04/04/2015

LEVE-ME DAQUI/ CAPÍTULO 4: LONGE


-De onde a senhora tirou isso?
-Não sei, minha filha. Mas eu sinto que você quer me contar uma coisa. É sobre a festa de ontem, não é?
-Não teve nada, Mainha... Só mais uma briga.
-Karen?
-É. Ontem ela me arretou.
-Mas vocês discutiram por quê?
-Não, a gente não discutiu. Ela brigou com Danilo na festa.
-Pra variar...
-Mas ontem foi pior. Ela pegou Danilo com a menina da festa, fez uma confusão lá e... Me deixou pra trás.
-Como foi que você voltou pra casa?
-A pé. Não tinha dinheiro pra táxi nenhum. Por isso que cheguei mais tarde.
-Mas essa menina, hein? É isso que você chama de amiga? Nem pra te pedir desculpa?
-Ligou pra mim mais cedo, mas adivinha qual era o assunto?
-Danilo.
-Quase desliguei o telefone na cara dela.
-Tem certeza de que tá tudo bem mesmo, minha filha? Que o problema é só esse mesmo?
-Tenho. Pode ficar tranquila.
O pesar da mentira aumenta quando Heloísa beija a cabeça da filha. A doméstica recolhe a vassoura e a pá, indo para a cozinha.

/////

Dessa forma, Lívia passou três meses. Nunca se atreveu a se abrir para a mãe, nem para qualquer outra pessoa, sobre o que Danilo fez. Sabia muito bem que o trauma não seria esquecido, mas conseguiu pensar que, ao se afastar da amiga Karen, afastar-se-ia também de seu agressor.
Tudo isso, até virem as desconfianças de que o crime de Danilo teve consequências. As fortes imagens da fatídica noite voltaram com maior agressividade quando Lívia entrou no banheiro de sua casa e decidiu acabar com as suspeitas que possuía usando um teste de gravidez. Conferiu, atônita, o resultado. Com medo de que Heloísa pudesse encontrá-lo e lhe cobrasse explicações, corre até a cesta de lixo que estava em seu quarto e jogou o teste fora.
Em seguida, pegou a bolsa e os livros da faculdade, saindo de casa, bastante aflita.

/////

Iolanda já está arrumando a mesa para o almoço com a família. O telefone toca na sala, e ela deixa a panela esquentando no fogão.
-A paz do Senhor, irmã.
-Paz, Pastor. Tudo bem?
-Graças a Deus. Eu queria falar com Toni, ele tá em casa?
-Só um minuto... Toni!- o rapaz acaba de sair do banho- Pastor Homero no telefone.
-A paz, Pastor.
-Amém, meu filho. Tá tudo bem por aí?
-O pessoal da igreja não para de perguntar do senhor. E o congresso, como é que tá?
-Uma bênção, mas já acabou. Hoje mesmo eu saio de Teresina e volto pra aí, pode avisar ao pessoal. E trago novidades pra você.
-O que foi?
-Eu mostrei ao pessoal da congregação o vídeo do “Teen Gospel” que você organizou. Não é que eles tão procurando alguém pra fazer isso igual na festa do grupo jovem, já no final da semana que vem? Indiquei teu nome.
-Meu nome?
-É, acho que menos de uma semana sem tocar na igreja dá pra você, né? Será que você pode vir?
-Mas, pastor, é que a gente tá desprevenido de grana. Agora é que Painho conseguiu um serviço, junto com Juliano.
-Quanto a isso, não se preocupe. Eu resolvo pra você. O que não dá é você deixar de espalhar a palavra por aí.
-Se o senhor tá dizendo, então eu vou.
-Pronto. Amanhã você passa na minha casa e eu te explico como chegar lá na congregação.
-A que horas, mais ou menos?
-Como eu vou organizar as visitas às senhoras de manhã cedo... Tem como ser de uma hora da tarde?
-Posso, sim. Amanhã, eu passo no seu prédio.
-Agora, tem que sair cedo, porque daí pra Piedade é um pedaço, viu?

/////

A campainha do apartamento de Karen toca insistentemente.
-Que estranho. O porteiro não me interfonou... – ao abrir a porta, encontra Lívia- Até que enfim apareceu a margarida! Já tava mandando uma equipe de busca pro muquifo onde você mora! Não me responde mais pelo WhatsApp, pelo Face... O que tá acontecendo, hein? Tá me ignorando por quê? Se for por causa daquela palhaçada de eu ter te deixado plantada na festa...
-Você vai continuar com seu interrogatório aqui na porta ou vai me convidar pra entrar, sem que eu corra o risco de você partir pra cima de mim com um detector de metal?
-Nossa! Cadê a menina politicamente correta? É você mesma?
-Se você fosse só a minha melhor amiga, eu até podia falar com você daqui. Só que como o assunto tem a ver com você, eu acho melhor me deixar entrar. Depois, você fala. O que quiser. Mas, pelo amor de Deus, me deixa entrar, Karen!
Percebendo a aflição da moça, Karen fecha a porta, sentando-se no braço do sofá.
-Agora você me deixou assustada. O que foi, Lívia?
-Eu não sei nem como eu conto uma coisa dessas...
-Se você conseguiu chegar até aqui, com o coração quase saindo pela boca... Fala, Lívia.
-Eu... Eu tô grávida, Karen- diz à amiga, que ri.
-Vê só... Hoje é dia quatro. O primeiro de abril já passou, amiga. Conta outra... – nota que Lívia está falando seriamente- Não, você não ia brincar com isso... Como é que foi isso? A Dona Helô já sabe?
-Só você.
-Nem o pai do bebê tá sabendo? Aliás, quem é? Eu devo conhecer, não é possível... Vem cá, por que você veio contar logo pra mim que tá grávida?
-O Danilo... Abusou de mim na festa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário