-De onde a senhora tirou isso?
-Não sei, minha
filha. Mas eu sinto que você quer me contar uma coisa. É sobre a festa de
ontem, não é?
-Não teve nada,
Mainha... Só mais uma briga.
-Karen?
-É. Ontem ela me
arretou.
-Mas vocês
discutiram por quê?
-Não, a gente não
discutiu. Ela brigou com Danilo na festa.
-Pra variar...
-Mas ontem foi
pior. Ela pegou Danilo com a menina da festa, fez uma confusão lá e... Me
deixou pra trás.
-Como foi que você
voltou pra casa?
-A pé. Não tinha
dinheiro pra táxi nenhum. Por isso que cheguei mais tarde.
-Mas essa menina,
hein? É isso que você chama de amiga? Nem pra te pedir desculpa?
-Ligou pra mim mais
cedo, mas adivinha qual era o assunto?
-Danilo.
-Quase desliguei o
telefone na cara dela.
-Tem certeza de que
tá tudo bem mesmo, minha filha? Que o problema é só esse mesmo?
-Tenho. Pode ficar
tranquila.
O pesar da mentira
aumenta quando Heloísa beija a cabeça da filha. A doméstica recolhe a vassoura
e a pá, indo para a cozinha.
/////
Dessa forma, Lívia
passou três meses. Nunca se atreveu a se abrir para a mãe, nem para qualquer
outra pessoa, sobre o que Danilo fez. Sabia muito bem que o trauma não seria
esquecido, mas conseguiu pensar que, ao se afastar da amiga Karen,
afastar-se-ia também de seu agressor.
Tudo isso, até
virem as desconfianças de que o crime de Danilo teve consequências. As fortes
imagens da fatídica noite voltaram com maior agressividade quando Lívia entrou
no banheiro de sua casa e decidiu acabar com as suspeitas que possuía usando um
teste de gravidez. Conferiu, atônita, o resultado. Com medo de que Heloísa
pudesse encontrá-lo e lhe cobrasse explicações, corre até a cesta de lixo que estava
em seu quarto e jogou o teste fora.
Em seguida, pegou a
bolsa e os livros da faculdade, saindo de casa, bastante aflita.
/////
Iolanda já está
arrumando a mesa para o almoço com a família. O telefone toca na sala, e ela
deixa a panela esquentando no fogão.
-A paz do Senhor,
irmã.
-Paz, Pastor. Tudo
bem?
-Graças a Deus. Eu
queria falar com Toni, ele tá em casa?
-Só um minuto...
Toni!- o rapaz acaba de sair do banho- Pastor Homero no telefone.
-A paz, Pastor.
-Amém, meu filho.
Tá tudo bem por aí?
-O pessoal da
igreja não para de perguntar do senhor. E o congresso, como é que tá?
-Uma bênção, mas já
acabou. Hoje mesmo eu saio de Teresina e volto pra aí, pode avisar ao pessoal.
E trago novidades pra você.
-O que foi?
-Eu mostrei ao
pessoal da congregação o vídeo do “Teen Gospel” que você organizou. Não é que
eles tão procurando alguém pra fazer isso igual na festa do grupo jovem, já no
final da semana que vem? Indiquei teu nome.
-Meu nome?
-É, acho que menos
de uma semana sem tocar na igreja dá pra você, né? Será que você pode vir?
-Mas, pastor, é que
a gente tá desprevenido de grana. Agora é que Painho conseguiu um serviço,
junto com Juliano.
-Quanto a isso, não
se preocupe. Eu resolvo pra você. O que não dá é você deixar de espalhar a palavra
por aí.
-Se o senhor tá
dizendo, então eu vou.
-Pronto. Amanhã
você passa na minha casa e eu te explico como chegar lá na congregação.
-A que horas, mais
ou menos?
-Como eu vou
organizar as visitas às senhoras de manhã cedo... Tem como ser de uma hora da
tarde?
-Posso, sim.
Amanhã, eu passo no seu prédio.
-Agora, tem que
sair cedo, porque daí pra Piedade é um pedaço, viu?
/////
A campainha do
apartamento de Karen toca insistentemente.
-Que estranho. O
porteiro não me interfonou... – ao abrir a porta, encontra Lívia- Até que enfim
apareceu a margarida! Já tava mandando uma equipe de busca pro muquifo onde
você mora! Não me responde mais pelo WhatsApp, pelo Face... O que tá
acontecendo, hein? Tá me ignorando por quê? Se for por causa daquela palhaçada
de eu ter te deixado plantada na festa...
-Você vai continuar
com seu interrogatório aqui na porta ou vai me convidar pra entrar, sem que eu
corra o risco de você partir pra cima de mim com um detector de metal?
-Nossa! Cadê a
menina politicamente correta? É você mesma?
-Se você fosse só a
minha melhor amiga, eu até podia falar com você daqui. Só que como o assunto
tem a ver com você, eu acho melhor me deixar entrar. Depois, você fala. O que
quiser. Mas, pelo amor de Deus, me deixa entrar, Karen!
Percebendo a
aflição da moça, Karen fecha a porta, sentando-se no braço do sofá.
-Agora você me
deixou assustada. O que foi, Lívia?
-Eu não sei nem
como eu conto uma coisa dessas...
-Se você conseguiu
chegar até aqui, com o coração quase saindo pela boca... Fala, Lívia.
-Eu... Eu tô
grávida, Karen- diz à amiga, que ri.
-Vê só... Hoje é
dia quatro. O primeiro de abril já passou, amiga. Conta outra... – nota que
Lívia está falando seriamente- Não, você não ia brincar com isso... Como é que foi
isso? A Dona Helô já sabe?
-Só você.
-Nem o pai do bebê
tá sabendo? Aliás, quem é? Eu devo conhecer, não é possível... Vem cá, por que
você veio contar logo pra mim que tá grávida?
-O Danilo... Abusou
de mim na festa.
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