26/10/2016

ONZE MIL/ CAPÍTULO 10

-Prazer. Meu nome é Lucas. Esse é meu filho, Joaquim.
-Você que é o Joaquim?
-Kim- diz timidamente, mas se divertindo com a caracterização da agora médica.
-Kim. Só vou te chamar assim agora. Bate aqui- estende a mão, ao que o menor cumprimenta rapidamente- Isso aí. Quantos anos você tem, Kim?
-Responde pra tia, filho.
-Cinco.
-E já é desse tamanho todo? Que menino forte, hein?
Kim olha à sua volta e percebe vários brinquedos, além de crianças em seus leitos.
-Tem DVD de "Hora da Aventura" aqui?
-Tem, sim. Quer assistir?
-Quero!
-Daqui a pouco eu pego pra você. Espera aí, tá?- vira-se para Lucas.
-Dr. Fábio disse que a senhora é que cuida das crianças daqui do hospital.
-Eu divido o trabalho com ele. Mas não precisa me chamar de senhora, não. Amanda tá bom demais.
-Se é assim...
-Eu imagino como deve ser difícil pra você e pra ele.
-Kim não tem ideia do que tá acontecendo. E eu vim pra cá esperando que o médico daqui me dissesse outra coisa. Ele vai mesmo ter que fazer quimioterapia?
-É o melhor tratamento que podemos recomendar. Claro, eu ainda preciso de um tempinho pra avaliar o caso. O melhor é que o Kim fique aqui pra ser avaliado.
-Acredita que eu não trouxe nenhum documento dele, só o exame que eu peguei ontem de noite? Pensei que não precisasse de nada disso, que meu filho ia ficar melhor, que ele...
-Calma, Lucas. Quem disse que seu filho não vai ficar bem? A gente vai cuidar dele, isso eu posso te garantir. Só que mais do que de médico, teu filho vai precisar da sua força. E se você não tiver, tem que procurar um jeito de encontrar. Por ele. Me diz o nome completo dele pra eu preencher a ficha aqui na prancheta.
-Joaquim Mutarelli Siqueira.
-Mutarelli...

...

Cadu, o amigo que está ajudando Yanna a produzir seu primeiro disco, encontra-se com a moça nos corredores da faculdade de Música.
-A paz do Senhor, Yanna.
-Amém- cumprimenta o amigo com um abraço- E aí? Como é que você tá? Sumiu da net, não entra mais no Whats, nada...
-Eu tava preparando uma surpresa.
-Já pode contar?
-Mandei o disco pra gravadora. O dinheiro que você arrecadou deu pra produzir onze mil cópias. É pouco pro mercado, mas a gravadora teme que o CD não venda o esperado.
-Como foi, então, que você convenceu os executivos da empresa a liberar a fabricação?
-Pela fé, minha amiga. Também não acreditava que eles fossem liberar o projeto. Mas ouviram as músicas e deram carta branca. Daqui a uma semana, os onze mil CDs vão pras lojas!
-Não acredito!- Yanna pula de felicidade e abraça Cadu novamente- Graças a Deus! Obrigada, obrigada, mil vezes obrigada! Se não fosse você, eu não ia sonhar tão alto! Nem ia ver esse sonho se realizando...
-Sabe o que é o melhor disso tudo, Yanna? É que através desse CD, você vai alimentar os sonhos dos outros. E quem não tem, vai deixar Deus desenhar sonhos pra vida. Eu tenho orgulho do que estamos fazendo, do que você está fazendo por si mesma e pelos outros. Quem tem que te agradecer sou eu. Obrigado, minha amiga! Minha irmã de fé!

UMA SEMANA DEPOIS...

No setor infantil da Oncomed, Osmar está vendo Kim dormindo, e aproveita para falar com o filho.
-Como é que ele está?
-Na mesma. O tratamento ainda não começou, mas a doutora disse que de amanhã não passa. Por enquanto, os medicamentos que ele tá tomando são pra aliviar as dores que ele vem sentindo.
-E a faculdade, Lucas? Passasse esses dias todos aqui no hospital, tem que ir lá uma hora pra explicar o que tá acontecendo com Kim.
-Explicar o quê, Pai? Se nem pra ele eu tô conseguindo falar? A gente tá junto, vinte e quatro horas por dia, e eu ainda não expliquei pra ele que encontraram um linfoma, o que é essa doença, o tratamento que ele vai fazer... Enquanto ele só tá tomando uns remédios, e brincando com os outros meninos, tudo bem. Até tá achando ótimo ficar esses dias sem ir pro colégio. Mas e depois? Depois que ele ficar cheio de agulha, tomando medicação pela veia, se sentindo cada vez mais fraco, eu vou dizer o quê?
-Pai... – Kim acorda.
-O que foi? O que foi, Joaquim?- Lucas corre assustado.
-Eu tô com fome. Tem o quê pra comer?
-Ainda não é nem meio-dia, Kim. A gente tem que esperar a moça da cozinha trazer a comida pra todo mundo.
-Mas a daqui é muito ruim. Por que é que a gente não vai pra casa?
-Kim... – Osmar abaixa até o leito para falar com o neto- Lembra que eu e o seu pai, que a gente te ensinou como falar com Papai do Céu?
-Já decorei faz tempo, Vô.
-Pois então... Eu quero que sempre que você ficar triste, pensando que nada vai dar certo, você coloque tudo na mão Dele.
-Como é que eu faço?
-Só tem que pedir. E acreditar que Ele está te ouvindo.
-Vô, eu vou ficar aqui até quando?
-Ah, eu... Não sei, Kim.
-Mas a gente vai ficar do seu lado o tempo todo, viu?- Lucas beija o filho- A doutora vai cuidar de você, e eu também vou. Confia em mim.
-Só confio em herói, tipo Super-Homem, Homem-Aranha e você.
-Isso aí. Mas você é o meu campeão.

...

Dois caminhões, à hora avançada, trazem os onze mil CDs que a gravadora produziu para lançar Yanna no mercado. De repente, os motoristas, que vêm um atrás do outro, escutam seus pneus estourarem e a velocidade diminuir. Ambos descem dos veículos, parados à beira de um matagal, numa estrada praticamente sem sinalização.
-O que foi isso, cara?
-Parece que estouraram os pneus. Peraí, deixa eu ver- chega perto da distância entre os dois caminhões- Não disse? Estouraram mesmo.
O outro se afasta para conferir se há algo no asfalto.
-Colocaram um monte de pregos aqui. Tem uma fileira.
Quatro homens armados e encapuzados saem do matagal e se aproximam dos dois motoristas.
-Dá a chave do caminhão! Entrega a chave do caminhão! Os dois!
-Calma, não faz nada com a gente!
-Abre a porta de trás agora! Abre, eu tô mandando!
Um deles obedece e deixa as portas abertas. Um dos assaltantes liga uma lanterna e comprova que o carregamento é dos discos gravados por Yanna.
-E no outro caminhão, tem o quê?- pergunta o ladrão que porta a arma e a lanterna.
-A mesma coisa- responde, trêmulo.
-Tá bom, agora fecha a porta e me entrega as chaves e os celulares. O outro motorista também!
-Por favor, não faz nada com a gente!- pede o segundo motorista enquanto entrega as chaves.
-Cala a boca! Só quem fala aqui é a gente! Vão pro mato! Os dois!
-Eles vão atirar na gente...
-Mandei ir pro mato. Desce a estrada agora! Os dois juntos! De costas!
-Vocês só vão sair de dentro do matagal quando ouvirem os caminhões saindo daqui. Se virar qualquer um dos dois, a gente aperta o gatilho. Vão logo! Anda!
Os motoristas descem até o matagal.
-Continua andando aí, sem olhar pra trás- grita o terceiro assaltante, enquanto o quarto traz placas falsas e instala nos dois caminhões. Em seguida, cada par de bandidos entra em um veículo e foge velozmente.

...

Ao meio-dia e meia do dia seguinte, Raffael está em pleno engarrafamento, em frente à Oncomed.
-Devia ter ido no Corpo Discente mais cedo. Agora tá esse trânsito infernal- pensa em voz alta.
Alice sai do hospital e atravessa a rua para comprar um coco. A moça passa em frente ao veículo de Raffael, mas parece se esquecer de algo e, antes de cruzar a faixa completamente, volta correndo pro estabelecimento.
-Não acredito que saí de jaleco na rua...
-Aquela moça ali... É Amanda.

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