Era
o sexto vestido que Karen provava. A cada tentativa, a amiga Lívia ficava
confiante, mas sempre se esquecia do quanto sua melhor amiga era vaidosa (e
exigente). Abriu rapidamente a cortina do provador e chegou a fazer uma pose.
-E
aí?
-Gente,
tá muito lindo! Mas você tem corpo de modelo, qualquer coisa fica bem, né,
Karen?
-Sério
mesmo?
-Sério.
Disse isso, inclusive, pra todos os cinco vestidos anteriores. Como eu escolhi
o primeiro que vi, acho que já vou sair da loja pronta, pra não correr o risco
de perder a festa.
-Não
precisa exagerar, né, Lívia? Tenho que arrasar hoje. Quero que Danilo me veja e
se morda de ciúmes.
-Não
era mais fácil você fazer as pazes com ele?
-Tão
fácil assim não tem graça. Eu quero que ele experimente, pelo menos por um
tempo, a sensação de que pode me perder. Assim, ele não olha pra nenhuma outra.
-Karen,
você tem certeza de que não entendeu errado? Danilo é doido por você, só existe
você na vida dele. Não encana.
-Ele
é homem, querida. Você já viu homem ser de uma mulher só? Se você me apontar
um, é porque ele sabe disfarçar muito bem. Quando a gente foi à balada, ele não
tirava os olhos de Isabela. Vamos ver se ele vai se empolgar tanto com ela
hoje.
-Não
sei se você tá lembrada, mas hoje a festa é na casa dela. Vai fazer um
escândalo por causa de Danilo?
-Imagina,
não vou fazer nada. Mas isso não impede que eu provoque meu namorado em doses
homeopáticas.
-Sabe,
eu nunca pensei que você fosse ficar assim por causa de um homem...
-Nem
eu, sabia? Mas eu faço qualquer coisa pra não deixar Danilo ficar com outra.
Ele é só meu.
-Tudo
bem, não tá mais aqui quem falou. Diz que vai levar esse, por favor!
-É...
É bonito... Vou levar, mas não sem antes ir atrás dos brincos que vão combinar
com ele.
-Ah,
não, para de palhaçada! Leva esse vestido, e eu te empresto algum brinco meu,
Karen!
-Imagina
se eu vou usar aquela bijuteria tua. Não, senhora! Pode me esperar que eu vou
comprar um. E fica quieta, que eu vou te levar pra casa de Isabela. Sossega,
menina! A gente não vai se atrasar.
/////
Arrumando-se,
já em casa, Lívia termina de dar os últimos retoques em seu visual. A mãe,
Heloísa, entra em seu quarto.
-Outra
noitada?
-Não
precisa ficar nervosa, eu não vou demorar.
-O
que vai ser dessa vez?
-Aniversário
de Isabela.
-Sei,
não... Karen pode até se acostumar com essa vida de farra, mas você...
-Qual
o problema? A faculdade tá em recesso, e eu não vou ficar a noite toda fora.
-Você
sabe que eu fico preocupada do mesmo jeito, minha filha. Sem contar que do
jeito que a coisa vai, Karen não anda nada bem.
-Como
assim, Mãe?
-Esse
ciúme que ela sente do namorado... Vai acabar sobrando pra você.
-Imagina,
o que tem uma coisa a ver com a outra?
-Se
ela encasqueta com a ideia de que você tá dando em cima do namorado dela, de
repente?
-Mãe,
não viaja. Nunca que eu ia olhar pro namorado de uma amiga minha.
-Karen
anda desconfiada de tudo e de todas.
-Só
que a gente é amiga desde o começo da faculdade, antes de ela conhecer Danilo. E
eu só falo com ele por causa dela. Também acho que ela exagera nesse ciúme
todo. Inclusive, ela falou que vai causar na festa de hoje, só pra provocar
ele.
-Toma
cuidado, Lívia. Se você achar que ela pode, sei lá, passar dos limites com essa
ideia de querer pegar Danilo com outra...
-Mãe,
fica tranquila. Eu nunca olhei pra Danilo com outra intenção.
-Não
estou tô que você olha. Quero que você não se torne responsável pelo que ela
pode pensar.
-Já
te disse pra ficar tranquila.
-O
amor pode cegar uma mulher, minha filha.
-Mãe,
chega desse assunto, tá? Karen sabe muito bem quem eu sou pra dar em cima do
namorado dela.
Ouve-se
a buzina do carro de Karen, que está à porta da casa de Heloísa.
-Ela
chegou.
-Bom,
então deixa eu ir logo, que a gente já deve tá muito atrasada.
-Você
vem com ela?
-Venho,
sim. Pode dormir, viu? A bênção.
-Que
Deus acompanhe você- Heloísa leva a filha ao portão da casa, e acena para
Karen.
Em
frente à residência de Lívia, está o lar da família Figueira. Iolanda, a dona
da casa, está à espera do marido e dos filhos. Um deles, Juliano (o mais novo),
vem acompanhado do pai. Este, por sua vez, fala de longe ao ver Lívia dentro do
carro:
-Boa
noite.
Lívia
vê pelo retrovisor o rosto do adolescente, e decide ignorá-lo, como também ao
pai deste. Karen também não diz nada, reparando ainda na roupa suja que os dois
vestem. Heloísa retribui ao “boa noite” dito por Cícero e entra em casa assim
que o carro sai daquela rua.
/////
As
amigas tem um rápido diálogo no carro.
-Por
que você demorou tanto?
-O
lado ruim de você ter uma coleção interminável de sapatos é que você pode
demorar horas pra achar um par que caia bem com seu vestido novo.
-Já
tava achando que você não vinha mais, que o Danilo tinha desistido da festa.
-Falando
nele, pega meu celular dentro da bolsa, por favor.
-Você
vai dirigir e falar no celular?
-Lívia,
a gente não tá na Avenida Caxangá, não, por favor! Só pra sair desse fim de
mundo, a gente demora cinco minutos. E eu tô indo devagar, pega o celular pra
mim.
Assim
que Lívia lhe entrega o aparelho, Karen faz uma ligação para Danilo.
-Onde
é que você tá?
-Fui
buscar Lívia na casa dela.
-É
o quê? A ligação tá cortando.
-Danilo,
tá me escutando?
-Karen,
quer olhar pra frente, por favor?
-Peraí,
Lívia, tô tentando escutar Danilo aqui.
Acende
o sinal amarelo, e Karen só consegue escutar ruídos pelo telefone. Lívia olha
para a amiga e não presta atenção no semáforo.
-Karen,
onde é que você tá? Tá conseguindo me ouvir?
Quando
o sinal fecha, Toni vem pela calçada. Ele aproveita a oportunidade e corre para
atravessar a rua. Karen ultrapassa a faixa. É exatamente neste momento que
Lívia grita:
-Para
o carro!
Toni
toma um susto ao perceber o veículo encostado à sua perna, assim que Karen
freia o carro.
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