O barraco continua. O que acha que vai acontecer? A
gente não sabe, vai inventando. E como todo pobre acredita nisso, precisa haver
uma briga com pancadaria. Lógico.
-Pai, quem foi que deixou essa menina entrar?
-Seu Arnaldo não tem culpa nenhuma. Eu pedi pra
entrar porque estava preocupada, sem te ver há mais de horas...
-Já resolvi seu problema. Agora, eu quero falar pro
meu pai onde eu estive. Sem você perto. Aliás, eu não preciso de você do meu
lado pra nada. Já ficou bem claro.
-O que você quer dizer a ele que eu não posso
ouvir? Hein? Que estava com ela?
-Eu estava no hospital. Além de traíra, virou cega
também? Não tá vendo meus curativos?
-Meu filho, como foi isso? Você precisa ir pro
quarto. Tem que descansar! E os médicos? Disseram o quê?
-Relaxa, eu tô bem. Com um pouco de dor ainda, mas
o anti-inflamatório vai fazer efeito. Fica frio.
-Você não respondeu com quem estava até uma hora
dessas!- exigia Leilah.
-Faz umas cinco horas que tinha o direito de me
fazer pergunta desse tipo. Mas perdeu se esfregando no primeiro imbecil que viu
na festa.
-Claro. Esqueci que não podia deixar que tivesse o
mesmo direito do cachorro do meu namorado, que se esfrega com uma vadia...
-Ah, vai se ferrar! Para de bancar a certinha,
Leilah. Você está tão preocupada comigo mesmo...
-Peter, ela passou a noite toda aqui.
-Porque quis- grita Peter, alterado- Ainda dá tempo
de ver se o canalha está lá na festa. Inclusive, se ele já foi pra casa,
aproveita e pega o primeiro que aparecer. Porque nem a capacidade de escolher
direito você tem, beijou o primeiro idiota. Ou melhor, foi muito inteligente da
sua parte. Acho que foi pra combinar com você, vagabunda!
-Agora chega!- parte pra cima do ex-namorado! O
pai, sem saber do rompimento, tenta impedir em vão. Quase derrubaram o velho.
Peter a segura e defende-se mandando-a parar!
-Me larga, Peter!
-Sai daqui agora!
-Eu odeio você!
-Grande coisa. Eu tenho por você coisa bem pior.
-Fica muito mais fácil pra você me dispensar com
aquela galinha da sua fisioterapeuta te cercando.
Por um minuto, ele ficou sem ação. Mas fez questão
de irritá-la.
-Nem foi preciso. Pra quê esse trabalho todo? Hoje,
eu trocaria uma vadia como você por qualquer uma... - Paft! É interrompido com
um tapa. Seu Arnaldo se recompõe e segura a ex-nora.
Não é que o carinha decide se vingar cuspindo na
cara dela? Depois, a arrasta pelo braço e a leva até a porta de sua casa. O pai
vai atrás pedindo para que ele a largue, em vão.
-Eu acabo com você, Peter. Nunca mais você
encosta a mão em mim! Nunca!
-Não mesmo. Vai saber quantos encostaram depois de
mim, né?
Leilah avança, mas seu Arnaldo aparta-os.
-Chega, acabou! Parou. Entra, Peter. Entra!- ordena
novamente ao perceber que ele não parava de olhar pra ela. O próprio Peter
fecha a porta. Tão forte que Leilah não esqueceu a pancada por dias.
***
Mais tarde, Leilah está trancada no quarto, ao
telefone.
-Parti pra cima dele e tudo. Acabou. Não quero mais
ver ele. Além de se fazer de vítima, teve a coragem de cuspir na minha cara.
-Você tem certeza de que não se enganou? De que não
entendeu a conversa errado?- do outro lado, Priscila. A ortopedista do próprio
Peter. Pense! O mundo é uma ervilha.
-Tenho, ouvi ele falando com o amigo dele. E
depois, quando eu perguntei, ele não negou nada. Tá na cara, Priscila.
-Pra mim, isso tá muito mal explicado. Pode sobrar
pra você. Já pensou se não foi você que traiu primeiro beijando aquele cara na
festa por confusão? Desculpa, Leilah, mas você tá fazendo tempestade em copo
d’água. Eu conheço o Peter, ele é doido por você.
-Tá, e daí? Apaga o que ele fez de manhã?
-Não, mas acho que você devia sondar. Se ele não
conta, procura a outra parte da história.
-Como assim?
-Vai procurar a menina. Você terminou com ele, não
vai perder mais nada.
-Será?
-Se quiser, eu vou com você.
-Não, eu vou pensar. E se eu for, quero ir sozinha.
Olhar pra cara da vagabunda.
***
Vamos trocar de cena. Exploremos os cenários
(locação é caro, minha gente). Leilah chega ao estacionamento e de cara, vê
Juliane descendo à escada. Ela ainda está no começo, até que ouve um grito.
-Espera!
-Sim?- vê Leilah subindo em sua direção.
-Eu queria uma informação. Onde eu posso encontrar
Juliane? Não lembro o nome completo, mas sei que é uma fisioterapeuta.
-(com arrogância) Falando com a própria.
-Foi você. Foi você que tava com o Peter de
madrugada?
-Peter?
-Não disfarça, cachorra!
-Escuta aqui...
-Cala a boca! É por você que ele tá interessado. É
com você que ele tem um caso, não é?
-Você enlouqueceu?
-Cínica. Já deve ter percebido que ele fica
babando, imaginando como você é dentro desse jaleco. Aliás, ótimo pra esconder
a sem-vergonha que tu é.
-Ele e todos. Mas eu percebi, sim. Não posso culpar
se ele não teve coragem de dar um tempo contigo. Problema dele.
-E seu! Tá interessada nele, né?
-Não! Quer a verdade? Não estou! Mas vou ser
sincera. Acho o Peter bacana, bonito. Sabia que ele tinha uma namorada. Mas
isso não. Pra mim era coisa melhor.
-O que é melhor? Um camburão da polícia chegar pra
acabar contigo, te jogar na cadeia por dar em cima de um paciente?- Juliane
gelou.
-Você ficou sabendo que ele veio pra cá. Por isso
seus ciúmes.
-Não. Pior. Descobri que o meu namorado é afim de
uma vagabunda.
-Tem razão. Vou contar a verdade. O Peter não
aguentou você com outra pessoa e veio pra cá. Eu fiz ele chorar tudo o que ele
tinha pra chorar. Agora, pra fazer ele esquecer de você, foi fácil demais. Não
vai ser o primeiro nem o último a ficar em minhas mãos. E se quiser saber,
posso fazê-lo esquecer de outras coisas. Não só ele. Tem mais gente que precisa
se esquecer do que ouve e do que vê, principalmente do que fala. Não acha?
-O que você tá dizendo, sua vadia...
-Eu tô dizendo- segura os braços da “rival”- sua
demente, que se a polícia chegar aqui, certamente ela vai me perguntar se eu
testemunhei você caindo daqui feito uma jaca podre.
-Você tá louca? Para! Tá me machucando!
-Fica tranquila. Se você tá com medo do Peter ficar
sozinho, deixa, que ele sabe que eu cuido muito bem dele. E já que essa é sua
única preocupação, fica sossegada...
-Socorro!
-Fica calma, Leilinha... Não vai dar tempo dele
sentir saudades suas. Aliás, queridinha, acho que você já está na prorrogação.
-Me solta, sua louca!
-Como queira!
E a jaca podre cai. Acidente. Óbvio que não,
releia! Não há ninguém no estacionamento. Juliane verifica os batimentos
cardíacos, e ao perceber que Leilah não respirava mais, ela entra no carro.
-Aí eu me pergunto: podia ter evitado isso? Sim ou
claro?
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