ter que ir pra casa. Acabei esquecendo o celular e tenho que ligar pros clientes da oficina e dar uma satisfação do meu sumiço.
-Aproveita e dorme também. Eu fico aqui.
-Não, mais tarde eu venho. Você não quer vir também? Eu tô com a passagem.
-Não. Eu vou ficar aqui.
-Mas o médico não disse que tá tudo bem com o bebê?
-Tá, eu sei, mas eu quero ficar. Pode ser que ele precise de mim.
-Aprendendo a ser pai bem depressa, hein?
-Não sei se é tão rápido assim, mas... Eu tenho que aprender.
-Tudo bem. Só vou ligar pro pessoal e tomar um banho. Lá pra de tardezinha eu venho te render- beija o filho na cabeça- Fique com Deus.
-Amém.
Lucas vê o pai indo embora da policlínica e senta num dos bancos da recepção. Subitamente, Bernardo aparece e se coloca de pé diante do jovem.
-Como é que está a criança?
-Nossa, pensei que o senhor não vinha mais saber dele. Principalmente pra não ter que cruzar comigo, já que impediu que eu entrasse no enterro de Carolina...
-Como está a criança? Responda.
-Já tá fora de perigo. Hoje sai da incubadora e daqui a uns dias ele vai pra casa.
-Pra sua casa.
-O que é que o senhor quer dizer com isso?
Bernardo ri.
-Achou mesmo que essa história do namorado eternamente apaixonado e do pai adolescente zeloso iria me comover? Pensa que a criação desse bastardo vai ficar nas minhas costas, ainda mais depois da morte da minha filha?
-A Carolina disse que o senhor e eu, que a gente...
-O que a minha filha disse no leito de morte não tem validade, ela estava agonizando. O que prevalece aqui e agora é a minha vontade.
-Isso quer dizer o quê?
-Que a partir de agora, você, esse bebê e qualquer um que tente se aproximar da minha família pode esquecer que eu existo. Você será o único responsável pela criação dessa criança.

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