-Que pegadinha é
essa, Danilo? Veio aqui pra quê? Pra tirar onda com a minha cara? Não chega o
que já aconteceu até agora?
-Só porque eu pedi
você em casamento? Você acha que eu não tô falando sério?
-Vai, Danilo. Me diz
o que você pretende com esse teatro.
-Karen, eu tô aqui
de coração aberto, como poucas vezes você me viu na vida. Tudo o que eu quero é
passar uma borracha nas besteiras que eu fiz.
-Começou mal. Ser hipócrita
não é uma opção válida.
-Por favor... Eu sei
que você tá morrendo de vontade de pular de alegria, de correr na minha
direção. Não esperava que um dia eu fosse me regenerar, né?
-Não acreditava que
esse milagre pudesse acontecer. Aliás, continuo sem acreditar.
-O que você quer
que eu faça? Bom, se é que eu precise fazer alguma coisa? Todas as nossas
brigas nada tinham a ver com as discussões de um casal normal. A gente amava se
odiar, se machucar, porque sabia que quando um de nós tomasse a iniciativa,
esse apartamento ia pegar fogo.
-Quer me explicar
essa paixão repentina? É o quê? Remorso por tudo o que me fez?
-Pelo que eu fiz
comigo. Por esses três meses que agente ficou afastado.
-Que estranho... Me
pareceu que você sobreviveu a essa vida de solteiro tão doída muito bem...
-Procurava nas
outras alguma coisa que me lembrasse sua voz, seu cheiro, seu corpo...
-Óbvio que não
achou. Acha mesmo que meus traços vão se encontrar em qualquer vagabunda que
vai pra uma cama de motel com você?
-Tudo bem. Eu já
entendi que você quer me punir. Mas acho injusto fazer isso com você mesma.
Ninguém vai tirar da minha cabeça que você faria qualquer coisa pra ficar
comigo.
-Nem os chifres da
minha, Danilo. Chega dessa conversa mole! Já fiz muita coisa em nome desse
amor. Mas agora acabou. Fica com essa droga de aliança, essas flores... Aliás,
você já deveria saber que eu sou alérgica a essa porcaria!- joga a aliança e as
flores na lixeira do corredor.
-Pensa bem, meu
amor. Eu te prometo que você não vai se arrepender de voltar pra mim.
-Eu já tô
arrependida. E é de ter continuado com essa relação.
-Não acabou, não,
Karen.
-Fale por você.
-É por mim mesmo!
Você pode dizer o quanto quiser que não me ama, mas eu sei que isso é mentira.
E eu não vou desistir. Essa história só acaba quando eu quiser- recolhe a
aliança da lixeira- Não ache que eu não vou voltar e insistir pra você me dar
uma nova chance. Eu te amo, Karen. E talvez mais do que antes.
-Que lindo. Escreve
isso num depoimento e posta no meu Orkut!- bate a porta na cara do ex-namorado-
Não, Karen. Você não pode ser tão imbecil... Ele tá mentindo, ele não te ama,
não ama ninguém... Esquece o Danilo. Tira ele da sua vida... Seja forte, como
foi até agora.
/////
No meio de várias
pessoas que esperam atendimento, Heloísa entra na sala do médico, que está
verificando algumas medicações.
-Desculpa, Doutor,
mas é que eu não posso esperar.
-A senhora tem que
voltar pra fila, eu não posso...
-Eu vim saber da
minha filha! Lívia.
Um enfermeiro está
à porta, tentando conter as pessoas que reclamam da invasão de Heloísa.
-Pede ao povo pra
esperar só cinco minutos, por favor- o enfermeiro fecha a porta.
-O nome dela é
Lívia dos Santos Figueira. Tem vinte e dois anos.
-Muito bem. A
senhora sabe que sua filha está grávida, não sabe?
-Soube agora há
pouco. Encontrei um teste no quarto dela. Mas o que eu quero saber é como Lívia
tá.
-Está em coma,
minha senhora. Sua filha está em coma.
-Mas... – senta-se
na frente do médico- O que houve com ela? O que é que tá acontecendo com minha
filha? Fala!
-Lívia teve uma
alergia a um medicamento. Um comprimido, inclusive com venda proibida aqui no
país. Tomou LMD.
-Pra quê que serve
isso?
-É um medicamento
abortivo. Ela tentou tirar o bebê que está esperando.
-Está? Ainda?
-O feto está
intacto. Sua filha deu entrada aqui com uma hemorragia grave. Se não fosse o
rapaz que lhe socorreu, nós não poderíamos ter feito mais nada...
-Isso só pode ser
um pesadelo. Primeiro, a minha filha mente pra mim, esconde que tá tendo um
caso com alguém; depois, tenta abortar; agora, tá à beira da morte?
-A senhora não faz
ideia de quem seja o pai do bebê?
-Não. Mas por que
tá me perguntando isso?
-A polícia vai lhe perguntar
a mesma coisa. O que Lívia fez foi um crime. Talvez o pai tenha obrigado sua
filha a tirar a criança.
-Não faço ideia de
quem seja esse desgraçado. Mas eu sei que ele é culpado... Ele fez a minha
filha mentir pra mim. Eu sempre desconfiava de que tinha alguma coisa errada
com Lívia, perguntava se tava tudo bem e ela se fechava... Agora eu entendo.
Dormiu com algum macho, sabe-se lá onde! Aposto que ele não quis assumir... E
como ela não tem onde cair morta... Pediu a ele pra tirar... Tá tudo explicado,
Doutor.
-Por favor... Não
tire conclusões precipitadas. Sua filha pode ser uma vítima...
-A vítima sou eu!
Eu que me matei de trabalhar pra sustentar essa menina, paguei despesa, fiz
dívida pros estudos dela... E Lívia me aparece grávida? Esse meu castigo
ninguém consegue explicar.
-Em vez de ficar
culpando sua filha sem saber o que houve, deveria torcer pela recuperação dela.
-E se ela não
voltar? Se ela não acordar mais?
-Isso só vamos
saber com o tempo!
-Quanto, Doutor??????
-Não sei. Tudo que
eu queria era poder ter essa informação agora.
-Grávida... E à beira
da morte. Tudo por causa de um homem.
-Eu... –pigarreia-
Vou levar a senhora pra ver a Lívia.
Rafael e Heloísa
saem devagar do consultório e vão até a enfermaria onde Lívia está dormindo. A
mãe repete várias vezes o nome da filha, na esperança de acordá-la. O médico
responsável pela internação a tira daquele lugar, e ela não consegue esboçar outra
reação a não ser o choro compulsivo de uma batalha quase perdida.
/////
No dia seguinte,
Karen volta de uma caminhada pela praia e entra no prédio, com vontade de tomar
uma chuveirada. Homero a alcança antes de pegar o elevador.
-Karen! Não sobe
agora!
-Pastor? O que foi?
-Ainda bem que eu
te encontrei. Tava mesmo querendo falar com você.
-A essa hora? Por
quê? O que foi que houve?
-Toni, que é DJ do
ministério jovem da minha igreja, me ligou ontem pedindo que eu intercedesse
com orações pela vida de Lívia.
-Lívia? A minha
amiga Lívia? Mas o que foi que houve?
-Como assim? Você
não sabe ainda?
-Saber do quê, Pastor?
-Lívia está internada
em estado grave.
Karen fica em
estado de choque com a notícia dada por Homero.
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