14/04/2015

LEVE-ME DAQUI/ CAPÍTULO 14: EU QUERO ME SENTIR



Toni abre um sorriso, sem graça.
-Você quer me dizer que ela acordou, é isso?
-Não. Continua do mesmo jeito.
-Então, como é que você falou com ela, Juliano?
-Eu escutei a voz de Lívia, tô te dizendo.
-Cara, isso é impossível.
-Juro que escutei.
-Deve ter sido alguém com a voz muito parecida com a dela.
-Dentro do hospital? Na hora que eu tava falando com você, pelo telefone?
-Tá, e dizendo o quê?
-Que eu tava escutando o que ela falava. Ela repetia muito isso.
-Só foi isso? Teve mais coisa?
-Me falou que a mãe dela tava errada.
-Em quê?
-Em pensar que ela tinha dormido com alguém que ela não conhecia, que foi... Que a amiga dela tava mentindo pra mãe.
-Juliano, isso não tem lógica nenhuma. Vai ver você ouviu isso da boca de Dona Heloísa, que mora perto da gente...
-Ouvi dela! Ainda saí do hospital pra pegar um táxi, e ela me seguiu.
-Pelo amor de Deus... Quem te seguiu?
-Lívia. Me disse que foi abusada.
-Juliano, por favor, você não pode dizer isso pra ninguém.
-Por quê?
-Porque é um absurdo! Ninguém vai acreditar em você.
-Você não tá acreditando, não é? Não quer que eu fale pra eu não passar vergonha!
-Não é isso, cara, mas é que... Me diz por que ela ia te dizer isso. Ela não olhava nem na cara da gente.
-Porque já tentou falar com os outros, e eles não escutam. Eu também achei que fosse viagem da minha cabeça, mas não é!
-Juliano, jure que não vai mais tocar nesse assunto. Com ninguém.
-Toni, e se ela tiver falando a verdade?
-Não tem verdade aí. Você tá imaginando, tá bom? Não comenta isso com ninguém, promete?
-Tá. Não digo pra ninguém.
-Então... Vamos pra casa, que eu tô morrendo de fome. Aposto que você também.
-Tá.
-Ficou com raiva do que eu falei?
-Não. Vamos pra casa logo.

/////

Chegou a manhã do dia seguinte. Alguém bate à porta da casa de Heloísa. Destroçada, a mãe de Lívia abre a porta.
-Bom dia, Dona Heloísa.
-Bom dia, Karen.
-Eu posso entrar um minutinho?
-Se não se importa, pode falar daí mesmo? A casa tá uma bagunça.
-Tudo bem. A senhora não foi trabalhar hoje?
-A dona da casa onde eu trabalho tá viajando. E mesmo que tivesse lá, eu não tenho cabeça.
-Eu vim saber notícias de Lívia e... Pedir desculpa pelo que eu disse no outro dia.
-Imagina, Karen, você não tem do que se desculpar. Por quê? Por ter me contado a verdade?
-Eu quero que a senhora entenda que eu não podia mentir. A senhora tinha o direito de saber. Também acho que Lívia deu um passo errado, isso não tem nada a ver com a personalidade dela e...
-Por isso mesmo que eu tenho tanto ódio guardado dentro de mim. A Lívia não é de fazer isso, mas fez. Só isso explica ela ter me escondido essa gravidez. Bom, sobre ela e o bebê, até onde eu sei, os dois estão na mesma.
-Era só isso mesmo- afirma, sem graça- Enfim, eu espero que os dois se recuperem logo.
-Não tenha tanta esperança.
-É a última que morre, Dona Heloísa.
-É... Quem sabe?
-Bom, deixa eu ir embora, que hoje tenho prova na faculdade.
-Obrigada por passar aqui.
-Quando eu não puder ir ao hospital, passo aqui pra saber notícias- cumprimenta-lhe com um beijo- Tchau.
-Tchau, fique com Deus- Heloísa fecha a porta.
-Tomara que morram. Os dois.

/////

Na hora do almoço, Patrícia está com a cabeça distante, enquanto Rafael conversa sobre o hospital.
-Ainda bem que aquela senhora finalmente teve alta. Imagina o que é passar tanto tempo longe da... Patrícia, você está me ouvindo?
-O quê?
-Tem alguma coisa te preocupando, meu amor?
-Não, é que... Bom, você passa tanto tempo cuidando da saúde dos outros, mas... Rafael, quando foi que você fez um check-up pela última vez?
-Nossa, faz muito tempo mesmo! Mas por que a pergunta?
-Por nada. Só acho que você deveria frear um pouco esse ritmo de trabalho intenso.
-Imagina. Amo o que eu faço, Patrícia.
-Mas precisa de saúde pra fazer o que ama. Está se sentindo bem?
-Eu? Nunca estive tão bem. Quer dizer... Melhor estaria se nosso filho estivesse conosco nesse almoço. O que houve? Resolveu jogar boliche no shopping de novo?
-Muito pelo contrário, meu querido. Digamos que ele esteja dando mais uma cartada pra reconquistar Karen.
-Sinceramente, acha que ele vai conseguir reatar com ela?
-Confio plenamente nele. E te aconselho que faça o mesmo, Rafael.

/////

Prestes a sair de casa, Karen abre a porta do apartamento (carregando várias pastas e um notebook) e se depara com Danilo.
-Ué, o que você tá fazendo aqui?
-Eu vim ver como você tava, depois daquele dia no hospital.
-Horrível. Só de pensar que Lívia tá daquele jeito, e a gente não pode fazer nada...
-Meu pai tá fazendo de tudo por ela. Mas a gente tem que esperar ela reagir.
-Não sei.  Do jeito que ela tá... Não acham que eles escapam, nem ela nem o bebê.
-Eu não gosto de te ver assim. Se eu pudesse fazer alguma coisa pra não te ver triste desse jeito...
-Obrigada, mas ninguém pode. Aliás, o inferno na minha vida começou quando eu descobri o que eu represento pra você...
-O que representava. Só que mesmo com toda essa raiva, tudo o que você quer agora é sentir meus braços, saber que eu posso te ajudar, ouvir que eu nunca vou te deixar sozinha.
-Seria muito bom mesmo. Mas eu sei que isso não vai acontecer.
-Será que não? Depois de toda essa insistência que eu faço?
-Danilo, por favor, para de tornar as coisas mais difíceis. Eu não posso voltar pra você.
-Tudo bem. Mas se for pra acabar aqui, eu quero uma coisa antes.
-O que você quer?
-Me beija.
-Por que você tá fazendo isso comigo?
-Me beija, e eu prometo que saio da sua vida. Nunca mais eu volto, nunca mais eu te procuro, te ligo,bato na tua porta... Só não me nega isso, por favor. É a única coisa que eu tô te pedindo, Karen. Por favor.
Julgando-se sem alternativa, Karen retribui o pedido com um demorado beijo, onde deixou transparecer ser capaz de qualquer coisa para reatar o romance. Para Danilo, a batalha estava ganha.
É nesse momento que Lívia, ao observá-los, entende o motivo que levou a amiga a mentir para Heloísa.

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